O Ministério Público de Goiás denunciou 16 pessoas na última terça-feira (9) pelo envolvimento em esquema de fraudes nos resultados de 13 jogos de futebol para beneficiar grupos de apostadores. Entre os denunciados pela Operação Penalidade Máxima, deflagrada em abril, sete são jogadores de futebol e nove foram identificados como apostadores e membros do esquema criminoso.
Em relação às partidas manipuladas, foram contabilizadas oito do Campeonato Brasileiro da Série A, 1 da Série B e quatro de campeonatos estaduais. Todas as partidas de competições nacionais ocorreram no ano passado, enquanto as estaduais são de 2023.
Na denúncia assinada por promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e da Promotoria de Combate ao Crime Organizado, clubes e casas de apostas são considerados vítimas da associação criminosa. Em mais 100 páginas, o material do MP-GO conta prints de conversas, transcrições de áudios dos denunciados e uma série de outras provas obtidas com autorização judicial.
“Trata-se de atuação especializada visando ao aliciamento e cooptação de atletas profissionais para, mediante contraprestação financeira, assegurar a prática de determinados eventos em partidas oficiais de futebol e, com isso, garantir o êxito em elevadas apostas esportivas feitas pelo grupo criminoso em casas do ramo, como o Bet365 e o Betano. O grupo se vale, ainda, de inúmeras contas de terceiros para aumentar seus lucros, ocultar reais beneficiários e registra a atuação de intermediadores para identificar, fornecer e realizar contatos com jogadores dispostos a praticar corrupções”, afirmam os promotores em nota oficial divulgada pelo MP-GO.
A grosso modo, o aliciamento funciona da seguinte maneira: um representante do grupo entra em contato com um atleta para combinar a falcatrua. Por exemplo, o recebimento de um cartão amarelo, que o atleta forçaria em campo. Um valor então é combinado e um pagamento adiantado é realizado como sinal. Após o cumprimento da “missão”, o atleta recebe os valores acordados. Geralmente, os pedidos giram em torno de acontecimentos tidos como “menores” em um jogo de futebol, como o recebimento de um cartão amarelo ou a primeira ação registrada na partida, que pode ser um simples arremesso lateral. No entanto, como se verificou, se o atleta não cumpre o acordo, passa a ser ameaçado pelos criminosos.
A Operação Penalidade Máxima I foi deflagrada em fevereiro deste ano, e a II em abril. A primeira resultou em uma denúncia já recebida pela Justiça a respeito dos integrantes da associação criminosa. Já a segunda operação cumpriu mandados de busca e apreensão em 16 municípios distribuídos em 6 estados: Goiás, São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
“Há indícios de que as condutas previamente solicitadas aos jogadores buscavam possibilitar que os investigados conseguissem grandes lucros em apostas realizadas em sites de casas esportivas, utilizando, ainda, contas cadastradas em nome de terceiros para aumentar os rendimentos”, afirmou o MP-GO.
Atletas denunciados
Eduardo Bauermann
Entre os acusados que podem se tornar réus caso a Justiça aceite a denúncia do MP está o zagueiro Eduardo Bauermann, titular do Santos. Ele teria recebido R$ 50 mil para levar um cartão amarelo no jogo contra o Avaí em 5 de novembro de 2022.
“Bauermann, apesar de ter aceitado valores na rodada anterior, não “cumpriu” sua parte no acordo ao não ser punido com cartão amarelo. Por isso, na rodada imediatamente seguinte [Botafogo x Santos, em 10 de novembro de 2022] e ainda com a posse da quantia recebida, novamente aceitou a promessa de valores indevidos para, agora, ser expulso na partida”, diz o MP.
Em abril, quando seu nome passou a constar entre os investigados, Bauermann divulgou uma nota, através das redes sociais, em que nega as acusações. “Eu, Eduardo Bauermann, atleta do Santos FC, marido e pai de família, nego vigorosamente qualquer envolvimento com apostas esportivas ou esquema fraudulento de manipulação em partidas de futebol ou qualquer outro esporte”, declarou na ocasião.
Mas nesta semana o Ministério Público de Goiás (MP-GO) anunciou que interceptou mensagens comprometedoras entre o jogador e um apostador. Em determinado trecho do diálogo, o homem fez ameaças a Bauermann, depois que o atleta não levou o cartão, como teria sido combinado entre eles, em troca de dinheiro. O Santos afastou o jogador, que foi alvo de uma operação de busca e apreensão na cidade do litoral paulista, em abril. Na ocasião, o atleta teve seu celular apreendido e, a partir do aparelho, as provas que o ligam ao esquema começaram a aparecer.
Veja trechos do diálogo revelados pela Veja:
Eduardo Bauermann: “Mano, só me avisa antes se realmente vai dar pra fazer, senão nem tomo cartão à toa, entende”.
Apostador: “Fica em paz, irmão. Vai dar certo. Nois (sic) sempre dá um jeito. Mano se você falou pra alguém (da) aposta manda não apostar mais, demoro (sic). Tmj vamos pra cima”.
Eduardo Bauermann: “Não, não, nem falei nada mano… quem comentou que faria uma aposta também foi o Luiz Taveira (empresário do zagueiro), mas ele falou brincando. Acho que não iria fazer. Mas se alguém me chamar aqui pra fazer vou cortar já”.
Em seguida, após o jogador não ter cumprido sua parte no acordo, o homem se revoltou e fez ameaças:
Apostador: “Truta, o que você fez da sua vida, mano? Qual a fita? Truta, você foi pago para fazer o que, mano???? Você vai pagar todo meu prejuízo, mano. E aí, truta?????”.
Apostador: “Olha a porra da merda que você fez. Mano, pq você não fez a porra que eu te falei. Mano, pq não tomou essa porra no primeiro tempo. Pq não deu uma porra de uma cutuvelada (cotovelada). Mano, pq você não me escuta, mano. Você me fudeu de novo mano. Mais (sic) dessa vez você vai resolver. Mano, você vai me pagar, tudo. Eu te pedi, eu confiei em você mano. E você me desonrou. De novo mano. Não tô acreditando nisso. Não deu certo porque você não escuta os outros. Era uma porra de uma cutuvelada (sic), um tapa na cara do jogador. Só isso, você não fez mano, pq você não quis”.
Eduardo Bauermann: “Mano, de coração, não foi porque eu não quis, eu te juro! Senão não tinha tomado nem no final e teria inventado uma desculpa para você…”.
Apostador: “Pq você não deu uma cotovelada no cara???? O barato vai ficar louco para você”.
Eduardo Bauermann: “Mas estou correndo atrás pra conseguir te pagar esses 800 mil que você falou”.
Apostador: “Cadê os 50 (mil) que eu já te mandei mano?”.
Eduardo Bauermann: “Tá aqui, nem mexi nesse dinheiro”.
Apostador: “Já vê aí pra já mandar esse dinheiro mano”.
Gabriel Tota e Paulo Miranda
O zagueiro Paulo Miranda e o meia Gabriel Tota, que atuaram em 2022 pelo Juventude de Caxias do Sul (RS), estão entre os 7 atletas suspeitos de envolvimento no esquema de manipulação de jogos para beneficiar determinadas apostas esportivas. A dupla teria, inclusive, feito uma chamada de vídeo dentro do vestiário com o principal aliciador do esquema.
Os investigadores incluíram no documento fotos dos jogadores conversando com Bruno Lopez, o homem apontado como o chefe da quadrilha de aliciadores. De acordo com a investigação a chamada de vídeo aconteceu em 16 de outubro de 2022, às 16h44, quando o Juventude se preparava para a partida contra o Atlético-GO, às 18h, no Alfredo Jaconi – casa da equipe alviverde. A partida terminou empatada em 1 a 1.
Logo após a chamada de vídeo, Lopez enviou um áudio a um grupo de WhatsApp que trata do esquema. “O Tota foi até lá no vídeo, mostrou o Paulo Miranda e falou: ‘Olha Paulo Miranda, eu conheço também. Olha, o homem que dá dinheiro pra nós tá aqui’. Os caras deram risada e tal. No vestiário, os caras são malucos, o vestiário [apareceu] no vídeo”, diz o confuso áudio do suspeito de chefiar o esquema que aqui tentamos deixar um pouco mais compreensível.
Àquela altura, o esquema de apostas já havia obtido êxito em manipular alguns resultados com os jogadores do Juventude. Além da dupla, o lateral esquerdo Moraes foi acusado de participar do esquema, mas fez acordo com o MP e agora é uma testemunha do caso.
Tota e Miranda são réus e a principal acusação é de terem violado o artigo 41-C do Estatuto do Torcedor, que versa sobre “solicitar ou aceitar, para si ou outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de uma competição esportiva”. Se condenados, podem pegar de 2 a 6 anos de prisão e multa.
Jogos manipulados com a dupla
Na derrota sofrida em São Paulo por 2 a 1 para o Palmeiras, campeão brasileiro de 2022, em 10 de setembro, o lateral esquerdo Moraes deveria receber um cartão amarelo para faturar R$ 30 mil. Ele recebeu R$ 5 mil de antemão e, ao final da partida, cumpriu com a “missão”.
Apenas 8 dias depois, quando o Juventude empatou em casa com o Fortaleza em 1 a 1, foram prometidos R$ 60 mil para que Paulo Miranda também recebesse um cartão amarelo. Os R$ 5 mil de adiantamento foram depositados a Tota que deveria repassar ao zagueiro. No jogo, Miranda acabou tomando a advertência do árbitro.
O terceiro jogo com a suspeita de manipulação ocorreu na derrota do Juventude por 1 a 0 para o Goiás, em Goiânia. Nesta partida havia duas promessas, ambas no valor de R$ 50 mil. A primeira, com adiantamento de R$ 20 mil, previa um novo cartão amarelo a Moraes. Na segunda, também pelo recebimento de um cartão amarelo, foram adiantados R$ 10 mil a Paulo Miranda.
O Juventude acabou rebaixado para a Série B ao final do Campeonato Brasileiro de 2022. Em nota enviada à imprensa, o Juventude repudiou o esquema, afirmou que tais práticas não condizem com os valores do clube gaúcho e prometeu colaborar com as investigações.
“É inadmissível, e por todas as formas condenável, condutas ilícitas, antiéticas, imorais e antidesportivas, inaceitáveis em qualquer nível. Com essa convicção, O Esporte Clube Juventude, em face das recentes publicações divulgadas na imprensa relacionadas à ‘Operação Penalidade Máxima’, citando nominalmente três atletas que atuaram pelo Clube em 2022, e que atualmente estão vinculados a outras agremiações, como investigados na referida operação, reitera o seu firme posicionamento de colaborar com as autoridades responsáveis pelas investigações, para que os fatos sejam regularmente apurados e os responsáveis identificados e responsabilizados na forma e no rigor da lei”, diz a nota. Atualmente, Gabriel Tota joga pelo Ypiranga (RS) e Paulo Miranda foi transferido para o Náutico (PE).
Victor Ramos
O zagueiro de 34 anos revelado pelo Vitória (BA) e com passagem vitoriosa pelo Palmeiras, hoje está na Chapecoese (SC). De acordo com as investigações da Operação Penalidade Máxima, Victor Ramos teria aceitado R$ 100 mil para cometer um pênalti, ou “penalidade máxima”, que desfavoreceria o seu time de então, a Portuguesa, em duelo contra o Guarani pelo Campeonato Paulista deste ano.
O apostador Bruno Lopez, apontado como um dos principais líderes do esquema criminoso, teria entrado em contato com Pedro Gama, empresário do atleta, para combinar o “negócio”. No entanto, o combinado acabou não sendo posto em marcha devido a dificuldades que o grupo encontrou em aliciar outros atletas na mesma rodada. O próprio empresário teria combinado o valor, que Victor “aceitaria”, com os aliciadores. O pênalti marcado na partida, contra a Portuguesa, não foi feito por Ramos, mas pelo goleiro Thomazella.
Igor Caríus
Hoje no Sport (PE), Igor Cariús atuou no ano passado pelo Cuiabá e é acusado pelo MP-GO de haver participado da manipulação das partidas de seu ex-clube contra Ceará e Palmeiras no Brasileirão 2022. Contra o Ceará ele teria recebido R$ 5 mil de antemão para tomar um cartão amarelo. Não foi revelado o total do valor acordado.
O que se sabe é que além do cartão previsto, Cariús tomou uma segunda advertência e acabou expulso. Na partida contra o Palmeiras, jogada em Cuiabá, ele receberia R$ 60 mil para tomar o mesmo cartão amarelo. No entanto, não foi advertido. Os advogados do atleta repudiam sua denúncia e consideram sua inclusão no rol de denunciados como “precipitada”.
“A denúncia é superficial por se basear apenas em descontextualizados printscreens de redes sociais, cujo conteúdo não serve como prova válida para justificar a participação de Cariús em qualquer esquema de manipulação de resultados esportivos, muito menos a configuração do delito descrito no Artigo 41-C do Estatuto do Torcedor”, diz o ‘Escritório Rigueira, Amorim, Caribé, Caúla e Leitão’ em nota.
Fernando Neto e Matheus Gomes
Recentemente contratado pelo São Bernardo (SP) para disputa da Série C do Brasileirão, o volante Fernando Neto atuava pelo Operário (PR) pela Série B de 2022 quando, para a partida contra o Sport (PE) em 16 de outubro, teria participado do esquema.
Seu novo clube não o afastou e colocou o setor jurídico à disposição para acompanhar a situação do atleta. “Neste momento o que temos são informações veiculadas na imprensa e lógico temos a obrigação de entender o que de fato ocorreu e se ocorreu, nosso jurídico vai tomar ciência e aguardar a apuração de tudo,” disse Lucas Andrino, executivo do São Bernardo. Além de Fernando Neto, o goleiro Matheus Gomes também é acusado de ter participado do esquema fraudulento na mesma partida.
Em ordem cronológica, seguem os jogos nos quais o grupo criminoso atuou
Palmeiras X Juventude (10.09.2022)
Juventude X Fortaleza (17.09.2022)
Goiás X Juventude (05.11.2022)
Ceará X Cuiabá (16.10.2022)
Sport X Operário (PR) (28.10.2022)
Red Bull Bragantino X América (MG) (05.11.2022)
Santos X Avaí (05.11.2022)
Botafogo X Santos (10.11.2022)
Palmeiras X Cuiabá (06.11.2022)
Red Bull Bragantino X Portuguesa (SP) (21.1.2023)
Guarani X Portuguesa (SP) (08.02.2023)
Bento Gonçalves X Novo Hamburgo (11.02.2023)
Caxias X São Luiz (RS) (12.02.2023)
Além dos jogos citados, há mais duas partidas sob suspeita: Luverdense x Operário de Várzea Grande, pelo campeonato estadual do Mato Grosso; e Goiás x Goiânia, pelo campeonato goiano. As informações são da Revista Fórum.