Não foram só os oficiais da Força Aérea Brasileira (FAB) que acabaram vítimas em um esquema de pirâmide. Policiais militares, bombeiros, empresários, servidores federais e até mesmo um gerente de um banco em São Paulo viram o dinheiro sumir após caírem em um suposto golpe.
Levantamento feito por ex-funcionários da S.A Consultoria, Assessoria e Soluções LTDA (Sacredi) apontou que a dívida da empresa é superior a R$ 4 milhões. Segundo relatório, 72 pessoas investiram no negócio, sendo 43 da FAB.
Questionado, o empresário responsável pela financeira negou o montante, mas não soube especificar uma quantia. “O valor agora em certo não sei, pois tenho revisões, multas rescisórias e sobre o pessoal estão colocando com o juros do tempo que ficou por isso estão calculando isso”, alegou.
Segundo os funcionários, o rendimento era visto como certo e seguro, inclusive os próprios colaboradores da empresa investiram dinheiro na consultoria. Eles destacam que não perceberam imediatamente os sinais de que os lucros de até 15% mensais não passavam de uma bolha prestes a estourar.
“Eu acreditava que era apenas uma má fase”, disse o funcionário. Ele via o dono da empresa, Samir Almeida Silva, como um homem de sucesso, que saiu do “nada” e construiu um negócio bem-sucedido. “Ele tem uma boa lábia, convence as pessoas”, destacou.
Segundo o ex-funcionário, após praticamente três meses de salários atrasados, ele percebeu que não se tratava apenas de um período ruim.
“Teve corte de energia, e a empresa fez um ‘gato’ na energia. Eu vi que era o fim quando o Samir começou a se esconder, não atendia os investidores, e não cumpria com os acordos que estavam sendo feitos. O estopim foi quando simplesmente mandaram uma mensagem informando que eu não precisava mais comparecer ao escritório, era para ficar em casa, trabalhando de home office”, detalhou.
“Logo em seguida, fecharam a loja, fizeram a mudança na calada da noite, por volta de 21h, desde então o Samir e família sumiram, ninguém sabe mais nada deles, só apenas boatos.” Os funcionários não receberam pelos meses trabalhados, não tiveram Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) pagos.
Na sede do Gama, a empresa chegou a ter 56 funcionários, na filial de Planaltina de Goiás – entorno do Distrito Federal, eram 22 colaboradores. Segundo a equipe, havia outra filial em São Paulo, com 41 funcionários até novembro de 2022.
De acordo com os relatos, a empresa fazia questão de ostentar. Na festa de confraternização da firma, em dezembro de 2022, Samir fechou uma chácara para que cada funcionário levasse até quatro acompanhantes. A comida era liberada, com sorteios de prêmios em dinheiro e de produtos eletrônicos.
Golpes na FAB
O levantamento veio à tona após o Metrópoles publicar o esquema com servidores da FAB. Ao menos oito oficiais perderam R$ 390 mil. Ao todo, o empresário responsável pela Sacredi, Samir Almeida Silva, acumula 26 processos no Tribunal da Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – ao menos 19 deles são relacionados ao calote com a empresa.
Além disso, Samir Almeida tem oito ocorrências na Justiça envolvendo estelionato. A consultoria não fica muito para trás: há 22 processos pelo CNPJ da instituição financeira em trâmite na Justiça do DF. A empresa também soma críticas no site Reclame Aqui, relacionadas a suposto golpe financeiro.
Na expectativa de que teriam retorno de 6,5% a 11% ao mês do total do valor investido, mais o lucro proposto, oficiais chegaram a fazer empréstimos com instituições financeiras. Mais de 30 pessoas se organizaram em um grupo nas redes sociais para manter informações a respeito de Samir e da empresa Sacredi.
“O pior é que os bancos já estão cobrando”, disse uma das vítimas. Ela afirma que já tem restrições com o nome por causa dos valores cobrados. “Pelo menos consegui tirar o desconto em folha”, destacou.
Empréstimos
Outra pessoa informou que ficou sabendo do lucro quando começaram a circular informações, dentro da FAB, de que era um investimento vantajoso. “Ele veio com uma história de rentabilidade e que eu poderia ficar tranquila”, contou. “Perguntaram se eu não queria pegar um dinheiro a mais para fazer essa tal rentabilidade, porque aí eles pagariam para mim determinados percentuais todo mês, e isso já pagaria o empréstimo”, relatou.
Os investimentos foram os mais variados: teve quem investiu R$ 1 mil e quem aplicou R$ 260 mil. Os militares da FAB tiveram trâmite realizado pelo AerConsig, sistema interno da FAB, segundo processos.
“Ele pagou por cinco meses: eu dei para ele um valor de R$ 40 mil e meu marido deu um valor de R$ 10 mil. Daí ele começou a sumir, atrasar o pagamento, não pagar”, contou. Inicialmente, o negócio parecia realmente vantajoso — pois, nos primeiros meses, havia realmente lucro — e algumas vítimas começaram a recomendar o esquema para familiares.
“Eu recebi um dinheiro e queria investir”, disse uma parente de oficial que já tinha o dinheiro aplicado na Sacredi. “Eu investi R$ 40 mil, mas, quando eu entrei, a firma era linda. No início, ainda recebi uma parcela do dinheiro. Depois, tentou negociar de todas as formas com as pessoas e acabou não pagando”, detalhou.
Saúde mental
A reportagem teve acesso ao processo de uma mulher grávida cujo período de gestação ficou conturbado devido aos inúmeros calotes que a empresa aplicava. Em uma das mensagens com o corretor da Sacredi, ela afirma que não tem saúde mental para lidar com os atrasos constantes.
“Eu não tenho mais saúde mental para estar grávida passando por isso”, destacou. Os apelos não surtiram efeito — a mulher ingressou com ação judicial contra a empresa após repassar R$ 262.500 à consultoria, mas receber ressarcimento de apenas R$ 66.513.
Samir chegou a ser condenado em alguns processos, nos quais foi punido com a penhora dos bens; entretanto, ninguém mais o encontra e, assim, não é possível executar a sentença.
Prejuízos
O dono da Sacredi, Samir Almeida Silva, negou ao Metrópoles a existência de um esquema de pirâmide e disse que ele teve prejuízos. “Hoje, meu maior sonho é pagar essas pessoas”, afirmou.
Samir destacou que muitos dos que reclamam foram clientes por anos e tiveram grande rentabilidade com a empresa. “No meio do ano passado, tivemos problemas para arcar [com custos], mas nunca fugi. Meu número é o mesmo. Sempre atendi e expliquei [tudo] às pessoas [que contatavam]”, completou.
Em relação aos funcionários, ele admitiu que tem dívidas trabalhistas e também ressaltou o interesse em pagar os funcionários.
Por meio de nota, a FAB pontuou não ter vínculo com a empresa S.A Consultoria, Assessoria e Soluções LTDA (Sacredi) nem ter feito “quaisquer tipos de empréstimos via Sistema de Consignações (AERConsig)” com ela.
“A FAB ressalta, ainda, que recomenda ao efetivo que mantenha cautela na avaliação e na adesão de propostas que supostamente entreguem ganhos altos e fáceis.” As informações são do site Metrópoles.