Uma decisão emitida em conjunto pelo Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) determinou a nulidade das licenças expedidas para a construção de um complexo eólico em Canudos, na Bahia. O anúncio, que saiu no último dia 6, representa uma importante conquista para a luta de ativistas, ambientalistas e organizações civis que denunciam os impactos da obra para a sobrevivência das araras-azuis-de-lear.
A decisão é fruto de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público. Nela, o procurador e os promotores apontam que o processo foi “irregularmente emitido pelo INEMA, com prejuízo direto ao meio ambiente”. O Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) é o órgão responsável pela concessão de licenças ambientais e autorização de obras.
“Equívocos grosseiros ocorrem por parte do órgão ambiental, afinal, se o processo de licenciamento não adotou o rito previsto para o empreendimento, não se pode falar em licença válida, ao contrário, a licença é nula de pleno direito”, aponta o documento emitido pelo MP.
A notícia, aguardada há cerca de 2 anos, foi celebrada por grupos que se mobilizam em defesa das araras-azuis-de-lear. A espécie Anodorhynchus leari, que já é considerada em perigo de extinção na classificação da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN), tem o seu habitat e principal refúgio próximo à área onde o complexo será erguido.
Essas araras voam em pares e também em bandos. Por isso, caso sejam atingidas pelas turbinas eólicas do complexo, muitas podem morrer em um único evento de colisão. E, em pouco tempo, a população das leares seria drasticamente diminuída até a extinção.
A jovem ativista formada em Auxiliar Veterinária, Náthaly Marcon, 20 anos, é uma das vozes em defesa das leares. Em conjunto com a Fundação Biodiversitas – que se dedica à conservação de espécies ameaçadas de extinção -, Náthaly mantém um abaixo-assinado na internet pedindo que o complexo eólico não seja construído no local de refúgio das aves.
Aberta em junho de 2021, na plataforma Change.org, a petição conseguiu mais de 84 mil assinaturas em três países – Brasil, França e Estados Unidos. O abaixo-assinado ainda segue ativo para novos signatários. Confira: http://change.org/SalveArarasAzuis
“Eu fico feliz com a decisão do Ministério Público”, afirma Náthaly. “Fico feliz em ver que as pessoas se importam com as araras. Agora que o número de exemplares da arara-azul-de-lear vem crescendo, não devemos arriscar. Acho que todos deveriam se preocupar com elas. É nosso dever como cidadãos prezar pela vida dessas aves”, acrescenta.
O empreendimento vem sendo construído pela multinacional francesa Voltalia. No projeto do parque eólico, está prevista a instalação de turbinas eólicas, divididas em duas fases. O complexo terá, ainda, uma rede de transmissão de energia, que venderá toda a eletricidade produzida no local para a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig).
A empresa responsável enviou uma resposta às pessoas que assinaram a petição. O posicionamento pode ser visto, na íntegra, na página do abaixo-assinado online, neste link.
Forte mobilização
A mobilização para proteger essas araras vai além do abaixo-assinado. No ano passado, 70 organizações, associações comunitárias e entidades denunciaram o projeto de construção do complexo eólico ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. A causa também engaja comunidades locais e organizações ambientais do exterior.
Um dos apontamentos dos ativistas e especialistas que indicariam irregularidade no processo trata da não apresentação de um estudo ambiental completo para que as obras fossem autorizadas, conforme determina o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
A decisão do MP enfatiza a ausência do estudo. Informa que o ICMBio recomendou a reclassificação do processo de licenciamento, exigindo a apresentação do Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), além de audiência pública, porém, “nenhuma destas exigências legais foram cumpridas pelo empreendimento e/ou pelo órgão ambiental”, diz o documento que determina a tutela provisória de nulidade das licenças.
O documento pede a suspensão imediata de três licenças – a prévia, a de instalação e a de operação. O Ministério Público também determina que os responsáveis se abstenham de operar e fazer funcionar o complexo eólico até a elaboração do estudo e realização da audiência pública. Em caso de descumprimento, a pena é uma multa diária de R$ 300 mil,
Amor pelas araras
Considerada uma das sete maravilhas da natureza, estima-se que a população das araras-azuis-de-lear seja composta de apenas cerca de 2 mil indivíduos ainda em vida livre.
Náthaly espera que todos se unam à causa e ajudem. “Juntos podemos fazer a diferença”, acredita a ativista e estudante. “Eu espero conscientizar as pessoas a não fazer obras que venham prejudicar o meio ambiente e os animais”, fala a jovem. “Que eles se conscientizem que podem estar extinguindo uma espécie rara e que estudem melhor o lugar para construir”, completa a estudante, que mantém um blog dedicado à defesa da arara-azul.
A ativista costuma fazer pesquisas sobre eventos que podem afetar essas aves e foi desta maneira que ficou sabendo das obras do parque eólico. Náthaly criou um amor único pelas araras-azuis ainda durante a infância e a vontade de fazer algo a mais para salvá-las aumentou depois de assistir ao filme “Rio”, animação que aborda o tráfico de aves raras.
“Eu prometi a mim mesma, ainda criança, que iria proteger e cuidar dessas aves”, comenta a jovem ativista. “Agora posso dormir em paz, sabendo que elas não vão correr o risco de colidir em uma turbina eólica e morrer. Agradeço a todos que assinaram a petição! Eu amo muito essas aves e essa decisão do Ministério Público foi a melhor notícia que eu poderia receber”, completa Náthaly, enfatizando que a decisão a deixou cheia de alegria e esperança.
A petição criada pela jovem e pela Fundação Biodiversitas seguirá aberta até que haja uma conclusão em definitivo para o caso na Justiça. A ação do MP pede uma tutela provisória. A expectativa é que a empresa responsável e o Inema cumpram com a determinação.