O plenário da Câmara dos Deputados aprovou na quarta-feira (26) por 361 a favor, 84 contra e 9 abstenções o texto-base do projeto de Lei (PL) 1.057/07, que estabelece ações de combate a práticas tradicionais indígenas consideradas nocivas, entre elas o infanticídio. A proposta também traz uma série de medidas para enfrentar situações de abuso sexual, estupro, tortura, abandono de vulneráveis e violência doméstica. Os deputados aprovaram um substitutivo, de autoria do deputado Marcos Rogério (PDT-RO), que modificou a proposta original. Antes da votação, houve polêmica sobre um trecho do projeto que determinava a obrigação de todos que presenciarem situações descritas no projeto de denunciar, sob pena de responsabilização legal.
Para a líder do PCdoB na Câmara, deputada Jandira Feghali (RJ), a proposta pode criar entraves nas relações entre membros de uma mesma etnia. “Não estamos aqui defendendo assassinato, estamos defendendo a vida dessas crianças por meio de uma mediação cultural. Do jeito que está aqui, vamos colocar a tribo inteira na cadeia, obrigando todos a denunciar o risco de algo acontecer”, disse. Deputados a favor da aprovação da matéria justificavam a iniciativa como uma forma de defender o direito de pessoas vulneráveis. “Não dá, para mim, acreditar que uma cultura que tira a vida, seja mais importante que a vida”, disse o deputado Moroni Torgan (DEM-CE).
Para o deputado Chico Alencar, o projeto gera uma interferência indevida nas comunidades indígenas. “Ele transforma os agentes da Funai [Fundação Nacional do Índio] em espécie de delatores, o que quebra relação imprescindível de confiança na relação com esses povos nativos. Ele criminaliza os povos indígenas, e não é assim que vamos superar algo que, reconhecemos todos, tem que ser superado e, ainda assim, em poucas e raríssimas comunidades”, afirmou.
O projeto, que segue para análise e votação dos senadores, define também que os órgãos responsáveis pela política indigenista adotem medidas de proteção a crianças, mulheres, pessoas com deficiência e idosos indígenas que possam vir a ser objetos de práticas que atentem contra a vida, bem como de pessoas, inclusive membros de etnias, que decidirem ir contra práticas consideradas nocivas. O texto original foi elaborado, em 2007, pelo então deputado Henrique Afonso (PT-AC), a partir de denúncias de casos de infanticídio em etnias e da gravidez de uma criança de 9 anos, da etnia Apurinã, com suspeita de que tenha sido por estupro.
Rita Segato, antropóloga e professora da Universidade de Brasília (UnB), classificou o projeto como um erro. Segundo ela, que é militante feminista, atuando em colaboração com a Funai em oficinas com mulheres em áreas indígenas, recentemente não tem havido relatos desses tipos de práticas entre indígenas no Brasil. “No momento presente não tem evidência de que povo indígena algum, de todo o território brasileiro, tenha essa prática vigente. Eu acho que é um erro muito grande porque essa prática não se encontra vigente”, disse. Da Agência Brasil.