Um juiz da cidade de Senhor do Bonfim, norte da Bahia, deu uma sentença em cordel na semana passada decidindo o destino de uma sanfona disputada por dois músicos, Renato Ianovich, conhecido como ‘Renato Cigano’, e Nivaldo Amaro de Araújo, ‘Nivaldo do Acordeon’. Renato Cigano procurou a polícia porque acreditava que o instrumento de Nivaldo era o mesmo roubado dele há três anos. O magistrado Teomar Almeida de Oliveira disse que decidiu que o instrumento deveria ficar com Nivaldo, pois ele apresentou um documento provando que comprou a sanfona há dois anos. Na sentença, ele cita a letra da canção “Sanfona do Povo”, de Luiz Gonzaga.
O juiz disse que usou os versos porque é filho de agricultores e gostaria de lembrar a origem humilde na sentença. “Como filho de agricultores, saído da roça aos 14 anos para morar na cidade de Nova Olinda, sertão da Paraíba, vi na contenda dessa sanfona uma retrospectiva de vida humilde que poderia ser repassada em versos, na personificação do instrumento musical, às partes e à sociedade”, disse o juiz. A disputa entre os sanfoneiros começou quando Renato Cigano, que mora em São Paulo, foi até a delegacia de Senhor do Bonfim para reivindicar a posse do instrumento. Ele teve a safona roubada há três anos e depois de ver a sanfona de Rivaldo nas redes sociais, achou que era a mesma que foi roubada.
O juiz Teomar determinou a apreensão da sanfona para que a polícia investigasse o caso. Na delegacia, a sanfona acabou guardada no banheiro, porque segundo o juiz, foi o único lugar disponível na unidade policial. Os dois sanfoneiros prestaram esclarecimentos à polícia, mas segundo o juiz, apenas Nivaldo apresentou um documento de compra e venda, com firma reconhecida, revelando a aquisição da sanfona no estado do Espírito Santo, há dois anos. Depois da decisão, Nivaldo recebeu a sanfona na delegacia. Segundo o juiz, o processo continua em andamento e ainda cabe recurso. De acordo com Teomar, a investigação policial também deve continuar. Jornal da Chapada com informações de G1.
Confira a decisão na íntegra:
No embalo da emoção
Sanfoneiros pedem aquela sanfona velha
Que um dia já foi bela
Hoje ela é castigada, afastada da canção
Condenada a viver gelada
No banheiro da prisão
E o sanfoneiro engaiolado
Sem a voz, os dedos e o pulmão
Distante da sanfona velha
Seu maior bem de estimação
Espera que o Juiz diga qual o querelado
Que levará a sanfona do povo junto ao seu coração
Não há mais tempo de espera
Para uma decisão que preste
O povo está desolado
Por ver o maior símbolo do Nordeste
Que despontou numa tapera
Como um pássaro engaiolado
De tão simples instrumento
Das cantigas do sertão, xote, xaxado e baião
Passou à relíquia sem documento
De disputa encarecida, cobiçada no momento
Que chega a envergonhar o nosso Rei Gonzagão
Quando disse outro dia que o jumento é nosso irmão
Pobre sanfona do povo
Pagando o que não deve
Como qualquer prisioneiro
Presa por ser a rainha do Nordeste e do Sertão
Não pode mais permanecer
Como adorno de banheiro de masmorra da prisão
Não sei quem é o proprietário
Mas, o possuidor do melhor documento (fls. 62)
É presumido o signatário
Dono daquele instrumento
Ficando com o direito
De recebê-la no peito como fiel depositário
Não decido por decidir
Mas, por a lei me permitir (art. 120, § 4º, CPP)
Colocar em suas mãos
Que outrora foi tirada, do povo e dos cidadãos
Sem piedade e compaixão
Aquela sanfona velha que imortalizou Gonzagão
Nilvado o direito é seu, como fiel depositário
Visto o seu opositor não ter provado o contrário
Até que se finde a contenda
Delegado me atenda
Como da outra vez foi buscar
A bela sanfona do povo, vá agora entregar
E para finalizar
Hei por bem declarar
Que fui competente para buscar
Sou também para entregar