Lideranças religiosas estão exigindo a reconstrução do Terreiro Peji da Pedra Branca, que foi completamente destruído durante uma ação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) no município de Lençóis. A operação resultou na demolição de mais de 10 imóveis na região, causando grande indignação na comunidade local.
De acordo com denúncias da comunidade local, o terreno onde o templo está situado pertence à família de Gilberto Tito de Araújo, conhecido como Mestre Damaré, há 45 anos, ou seja, antes da criação do Parque Nacional em 1985, que visava a preservação ambiental e histórico-cultural.
Em 2014, a Associação dos Filhos de Santo do Palácio de Ogum e Caboclo Sete Serra mapeou 40 terreiros em cinco cidades da Chapada, incluindo o Peji da Pedra Branca. Sandoval Amorim, presidente da associação e filho do renomado líder do jarê, Pedro de Laura, está entre as lideranças que exigem ações após a destruição do terreiro.
“O que foi perdido na destruição do terreiro não tem preço, todos os assentamentos às entidades e as imagens antigas. Mas, queremos que os órgãos responsáveis construam um novo terreiro para o Damaré porque o que eles fizeram não foi certo”, pediu Sandoval.
A reportagem tentou entrar em contato com Gilberto Tito, também conhecido como Mestre Damaré, mas não obteve resposta. Em uma entrevista concedida após a demolição, Mestre Damaré expressou seu profundo abatimento diante do ocorrido, destacando o impacto emocional e a gravidade da destruição do Terreiro Peji da Pedra Branca.
A prefeitura de Lençóis está atenta à situação e exigiu explicações ao ICMBio sobre o ocorrido, conforme relatado por Uilami Dejan, diretor de Promoção da Igualdade Racial do município. “Nós criamos o Dia Municipal do Jarê, que foi celebrado pela primeira vez neste ano, em 16 de abril. Fizemos uma grande celebração nos bairros da cidade e, logo agora, tivemos um ataque a um dos nossos terreiros mais antigos. Foi algo muito simbólico e violento”, lamentou Uilami.
Em comunicado, o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) declarou que “instaurou procedimento para cobrar do Poder Público a adoção de medidas eficazes voltadas ao reconhecimento formal da prática de Jarê enquanto patrimônio cultural e a implementação de um plano de salvaguarda no município”.
A Promotoria Regional Ambiental do Alto Paraguaçu, em parceria com o Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente (Ceama) e o Núcleo de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (Nudephac), instaurou o procedimento para apurar o caso.
O jarê é uma religião única da Chapada Diamantina que combina elementos das práticas indígenas, do candomblé e do cristianismo. Sua importância foi amplamente reconhecida a nível nacional com o lançamento do romance Torto Arado, de Itamar Vieira Júnior, em 2019. Em 2021, o CORREIO publicou uma reportagem especial sobre a influência e presença do jarê na região.
Leonel Monteiro, presidente da Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro-Ameríndia (AFA), acredita que a destruição do Terreiro Peji da Pedra Branca é uma manifestação do racismo estrutural. “Queremos que ocorra troca da gestão do parque e que os responsáveis respondam por esse ato de racismo religioso. O terreiro também deve ser reconstruído”, pontuou.
Antes da ação no Peji da Pedra Branca, agentes do ICMBio haviam visitado o terreiro de Pai Gil de Ogum, situado na região norte do Parque Nacional da Chapada.
“Nosso terreiro é bem próximo ao que foi destruído. São cerca de 30 minutos de caminhada. Nós tivemos dias de muito medo de que eles voltassem para fazer a mesma coisa aqui. Ficamos pensando que eles não destruíram o terreiro porque haviam pessoas quando eles chegaram aqui”, disse Layra Silva, frequentadora do terreiro de Pai Gil há 13 anos. Ela relatou ainda que os religiosos enfrentaram ameaças de multa e foram obrigados a remover um assentamento que havia permanecido no local por mais de 30 anos. Jornal da Chapada com informações do portal Correio.