O deputado federal Elmar Nascimento, líder da União Brasil na Câmara dos Deputados e cotado para ser ministro do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), gastou R$ 702 mil em uma gráfica de fachada para a campanha de sua reeleição neste ano.
Declaração de gastos feita pelo deputado à Justiça Eleitoral aponta que ele gastou 23% dos recursos de campanha para imprimir cerca de 17 milhões de santinhos e outros materiais gráficos com a empresa Waldyr Rodrigues dos Santos.
A empresa, contudo, não tem endereço fixo nem maquinário para impressão de materiais de campanha.
Waldyr Rodrigues dos Santos é pai de Fábio Dias dos Santos e Márcio Dias dos Santos, sócios da Qualigraf Serviços Gráficos e Editora —fundada em 1995 e que está impedida de celebrar contratos com a Administração Pública baiana desde maio de 2021 por fraudar licitações.
Além do gasto com a gráfica, Elmar Nascimento contratou uma empresa na qual é sócio junto com seu irmão, o prefeito de Campo Formoso, Elmo Nascimento (União Brasil). A N2 Distribuidora de Bebidas foi contratada por R$ 82,5 mil para arrendamento de um helicóptero.
Procurado, o deputado reeleito disse que não cuida pessoalmente da contratação de empresas para a campanha e afirmou que recebeu o material pelo qual pagou. Também disse que as contas da sua campanha eleitoral foram aprovadas sem ressalvas pelo TRE-BA (Tribunal Regional Eleitoral da Bahia).
O deputado afirmou ainda que a empresa foi contratada em outras campanhas e que o material foi entregue no prazo e com preço de mercado. “Sempre fazemos cotações antes de contratarmos os serviços e os preços deles foram melhores.”
Sobre a contratação da aeronave que pertence a uma empresa do próprio deputado, sua assessoria informou que o pagamento foi feito com recursos de doação de pessoa física e que não foi usado nenhum centavo de dinheiro público do fundo eleitoral nesse contrato.
Segundo os autos do processo administrativo que tramitou no âmbito do Governo da Bahia, a Qualigraf estabeleceu esquema que removia concorrentes dos pregões e os recompensava distribuindo parte do valor pago pelo Estado, superfaturando os preços dos serviços a serem prestados.
A gráfica Waldyr Rodrigues dos Santos foi aberta em outubro de 2021 –cinco meses após a sanção imposta à Qualigraf– com o nome fantasia de WR Comunicação e Impressão. A gráfica foi registrada com capital social de R$ 10 mil e optou pelo Simples Nacional, sistema de simplificação tributária para companhias de pequeno porte.
Mesmo registrada como uma microempresa, a gráfica fechou contratos com 17 candidatos nas eleições deste ano, arrecadando um total de R$ 2,7 milhões.
Dentre eles está o estadual eleito Junior Nascimento (União Brasil-BA), primo de Elmar, que gastou R$ 271 mil com a empresa. Ele afirmou que “não há ilicitude na contratação da gráfica”, destacou que todos os gastos de campanha foram devidamente declarados e as contas foram aprovadas sem ressalvas.
“Todos os materiais contratados na empresa foram entregues no prazo combinado. Se há alguma irregularidade na empresa, não é do meu conhecimento.”
A Folha visitou o endereço que consta no registro da Waldyr Rodrigues dos Santos, em Salvador, mas no local funciona um escritório de contabilidade. A Qualigraf, por sua vez, possui capital social de R$ 20 milhões e é registrada como uma empresa de pequeno porte, possuindo endereço fixo.
Fábio Dias dos Santos, sócio da Qualigraf, disse à Folha que a gráfica Waldyr Rodrigues dos Santos é virtual, não possuindo escritório físico nem materiais de impressão, e que terceiriza a produção para outras gráficas, o que, segundo ele, não gera ilicitude.
Afirmou também que a empresa de seu pai, Waldyr, fatura de forma regular para diversos clientes, e não foi criada para burlar nenhuma contratação com a administração pública. A reportagem não conseguiu contato direto com Waldyr.
Segundo dados do portal da transparência, a Qualigraf já recebeu mais de R$ 160 mil do governo federal e já prestou o equivalente a R$ 988 mil em serviços gráficos, tanto ao governo baiano quanto a instituições como a UFBA (Universidade Federal da Bahia), o Instituto Chico Mendes, o Comando do Exército, dentre outras.
Na campanha de 2018, Elmar gastou R$ 91 mil com essa gráfica, que à época era autorizada a celebrar contratos junto a entes públicos. Naquele ano, a empresa arrecadou R$ 166 mil com a impressão de materiais gráficos eleitorais.
Segundo Ana Claudia Santano, coordenadora da ONG Transparência Eleitoral Brasil, mesmo sem haver necessariamente um desvio de dinheiro ou de função, a contratação de uma empresa de fachada é uma irregularidade eleitoral, o que pode levar à rejeição das contas prestadas pelo candidato e possíveis ações civis e penais.
Para além da gráfica de fachada, Elmar ainda despendeu R$ 1 milhão em outras empresas para a impressão de adesivos, santinhos de diversos tamanhos, banners e placas em formato pirulito para a candidatura.
O gasto total com esse tipo de material chega a quase 56% de todo o valor disponível para o candidato no pleito deste ano.
Elmar Nascimento é o líder da União Brasil na Câmara dos Deputados e um dos nomes mais próximos a Arthur Lira (PP-AL), presidente da Casa. Desde que a União Brasil indicou que vai apoiar o governo Lula, passou a ser cotado para assumir um ministério.
O parlamentar ganhou evidência ao dizer que a Câmara poderia retaliar o STF (Supremo Tribunal Federal), restringindo o orçamento, caso a corte decida pela inconstitucionalidade das emendas de relator.
Ele ainda havia dito que se o presidente Jair Bolsonaro (PL) fosse reeleito, nada mudaria, e que se Lula vencesse e tentasse extinguir as emendas, seria derrotado.
Reportagem da Folha antes da eleição, em outubro, mostrou a entrega de cisternas compradas pela Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) e instaladas nas casas marcadas com o nome dele.
O deputado tem influência no governo Bolsonaro como líder da União Brasil na Câmara, tendo sido ele o responsável pela indicação do atual presidente nacional da Codevasf e de seu superintendente regional na Bahia. Redação de Matheus Tupina e João Pedro Pitombo da Folhapress.