Os incêndios florestais que anualmente atingem a Chapada Diamantina são ameaça para conservação das bacias hidrográficas da região, principalmente a do Paraguaçu, que abastece 60% da água consumida na capital baiana.
Alimentado por um El Niño recorde, o fogo que começou em 2015 avançou e só foi extinto no fim de janeiro deste ano. Para salvar as nascentes, pesquisadores e ambientalistas realizam um trabalho inédito de restauração de matas. Tentam semear água no sertão. O geógrafo Rogério Mucugê Miranda, coordenador de projetos da Conservação Internacional (CI-Brasil), explica que o maior problema é a intensificação do fogo. Apagá-lo muitas vezes é impossível. Ele chega aonde o homem não alcança, fendas e escarpas íngremes inacessíveis a bombeiros e voluntários, como os da Brigada Bicho do Mato, que participa de ações de combate de focos e replantio.
“O fogo sempre fez parte da vida na Chapada Diamantina. É importante para algumas espécies do Cerrado. O problema é que a intensificação e prolongamento do período seco tornam o fogo incontrolável. Ele destrói a vegetação que protege as nascentes. E, com isso, elas secam”, explica Mucugê, que tem a Chapada até no nome, pois é xará do município no coração do Parque Nacional. Mucugê coordena o projeto da CI Semeando Águas no Paraguaçu, que já recuperou cerca de 70 hectares de matas protetoras de nascentes, outros nove hectares se perderam nos últimos incêndios. “As nascentes das áreas queimadas ficam desprotegidas, sem condições de manter umidade, e sob risco de compactação do solo e assoreamento. Isso afeta o volume e a qualidade da água”, afirma.
Parte da área queimada na Chapada ainda não se recuperou, inclusive uma junto ao Rio Mucugezinho, em Lençóis, famosa por suas muitas quedas d’água e piscinas naturais douradas. Há numerosas causas de incêndio na Chapada, mas a maioria é causada pelo homem, seja pela prática de queimadas, para limpar pasto e plantações; ou acidentais, como uso indevido de fogareiros. Algumas são criminosas. O biólogo Dary Rigueira, também do Semeando Águas no Paraguaçu, observa que os períodos de chuva têm se tornado curtos e intensos, com precipitação forte concentrada em poucas semanas. Já os períodos secos e quentes estão mais amplos e severos.
O pesquisador destaca ainda o agravamento da destruição da já ameaçada Mata Atlântica. A vegetação deste bioma tem dado lugar a espécies do Cerrado e da Caatinga, mais adaptadas ao clima quente e seco. Esse tipo de alteração tem impacto direto nas nascentes. Estas são protegidas pelas matas de galeria, compostas por vegetação preponderantemente de Mata Atlântica, que retém a umidade e possibilita que o fluxo d’água seja mantido e transforme nascentes em córregos e estes em rios.
Revitaliza o Paraguaçu
Nenhuma das nascentes diamantinas preocupa tanto quanto a do Paraguaçu. O rio que deságua na Baía de Todos os Santos com dimensões que lhe renderam o nome de mar grande, tradução de Paraguaçu em tupi, nasce a 614 quilômetros de distância dali. Em seu berço na localidade de Farinha Mole, no município diamantino de Barra da Estiva, ele nada mais é do que uma poça escondida em meio ao que já foi um pasto. É cercada pela floresta atlântica, dentro de uma propriedade particular. Os galhos das árvores que protegem o Paraguaçu se entrelaçam com as das espécies de Cerrado e Caatinga que cobrem quase todo o planalto.
“Ele nasce assim, uma pocinha. Mas leva pelo caminho toda a água da imensidão de nascentes diamantinas. É frágil demais e a maioria das pessoas nem imagina”, destaca Mucugê. O fogo destrói em minutos o que a natureza leva décadas para regenerar. Com a ajuda humana, como o trabalho dos sementeiros e plantadores de mudas que trabalham na recuperação das matas protetoras de nascentes, o prazo pode ser abreviado, mas não muito. A esperança é que o trabalho não seja em vão e possa ser mantido durante o tempo necessário para a revitalização dessas nascentes. Com informações de O Globo.