A invasão das sedes dos Três Poderes ocorrida no último domingo (8) marcou uma “Intentona fascista” completamente patética e, após seu desfecho, as provas produzidas pelos próprios golpistas e postadas nas redes sociais, viralizavam ao passo que a notícia da prisão dos autores ia chegando. Um desses casos foi o de Kingo Takahashi, de Votuporanga, interior de São Paulo. Um senhor de 60 anos, nascido em 1962, mas com trejeitos adolescentes, que postou um vídeo afirmando que a invasão de Brasília seria “melhor que um show de Rock”.
Não demorou até que ele fosse preso e enviado ao Complexo Penintenciário da Papuda, de onde aparentemente foi pedida uma fiança de R$ 10 mil – não confirmada – para que respondesse em liberdade pelo processo que o acusa de tentativa de abolição do Estado de Direito por meio da força. A imagem contraposta entre uma foto dele deitado em poltrona do Palácio do Planalto ao lado do cartaz em que promove a “vaquinha da fiança” viralizaram de maneira jocosa na internet, no entanto escondem uma história sórdida do bolsonarista.
Kingo Takahashi no dia 08/01 >>> Kingo Takahashi no dia 11/01 pic.twitter.com/A1BPSdTuDB
— William De Lucca (@delucca) January 11, 2023
Ele é acusado de pedofilia, e há relatos de cerca de uma dezena de vítimas. Uma delas, que formalizou denúncia no Ministério Público nesta semana, acusa o golpista por suspeita de abuso contra sua filha quando tinha apenas 3 anos de idade. Ela conversou com a Revista Fórum, com exclusividade.
Logo no começo da conversa, Paula* nos explica que fez a denúncia de abuso sexual contra sua filha Tina*, ao Ministério Público, mas em outra cidade, onde vive atualmente. Ela conta que deixou Votuporanga com medo de Kingo e que nunca o denunciou por imaginar que a denúncia seria desacreditada, mas que agora, com o suposto abusador de sua filha preso pelos atentados em Brasília, sentiu um pouco mais de confiança na Justiça e espera que ele fique preso enquanto as acusações de pedofilia são investigadas.
“Meu medo é porque eu era muito próxima dele. Trabalhava em um salão que era de sua propriedade, para onde me mudei após a morte da minha mãe, e quando descobri as coisas que ele fez com a minha filha, que tinha 3 anos, precisei ir embora correndo para longe, senão em algum momento ela ia perguntar dele e não sei como seria”, contou. O principal medo de Paula, no caso de uma denúncia desacreditada, seria o de perder a guarda da filha. “Fiquei com medo de denunciar, porque pensei que se eu falasse, poderia perder a guarda da minha filha. Eu não tinha mãe, eu não tinha casa própria, nem um emprego formal. Com isso pensei que eu seria a pessoa que põe a filha em risco por não ter condições. Então decidi ir embora da cidade, para criarmos memórias diferentes e hoje estamos bem, minha filha está mais velha e é uma pessoa ótima”, explicou. “Tina não lembra de nada. Ela não tem traços de uma criança que sofreu abusos. Seu único traço é esconder-se, isso ela faz de forma exagerada. Também não abre a porta do banheiro para a própria mãe fazer xixi enquanto toma banho, por exemplo”.
Paula conta que Kingo era um amigão. Cedia o salão para ela trabalhar, com uma taxa dos lucros ao proprietário, é claro, e cuidava de Tina nas horas em que o movimento do trabalho de Paula se fazia mais intenso. E é justamente essa pose de amigão, mais do que as viagens frequentes aos EUA e os diversos imóveis que o golpista possui em Votuporanga, o que atraíam as garotinhas para as garras do suposto tarado. Os relatos de pedofilia são antigos e muito anteriores ao sofrido por Tina. A própria mãe, Paula, relata que saiu com ele uma vez, quando ainda tinha 13 anos, mas que não teve relações sexuais.
“Percebi naquela época que ele era meio tarado. Mas como ele era um cara muito legal, e nos tornamos amigos, só evitava ficar sozinha com ele. Nunca passou pela minha cabeça que ele abusaria da minha filha, que pegou no colo com 7 dias de vida. Nunca passou pela minha cabeça que ele fosse um pedófilo, assim, de pegar crianças tão pequenas”, contou a mãe. Ela afirma que sabia, e que é notório em toda a cidade, que ele gostava de adolescentes e raramente foi visto com mulheres maiores de 15 anos. “Era sempre de 12, 13 e 14 anos, e quem falar que não via está mentindo”, diz Paula. No entanto, a relação próxima atrapalhou seu entendimento dos fatos.
Até que Kingo começou a falar para outras pessoas que gostaria de se casar com sua filha Tina. Nesse momento ela estranhou e teria questionado o homem. “Ela não tem vergonha de ficar com os peitinhos de fora na minha frente (…) Ela vai ser a mulher mais bonita de Votuporanga e vou fazer ela se apaixonar por mim”, teria dito o bolsonarista sobre a menina de apenas 3 anos, para sua mãe. Paula ainda relata que uma outra vítima de Kingo, que não quer fazer a denúncia por medo, afirmou que a relação dele com Tina, aos 3 anos, funcionava como um consórcio.
“Tenho provas que esse cara tinha intenções românticas com a minha filha. E os amigos próximos também desconfiavam. Poxa, viam que eu estava sempre com o Kingo e de repente não estava mais e não queria nem falar sobre ele, somado ao histórico de acusações de pedofilia que ele já tem na cidade, as pessoas estranhavam. Mas antes de descobrir, eu jamais poderia imaginar”, relatou.
Paula ainda contou como soube, pela filha pequena, dos supostos abusos, quando ainda vivia em Votuporanga. “Minha filha me perguntou se eu iria fazer certa coisa no corpo dela. Fiquei em choque e falei que isso não se faz no corpo de uma criança. Quando perguntei se alguém já havia feito isso com ela, Tina saiu correndo e não falou mais nada sobre o assunto. Mas só associei isso quando as pessoas começaram a me contar sobre os absurdos que o Kingo falava sobre a minha filha”.
Kingo Starr: o tiozão roqueiro da cidade
Kingo Starr é o apelido que Kingo Takahashi se deu como um personagem roqueiro de Votuporanga. Em seu canal de Youtube, que tem esse nome, ele aparece sempre com os cabelos longos e alguma camiseta de banda de heavy metal, tocando guitarra. Em uma primeira olhada, parece ser um cara legal, bem humorado e vidrado em música.
No entanto, em um olhar mais atento ao canal, é possível encontrar vídeo no qual gravou o clipe da música “Menina”, onde aparece em cenas que simulam clichês românticos do cinema, com uma menina claramente menor de 5 anos de idade. A música é de Paulinho Nogueira e foi escrita em um contexto diverso do colocado por Kingo. “Menina que um dia eu conheci criança, me aparece assim de repente, linda, virou mulher. Menina, como pude te amar agora, te carreguei no colo menina, cantei pra ti dormir. Lembra a menina feia tão acanhada de pé no chão, hoje maliciosa, guarda segredos em seu coração”, diz trecho da letra.
Kingo atraía as menininhas que tentavam se iniciar na cena de rock da cidade, valendo-se do mito do “tiozão” que já ‘curtia um som’ na época que a cidade só tinha música sertaneja. Ele se gabava de nunca ter trabalhado e, mesmo assim, levar uma vida boa, divertida, em pistas de skate, palcos de heavy metal e bares de rock. De acordo com os relatos, ele usava a música alternativa, algo que deveria ser libertador, para arrebanhar suas vítimas.
“As meninas de 12 anos vinham nele para ficar perto de um roqueiro de verdade. Ninguém ia por interesse em grana ou drogas. A arma dele era ser o tiozão roqueiro, legal, que cantava em banda de rock, que tinha a idade do seus pai mas não era um cara chato e tinha uma ideologia legal – porque até então o bolsonarismo não existia. As meninas encostavam nele achando que se tornariam roqueiras genuínas e ele acabava abusando delas. Eu vi isso, ele usava o rock para fazer essas barbaridades”, relata.
Kingo Bolsonaro: o golpista
Paula conta, em história verificada com outras fontes da cidade, frequentadores da cena alternativa de rock, que antes do bolsonarismo Kingo gabava-se de ser um vagabundo, que nunca precisou trabalhar, mas que, depois de Bolsonaro, quando trocou as camisetas do Iron Maiden pela da seleção brasileira, passou a chamar os outros, em especial petistas e roqueiros antibolsonaristas em geral, de vagabundos.
Kingo teria começado a encarnar sua persona política nas eleições de 2014, quando Aécio Neves perdeu a presidência para Dilma Rousseff por uma margem pequena de votos. Antipetista, focava na figura do tucano mineiro então. Mais tarde, com a ascensão de Jair Bolsonaro (PL) como candidato à presidência, a partir de 2017, tornou-se bolsonarista.
Paula conta que na época de ‘aecista’, Kingo estava sempre ligado na TV Globo. Mas depois que radicalizou-se no bolsonarismo, o jargão “Globo lixo” passou a se fazer presente em seu repertório. “Quando ele virou bolsonarista, antes de descobrir os abusos contra a minha filha, eu ainda era amiga dele e o questionava: você é doente, cara! Você é maconheiro e roqueiro, como pode apoiar esse cara?”
Em suas andanças golpistas, como ‘ativista de extrema-direita’, quando esteve em São Paulo para uma manifestação bolsonarista, ele seguiu uma moça e fez um “book” dela.
“Eu achei que nunca poderia denunciá-lo e daí o idiota e vai preso fazendo uma barbaridade daquela. Achei que era o melhor momento para denunciar. E espero que enquanto ele está preso, mais vítimas também tomem coragem”, disse. Para Paula, assim como em relatos de outras vítimas de Kingo e moradores da cidade, existe a impressão de que a polícia da região não mexe com ele. A razão disto ainda é desconhecida.
Abusos contra crianças e adolescentes
Paula ainda contou que há dois anos, quando fez uma postagem sobre Kingo, apareceram cinco vítimas. Dois anos mais tarde, em nova postagem, duas outras vítimas entraram em contato com ela. Paula relata que há casos antigos, de mulheres que hoje estão na faixa dos 40 anos e que foram supostamente abusadas por ele.
Kingo não tem relação com seus familiares, que o renegam, mas tem uma ex-mulher, relata Paula. Essa mulher era menor de idade quando emancipou-se da família para se casar com o tiozão descolado do rock. Durante o matrimônio, mudaram-se para o Japão, onde passaram alguns meses juntos até que Kingo retornasse ao Brasil deixando-a sozinha do outro lado do mundo. Para piorar, ele ainda teria difamado a menina para toda a cidade.
“O próprio Kingo costumava contar, rindo, uma história em que estuprou uma mulher durante um acampamento”, relatou. Ela reitera que outras vítimas, que estão em contato com uma advogada em Votuporanga, também relataram essa história. “Ele contava isso rindo e nós, adolescentes, novinhas e fãs do tiozão roqueiro, achávamos que era só brincadeira, ainda não entendíamos, como se entende hoje, que arrancar a calcinha da namorada enquanto ela está dormindo é também um estupro”.
A reportagem não conseguiu localizar a defesa de Kingo Takahashi, ou mesmo os seus familiares. Assim que tiver acesso ao outro lado da história, ou seja, a versão do acusado, iremos atualizar a matéria.
“Tenho medo de quem o financiou para ir a Brasília, que não vai aceitar uma denúncia dessas sobre um ‘patriota’. Não estou protegida, não estou em um ambiente protegido. Vivo um dia de cada vez. Então tenho medo. Ele não, vimos que foi para Brasília patrocinado, fazer besteira, e eu? O que me alivia é que minha filha está bem e não lembra. Só quero que ele continue preso”. Com informações da Revista Fórum.
*Os nomes das vítimas são fictícios e foram trocados para manter o anonimato e segurança das mesmas.