Na mira de investigações tanto do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) como do STF (Supremo Tribunal Federal), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pode ver o desfecho de parte das ações de que é alvo ainda neste semestre. Integrantes do TSE querem acelerar julgamentos e buscam analisar até o meio do ano processos que podem tornar o ex-chefe do Executivo inelegível — ou seja, proibido de disputar eleições. Uma nova frente de investigações também pode ser aberta contra o ex-chefe do Executivo neste ano.
A AGU (Advocacia Geral da União) avalia os gastos do cartão corporativo do ex-presidente para verificar se houve uso indevido da máquina pública. Advogados próximos do PT apontam desconfianças sobre alguns gastos que se tornaram públicos. Eles dizem ser preciso averiguar se o uso do cartão para abastecimento e compras excessivas em padarias em períodos próximos a motociatas pode configurar uso ilícito de dinheiro público em ação de pré-campanha.
Ministros de tribunais superiores avaliam que há indícios de peculato, desvio de dinheiro público para proveito pessoal, em alguns gastos de Bolsonaro. Já a análise da AGU seria mais abrangente em relação às contas e não é focada no período eleitoral. Caso constatem algo que sugira ilícitos, o próprio governo poderia tomar providências jurídicas e solicitar ressarcimentos. Em outra frente, a CGU (Controladoria-Geral da União) está verificando qual o montante real que foi gasto no cartão da presidência porque o valor seria mais elevado do que o tornado público no início deste mês.
Se houver indícios de gastos na pré-campanha ou na campanha que firam a Lei Eleitoral, advogados, inclusive da campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), podem pedir para juntar as informações nos autos de Aijes (Ação de Investigação Judicial Eleitoral) em trâmite no TSE. Há 17 ações desse tipo tramitando contra Bolsonaro na corte eleitoral que podem levar à perda dos direitos políticos do ex-presidente.
Tradicionalmente essas ações têm tido tramitação lenta e exigido provas robustas. Mas alguns elementos pesam para que magistrados queiram acelerar processos contra Bolsonaro. O próprio corregedor eleitoral, Benedito Gonçalves, ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que relata essas ações, indicou a aliados querer acelerar o passo dos julgamentos por avaliar que esse tipo de instrumento acaba se arrastando por anos. Ele acredita ser preciso dar encerramento aos casos.
Ainda há outra razão para que a ala do TSE composta por integrantes do STF queira julgar até junho as ações. Segundo pessoas próximas a ministros do TSE, os magistrados pretendem aniquilar a fatura antes da aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski em maio. Isso porque a saída dele resultará na entrada de Kassio Nunes Marques, indicado ao Supremo por Bolsonaro.
A ideia é que os ministros do Supremo da composição atual do tribunal eleitoral votem da mesma forma. Interlocutores de ministros afirmam que o clima hoje no TSE é para declarar a inelegibilidade de Bolsonaro. A tendência cresceu após os atos golpistas de 8 de janeiro, quando militantes bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos três Poderes. Embora o ex-presidente estivesse em Orlando, nos Estados Unidos, integrantes do Judiciário e do governo Lula atribuem a gestos passados e a omissões de Bolsonaro o vandalismo contra os edifícios do Congresso, do Planalto e do STF.
Das Aijes no TSE, a mais avançada é uma apresentada pelo PDT. Ela aponta que Bolsonaro teria usado a estrutura do Palácio da Alvorada para uma reunião com embaixadores para atacar a integridade do sistema eleitoral. Na ocasião, o ex-presidente colocou em xeque a lisura das urnas. O PDT aponta suposta prática de abuso de poder político e de uso indevido dos meios de comunicação.
Está prevista para o dia 8 de fevereiro a instrução do processo, com o depoimento do senador Ciro Nogueira (PP-PI), que era ministro da Casa Civil. Esta Aije pode ser a primeira a ser julgada. O ritmo de julgamento das ações é definido pelo corregedor e pelo presidente do TSE, Alexandre de Moraes. Segundo aliados, ambos estão dispostos a acelerar o processo. Opositores de Bolsonaro, inclusive a campanha de Lula, questionam ainda nas ações a liberação de parcela extra do auxílio de R$ 1.000 para caminhoneiros e taxistas, a confecção de milhões de cartões do Auxílio Brasil e o desvirtuamento de agendas oficiais.
Após o dia 8 de janeiro, o PDT e o PT pediram que Benedito incluísse a minuta do decreto golpista encontrada pela Polícia Federal na casa do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, Anderson Torres. Um debate jurídico que deverá ocorrer no julgamento contra Bolsonaro é sobre até que ponto o tribunal pode avançar em relação à acusação inicial apresentada na ação. Esse foi um dos principais argumentos que os advogados do ex-presidente usaram na defesa enviada ao TSE em relação à inclusão da minuta do golpe no processo em que o PDT pede a cassação de Bolsonaro devido à reunião realizada no Alvorada com embaixadores.
A defesa disse que o próprio relator já delimitou o objeto do processo e, na argumentação, transcreveu trecho da decisão do magistrado que cita que “a ação tem como causa de pedir fática o alegado desvio de finalidade de reunião havida no dia 18 de julho de 2022”. “Fácil perceber: delimitados a causa de pedir e o pedido, implementado o contraditório circunstanciado e saneado o feito de maneira cabal, a ação eleitoral teve por encerrada a fase postulatória e encontra-se estabilizada”, diz a peça, assinada pelo advogado Tarcísio Vieira de Carvalho.
Caso o movimento interno na corte tenha sucesso, a tramitação da ação contra o ex-presidente irá destoar muito da maneira como o tribunal julgou processos similares nos últimos anos. A ação que pedia a cassação da chapa de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), por exemplo, só teve julgamento concluído mais de dois anos e meio após o fim da eleição que elegeu a dupla em 2014. Quando o TSE analisou o tema, a petista já havia sido destituída do cargo e Temer era o presidente da República.
Os dois foram acusados pelo PSDB de se aproveitar de verbas de propinas negociadas com empreiteiras e reveladas pela operação Lava Jato na campanha, o que configuraria abuso de poder político e econômico. Por 4 votos a 3, no entanto, a ação foi rejeitada, em junho de 2017. Poucos anos depois, o tribunal demorou ainda mais para julgar as ações apresentadas contra Bolsonaro sob acusação de que ele se beneficiou de um esquema de disparo em massa de fake news contra seus adversários nas eleições de 2018.
O caso foi julgado no final do terceiro ano de mandato do ex-presidente, em outubro de 2021. Naquela data, a maioria da corte concluiu que foi comprovada a existência de um esquema ilícito de propagação de notícias falsas via WhatsApp para beneficiar Bolsonaro, mas avaliou que não se demonstrou gravidade suficiente para cassar a chapa vencedora do pleito presidencial. Com informações da Folha de São Paulo.