Há dois anos a fotógrafa Lilia Lima e o marido Edson Alves sobem os três andares do prédio em que moram, no bairro do Imbuí, em Salvador, na esperança de que um dia voltem a fazer o mesmo trajeto ao lado do filho Davi.
O garoto desapareceu aos 12 anos, no 28 de março de 2021, quando saiu da casa de uma tia em direção à residência da avó, no povoado de Varzinha, na zona rural de Itiúba, norte da Bahia.
O sumiço de Davi Lima Alves é cercado de mistérios. A resposta da Polícia Civil para a família sempre é a mesma: “Falam que o caso é complexo e que não tem indícios de crime”, disse a fotógrafa.
O g1 também entrou em contato com o polícia que, assim como aconteceu em dezembro de 2021 e março de 2022 (quando Davi completou um ano desaparecido), informou que a investigação está em segredo de Justiça.
Inicialmente o desaparecimento era investigado na delegacia de Itiúba, município em que Davi foi visto pela última vez. No entanto, após intensos pedidos dos pais do garoto, o caso foi transferido para a capital baiana.
“Dizem que continuam acompanhando, que estão dando atenção, mas que é um caso complexo e que não tem muito o que fazer. É sempre isso, a mesma resposta da delegada, assim como eu sempre ia lá na delegacia de Senhor do Bonfim e a reposta era a mesma”, contou Lilia Lima.
A mãe de Davi comenta que, enquanto o caso estava no interior, houve troca de delegado e foi preciso, inclusive, voltar à cidade para contar as mesmas informações. Diante disso, ela pediu ajuda para que o inquérito fosse transferido à capital.
O g1 também procurou o Ministério Público da Bahia (MP-BA), que informou que acompanha as investigações desde as buscas iniciais e as diligências do inquérito policial. O órgão afirmou que quando as investigações forem concluídas, vai analisar o procedimento e tomar as providências necessárias.
“Todo dia me pergunto onde ele está, o que aconteceu, porque não saber onde ele está é pior do que a morte. Você não sabe se está comendo, dormindo, se está bem”, disse a mãe de Davi.
Mesmo com as dificuldades para respostas, a fotógrafa não desiste. “Eu estou lá [na delegacia] todo mês. Semana passada estive com ela [delegada] e sempre fala a mesma coisa: que é um caso complexo, que não tem muito o que fazer, porque é muita coisa que não faz sentido”.
“Queria voltar no tempo”
Lilia Lima e Edson Alves contam que ainda acreditam que vão encontrar o filho. O triste 28 de março de 2021 custa não terminar para eles.
“Queria voltar no tempo, não queria ter viajado, ter ido trabalhar, queria estar com ele porque lembro o momento em que o deixei, tenho na minha mente todos os dias”, relatou.
“Tirei ele do carro, o deixei e ele ficou olhando para mim. Ainda olhei para ele no retrovisor, mas como eu iria imaginar que ia voltar para pegá-lo e não iria encontrar? Em um lugar que eu sempre deixava ele”, desabafou emocionada.
O quarto de Davi também é o mesmo desde que deixou o cômodo para viajar. Lilia ainda não conseguiu lavar peças de roupas sujas do garoto, para sentir o cheiro do filho.
“É muito difícil acreditar que ele não está aqui, porque está tudo aqui dele: as roupas, a mochila da escola, tudo está do mesmo jeito. Estou aqui no quarto dele todos os dias, olho as coisas dele todos os dias”, revelou.
Nesses dois anos, Lilia Lima retornou para a casa dos familiares em Itiúba algumas vezes e passou mal, delirou, teve febre e ficou em estado de choque.
“Cheguei lá e encontrei a casa que era o sonho dele morar, compramos porque ele queria. Me desfiz do imóvel, tive que ir até lá para tirar as coisas dele e fiquei em choque”, relembrou.
Outra medida tomada pela mãe de Davi foi desativar as redes sociais devido aos trotes constantes que a família recebia.
“As pessoas falavam que viam alguém parecido com ele, eu chegava a ir nos lugares, pedia a alguém que morava próximo para ir, mas quando chegávamos lá, era pista falsa. A gente sempre dava um jeito de ir, mas não era”, contou Lilia Lima.
“Até hoje tenho contato com pessoas de lá, mando postar foto, cartazes e ligo para todos os orfanatos, abrigos, já fui em vários hospitais, fiquei um tempo procurando ele na rua. No lockdown, eu andava no meio da rua às 0h sozinha procurando ele”.
Já o pai de Davi, Edson Alves lembra que assistia ao jogo entre Bahia e Altos, pela Copa do Nordeste, quando soube da notícia do desaparecimento do filho e não acreditou.
“Achei que era uma brincadeira, pensei: ‘Davi deve estar se escondendo’. Quando cheguei lá tinham muitas motos e o irmão dela que achou a sandália me disse: ‘seu filho sumiu, mas eu chamei os caçadores’, mas minha ficha não tinha caído ainda”.
Nesse período de dois anos, a dor pelo desaparecimento do menino trouxe grandes prejuízos ao casal, que chegou a se separar, mas reatou o relacionamento e teve um filho, Ravi, de 1 ano.
“A gente acabou se separando, eu fiquei doida. Eles me davam calmante, porque eu não parava, eu dormia dentro da mata. Ficava preocupada porque lá tem espinho, cobra, e Davi não podia ver um espinho que saia do lugar”, disse Lilia Lima.
Os pais do garoto acreditam que denúncias de pessoas que possam ter visto o menino no dia do desaparecimento possam ajudar a polícia. Itiúba é uma cidade considerada pequena, com área territorial de 1.650,593 km² e população estimada em 36.140 pessoas.
“É muito difícil mesmo e faço um apelo para quem souber de alguma coisa: denuncie, ligue, o sigilo é garantido. Peço para que me ajudem a encontrar o meu filho e saber o que aconteceu com ele. Eu quero encontrar ele, seja vivo ou morto, mas preciso encontrar ele”, disse Edson Alves.
Edson conta que, desde o desaparecimento de Davi, não consegue dormir e nem se alimentar direito. Disse ainda que não consegue trabalhar e é como se nada mais fizesse sentido para ele. “É um vazio que nada vai preencher”, reforçou.
De sorriso fácil, Davi gostava de estudar matemática e era apaixonado pelo porquinho-da-índia que ganhou dos pais e apelidou de “Belinha”.
“Gostava de jogar bola na escola, mais de brincar do que de estudar. Os brinquedos preferidos dele são de Lego, eram os que ele pedia para a gente comprar”, relembrou a mãe de Davi.
Outra paixão do garoto era viajar. Com os pais ele conheceu Fortaleza e foi duas vezes em Gramado. “Ele quem nos levava porque tínhamos medo de andar de avião, ele pegava na nossa mão e levava. ‘Meu pai, vamos’, pegava na mão do pai e levava”, relembrou Edson Alves.
Lilia e Edson ainda convive com lembranças do parquinho do condomínio que Davi morava. “Ele brincava de esconde-esconde e de bola, as únicas brincadeiras que ele gostava. Os amiguinhos sempre perguntam: ‘O Davi não voltou ainda?’. Eles não entendem muito, não compreendem o que aconteceu. Falam com uma naturalidade, como se ele [Davi] tivesse ido ali e voltasse”, disse Lilia.
Davi Lima desapareceu no dia 28 de março de 2021, no quarto dia de viagem com os pais. Lilia foi contratada, em Itiúba, para fazer um ensaio com um casal;
A mãe do garoto deixou o filho com a irmã e voltou em menos de duas horas, mas Davi já tinha desaparecido;
Logo após descobrir que o filho tinha sumido, os pais, vizinhos e familiares começaram as buscas. Lilia e o marido, Edson Alves, procuraram incessantemente pelo garoto, em uma área de mata, mas não encontraram;
Uma equipe do Corpo de Bombeiros, além de cães farejadores e helicópteros, também foram ao local, mas apenas a sandália que Davi usava foi achada;
No entanto, os bombeiros deduziram que a sandália do menino foi implantada no local. Primeiro porque várias pessoas passaram por lá antes e não viram. Também porque os cachorros foram até a sandália e voltaram, apontando que o cheiro de Davi não prosseguia para a mata.
“Os cães chegaram a farejar, mas foi só em um determinado local. Então eles descartaram a possibilidade dele ter subido a serra descalço”, disse Lilia Lima.
Na delegacia, foi relatado aos pais do garoto que o provável é que Davi tenha sido sequestrado entre a casa da irmã de Lilia e da mãe dela, que é menos de 300 metros.
“O incrível é que têm pessoas que estavam ali próximo. Só um senhor que falou que viu ele no fundo da casa dele, mas depois entrou e não viu para onde ele foi”, contou a fotógrafa.
“Todo mundo achou que ele tinha subido a serra e foi para lá, mas a sandália foi plantada porque passaram de 18h até 00h e não estava lá. Passei várias vezes e ninguém encontrou a sandália, mas 00h apareceu do nada, como se fosse mágica. Então é alguém que sabe e colocou a sandália ali”.
“Eu posso ter dez filhos, mas não vai preencher o vazio que é muito grande, uma dor que não tem explicação”, afirmou Edson. As informações são do g1/Bahia.