Jacobina, na Chapada Norte, e Piatã, na Chapada Diamantina. Ambos têm em comum a exploração mineral. Desde que as mineradoras foram instaladas, a população sofre com impactos socioambientais e na saúde emocional de crianças que vivem por lá. A matéria publicada na última sexta-feira (12), pelo site ‘Lunetas’, narra os sentimentos das crianças que moram em regiões próximo da exploração de minérios. A JMC Yamana Gold é a responsável pela mineração e a única autorizada a explorar o ouro em Jacobina. E a ‘Brazil Iron’, empresa inglesa, é responsável pela extração de minério de ferro em Piatã, impactando cerca de 150 famílias de dois povoados na zona rural.
Jacobina
As crianças não têm a mesma liberdade de tomar banho de rio e beber água direto da fonte. Bianca, 11 anos, já viu pepitas de ouro, mas o que mais vem à memória quando fala do lugar onde vive são os amigos e os locais em que costuma brincar – paisagens hoje exploradas e modificadas pelas mineradoras. Nos fundos da sua casa, há um terreno a se perder de vista, que encontra uma mata onde corre o Rio Itapicuruzinho. “Meu quintal é bem grandão e tinha um rio cheio. Mas não podemos tomar banho lá, porque ele está poluído por causa da mineração”, reclama.
Além de comprometer os recursos hídricos, a expansão da mineração vem causando outros tipos de problemas que limitam o modo de vida tradicional, marcado pela convivência com a natureza. Beatriz, de 8 anos, irmã de Bianca, adora tirar manga da árvore e observar os micos comerem pitanga no quintal, que “sobem, pulam e comem a fruta no pé”. Ela gosta da tranquilidade, mas onde vive nem sempre é calmo. “Tem detonação, tem carro passando e ficamos dentro de casa”, desabafa.
“A gente podia andar em nossas matas, tomar banho, catar licuri. Subíamos a serra para tirar botão, uma flor muito linda aqui da região. Mas não podemos fazer mais nada disso”, lamenta a enfermeira Claudiana Pereira, representante do povoado de Itapicuru. Ela é uma das porta-vozes da comunidade, e conversa com as crianças sobre como a terra de seus antepassados vem se transformando.
“Faço isso para que possa nascer nelas a defesa da natureza e pela inclusão da comunidade”, ressalta. “As crianças precisam saber que não existe só mineração. A atividade pode até gerar trabalho, mas o lucro vai para os donos, e não aos moradores”. Kelly, também de 8 anos, filha de Claudiana, sabe que a poeira e as explosões causadas pela mineração não fazem bem às pessoas. “Se eu pudesse, faria alguma coisa”, conta a menina.
A poeira proveniente de detonações e os gases que vêm da queima de combustíveis fósseis nos motores a diesel dos veículos correspondem às principais formas de poluição do ar. As pequenas partículas de poeira também formam uma espécie de areia, algo que Kauane Vitória, 10, diz ser bastante incômodo.
“A casa fica suja e tem que limpar toda hora”, aponta. Recentemente, sua residência foi reformada por conta das rachaduras causadas pelas explosões nas minas. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), Jacobina é uma das áreas na Bahia que enfrentam conflito por terra e por água. Ali, cerca de 300 famílias, formadas por pequenos proprietários, são diretamente ativas na disputa contra a empresa JMC Yamana Gold.
Piatã
Já no município de Piatã, conhecido pelas condições apropriadas para cultivo do café arábica e, há menos uma década, como território extrativo-mineral de ferro. Cerca de 150 famílias de dois povoados na zona rural respiram poeira de minério de ferro devido à atuação da empresa inglesa ‘Brazil Iron’.
“A mina está instalada na comunidade de Mocó, mas os problemas, poeira e barulho, atingem ambas”, relata Vanusia Santos, moradora de Bocaina. Trata-se de uma comunidade quilombola reconhecida pela Fundação Palmares. Por conta do modo de vida tradicional, as crianças dessas localidades estão intimamente ligadas à terra, à água e ao ar.
Kemilly Victória, de 7 anos, descreve a sua comunidade como um local muito verde, com cachoeira e “‘florestazinha’ que dá para brincar”. “A natureza é linda. Se a natureza morre, a gente fica sem respirar” A amiga Lívia Gabrielle, de 5 anos, já viu “cobras, macacos pulando de galho em galho e coelhinhos”. Para ela, cuidar do meio ambiente é essencial.
“Os animais sofrem se maltratarem eles, porque é uma vida”, afirma. A mineradora Brazil Iron fica a cerca de 10 quilômetros de sua casa. Ela conta que nunca foi lá, mas já ouviu falar. “Eu sei que tem muita poeira e também a poluição, que contamina os rios e causa doenças”. Para as crianças, a poluição sonora e do ar são também motivos de queixa.
“Caminhão, zoada de carro, buzina, caçamba virando terra. Às vezes, eu tomo susto com tanta explosão!”, detalha Kemilly. “Explode muito, eu me assusto e não consigo dormir”, acrescenta Lívia, que também reclama da poeira da mineração, que faz mal à sua saúde. “É muito pó. Eu tenho rinite, então fico muito gripada”. De acordo com o pesquisador José Antônio Menezes, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), a atividade mineradora provoca grande impacto socioambiental e na saúde emocional das crianças.
“Quanto mais fino for esse material, mais suspenso ele fica no ar e mais longe ele vai alcançar. As pessoas se expõem diretamente a essas partículas e as crianças são as mais afetadas, até por passarem muito tempo brincando na área externa”, acrescenta.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, a poluição do ar afeta o neurodesenvolvimento e a capacidade cognitiva, e pode desencadear asma e câncer infantil. As crianças expostas a altos níveis de poluição do ar correm mais risco de desenvolver doenças crônicas no futuro, como as cardiovasculares. Jornal da Chapada com informações do site Lunetas.