A Defensoria Pública da União (DPU) considera inconstitucional uma lei do Estado da Bahia que trata da regularização de terras das comunidades de fundos ou fechos de pastos. A tese está em manifestação encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF), que deve julgar o caso nesta quarta-feira (17). A Lei 12.910, de 2013, estabeleceu o limite temporal de 31 de dezembro de 2018 para que as associações realizassem pedidos de certificação de reconhecimento e de regularização fundiária para os órgãos competentes. O mesmo prazo, no entanto, não foi delimitado pela legislação para as comunidades remanescentes de quilombos.
Dessa forma, o marco temporal estabelecido na lei baiana expirou há mais de 4 anos. Pela regra fixada, já não existe a possibilidade de proteção das comunidades de fundos ou fechos de pastos. O defensor público federal Gustavo Zortéa, que assina o documento enviado à Suprema Corte, ressalta que a Constituição da República não impôs limite temporal para a proteção das comunidades tradicionais. Portanto, ao delimitar temporalmente o exercício de direito que não possui prazo prescricional ou decadencial previsto, a lei baiana incursiona na inconstitucionalidade.
“Nesse sentido, é fácil concluir que a lei baiana viola o próprio direito de tais comunidades existirem, o que afronta a proteção assegurada pela Constituição da República. Não há como compatibilizar um limite temporal de proteção e regras de proteção previstas na Constituição da República. Se a Constituição da República protege, não há como projetar hipóteses, tais como as ensejadas pela lei baiana, em que tenha findado qualquer possibilidade de reconhecimento ou de regularização fundiária”, diz Zortéa.
Você sabe o que são as Comunidades de Fundos e Fechos de Pastos?
Os fundos e fechos de pastos consistem numa forma de ocupação tradicional de territórios, fazendo o uso comunitário da terra com agricultura familiar e mantendo tradições herdadas dos seus antepassados. Com modo de viver 100% brasileiro, as comunidades tradicionais se baseiam no uso comum da terra e preservação da Caatinga. De acordo com dados da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia (AATR-BA), existem aproximadamente 1500 comunidades de fundos e fechos de pastos no Estado da Bahia, vivendo e preservando os seus territórios tradicionais.
“É inquestionável que as comunidades de fundos e fechos de pastos caracterizam-se como tradicionais, com direito a preservar sua identidade, cultura e território. O próprio Estado brasileiro reconhece a tradicionalidade, ao assegurar vaga, no âmbito do Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais, a representantes da sociedade civil ligados às comunidades de fundos e fechos de pasto”, ressalta o defensor.
Nilza Vieira, da comunidade tradicional de Fundo de Pasto de Várzea Grande, destacou a importância desse momento no qual a mais alta Corte do país volta os olhos para essas comunidades localizadas no sertão e no oeste da Bahia. “Se as comunidades perderem o direito de afirmar e de autorreconhecer seu modo de vida tradicional e o uso dos seus territórios, ocorrerão diversas violações. Minhas expectativas e esperança são grandes, eu acredito que os/as ministros/as serão capazes de se sensibilizar e de perceber que esse prazo fere nossos direitos”, afirmou.
No STF
A lei do Estado da Bahia é julgada pelo STF na Ação Direta De Inconstitucionalidade (ADI) 5.783. Em 2017, a relatora do caso, ministra Rosa Weber, optou por submeter o processo diretamente ao Tribunal, deixando de decidir monocraticamente. “Todavia, o contexto atual é bastante diverso daquele vigente por ocasião da decisão que aplicou o rito do artigo 12 da Lei 9.868/1999. À época da decisão, não havia expirado o prazo previsto na lei baiana. Hoje, o prazo está expirado”, explica o defensor.
O que a DPU quer?
Na manifestação, a DPU pede seja julgado procedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade do § 2º do artigo 3º da Lei 12.910/2013. A DPU atua como amicus curiae no processo. As informações são de assessoria.