O biólogo e fotógrafo de aves Ciro Albano estava no quintal de sua casa, localizada no município de Lençóis, quando se deparou com uma jiboia-constritora (Boa constrictor) predando uma uma fêmea de sabiá-laranjeira (Turdus rufiventris) na manhã do dia 5 de outubro. O vídeo com a cena inusitada foi compartilhado em diversas redes sociais.
“Escutei a barulheira da sabiá, mas achei que era mais uma briga entre eles, mas todos os outros passarinhos e, em especial as gralhas-cancã, não pararam de alarmar de forma desesperada. Daí fui olhar o que tava rolando e me deparei com essa cena”, relatou Ciro em seu Instagram.
“Não quis intervir porque a predação faz parte da natureza, mas a jiboia ficou desconfiada quando me aproximei, deu um bote pro meu lado e, pouco tempo, depois soltou a sabiá já morta”, completou o biólogo. Nas imagens, ainda foi possível observar que a cobra está com a boca repleta de penas da ave.
Ciro ainda afirmou que, após a cobra finalizar o processo de estrangulamento da presa, pegou o animal e o levou para a mata mais próxima de sua residência. “Não queria ela viciada em comer os passarinhos aqui do quintal e na mata ela vai estar no seu real ambiente. Tem gente que ficaria apavorada com uma cobra em casa. Eu adorei a visita, mas cada um no seu espaço”, disse o biólogo.
Com o objetivo de compreender melhor sobre como ocorre predações, como essa que aconteceu na casa de Ciro Albano, o Terra da Gente conversou com a herpetóloga – bióloga especialista em répteis e anfíbios – e doutora em Biodiversidade Karina Banci, que atua no Laboratório de Ecologia e Evolução do Instituto Butantan há 13 anos.
Predação pela jiboia
De acordo com Karina, animais da família Boidae caçam por espreita. “Isso significa que ela fica enrodilhada, camuflada ali no ambiente esperando que alguma presa se aproxime para ela fazer a captura. E essa escolha do local não é ao acaso. Elas usam pistas. Eventualmente cheiros ou alguma coisa assim para escolher locais onde ela saibam que essas presas passam ou visitam”, explica.
“Os sabiás se alimentam de frutinhas, né? Então, frequentemente eles visitam essas árvores frutíferas. O fato dessa jiboia estar na árvore, por exemplo já favorece o encontro com sabiá. Elas ficam ali, na espreita e quando essa ave vai atrás da fruta, ela consegue capturá-la”, completa a bióloga.
Ainda segundo a herpetóloga, cobras como essa se valem dos órgãos dos sentidos para localizar presas e dar o bote de forma rápida. Nesse contexto, As jiboias dependem fortemente da visão, do olfato e de órgãos termorreceptores. Através dessas capacidades, as cobras conseguem detectar o calor de outros organismos ao seu redor, graças a estruturas localizadas nas escamas da boca, conhecidas como fosseta labial.
“Assim como a sucuris e as pítons, as jiboias são grandes constritoras, ou seja, elas matam a presa por asfixia. Então ela dá o bote, morde a presa e já em enrodilha o corpo, apertando, comprimindo o corpo desse animal que acaba morrendo”, descreve Karina.
Para simplificar a ingestão, o procedimento começa pela cabeça, reduzindo a resistência do corpo. A bióloga ressalta a importância disso para acelerar a refeição, uma vez que, durante a alimentação, a jiboia se torna vulnerável a potenciais predadores.
“Por serem serpentes de grande porte, que podem chegar a três metros, ela geralmente são predadas por animais maiores. Jacarés, grandes felinos, mas elas também podem ser predadas por aves, especialmente grandes áreas de rapina”, explica.
No caso dos filhotes, ela diz que são considerados presas perfeitas em relação ao tamanho, resultando no sucesso de captura pelas aves. “Esse indivíduo do vídeo possivelmente é jovem, então um indivíduo desse tamanho poderia ser predado por uma grande ave de rapina”, relata.
Em um intervalo de aproximadamente 15 minutos, desde a captura até a ingestão completa da ave, a jiboia executa esse processo. Ela tem a capacidade de digerir a ave, à exceção das partes rígidas, como o bico, as garras e as penas, que serão expelidas juntamente com as fezes em um estágio posterior.
Hábitos alimentares
Com uma dieta diversificada, as jiboias são versáteis em relação às presas que consomem. Segundo Karina, essas serpentes não são especializadas em aves, preferindo, na maioria das vezes, se alimentar de roedores. No entanto, lagartos, anfíbios e aves também desempenham um papel importante em sua dieta. Uma curiosidade notável é que as jiboias não hesitam em incluir morcegos em seu cardápio, mesmo sendo criaturas voadoras.
“Um levantamento mostrou que as aves representam cerca de 18% da alimentação das jiboias. Mas é claro que a gente também tem que ter em consideração que existe uma variação regional, inclusive em função da própria disponibilidade de presas dado que a jiboia tem uma distribuição geográfica bastante ampla, que vai do México até Argentina, em diferentes ambientes, áreas mais abertas e mais fechadas. Mas as aves tem uma importância significativa aí na dieta da jiboia assim”, frisa Karina.
A frequência com que a serpente se alimenta depende, em grande parte, do tipo de presa que ela consome, sendo as serpentes que se alimentam de presas menores ou menos calóricas, como as dormideiras, aquelas que precisam se alimentar com maior regularidade, principalmente de lesmas e caracóis. A explicação é fornecida pela herpetóloga.
Já as cobras que comem essas presas mais calóricas podem ficar vários meses sem se alimentar, podendo passar seis meses, até um ano sem comer. “É claro que isso tem consequências para a saúde desse animal, mas elas conseguem aguentar e um longo tempo de jejum”, finaliza Karina. Jornal da Chapada com informações do portal G1.