Em um dia onde parte dos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) escolheram como alvo da vez o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para dirigir ataques coordenados nas redes sociais, uma plataforma americana de monitoramento de contas falsas no Twitter, o Bot Sentinel, detectou algo incomum. A situação aconteceu na última segunda-feira (27), quando houve um súbito aumento de postagens com hashtags brasileiras, e foi a primeira vez que uma menção não americana chegou ao topo da lista de atividade de contas falsas, segundo Christopher Bouzy, criador da ferramenta.
“Estamos testando nosso novo algoritmo de rastreamento para monitorar hashtags e frases tuitadas por contas não autênticas, e há uma atividade significativa com hashtags e frases relacionadas ao Brasil. É a primeira vez que uma hashtag fora dos Estados Unidos chega ao topo da lista” disse Bouzy no Twitter, na tarde da segunda-feira. Na lista de assuntos mais comentados por contas falsas estavam as hashtags #MaiaTemQueCair, #MaiaVaiCair, #DerreteMBL, #FechadoComBolsonaro, entre outras.
O Bot Sentinel usa machine learning (aprendizado de máquina, em português) e inteligência artificial para classificar contas suspeitas no Twtter. Então, essa conta é armazenada num banco de dados para ser rastreada diariamente. “Usamos os dados que coletamos para entender como essas contas afetam o discurso público e como podemos minimizar sua influência negativa”, explica o site.
O movimento continuou na terça-feira, desta vez com um alvo diferente. A deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP), rompida com Bolsonaro desde o fim do ano passado, voltou a ser alvo de uma campanha difamatória depois de ter um áudio vazado em que ela pede para apoiadores criarem perfis nas redes sociais para ajudarem-na a se defender de ataques virtuais, segundo Joice.
No áudio, cuja veracidade foi atestada pela deputada, ela dizia: “Acabei de chegar em São Paulo. Cheguei há pouco para umas entrevistas, mas podia falar com a turma aí para fazer vários perfis e entrar de sola no Twitter especificamente, Instagram, porque eles estão botando todas as milícias lá e os robôs para cima de mim, entendeu?”
Parlamentares, Eduardo e Carlos Bolsonaro e outros apoiadores do presidente então convocaram uma campanha contra Joice Hasselmann, acusando-a de mandar fazer perfis falsos para atacar desafetos nas redes sociais. Emplacaram a hashtag #GabineteDaPeppa, em alusão ao apelido ofensivo usado por bolsonaristas e ao termo gabinete do ódio, atribuído ao espaço no Palácio do Planalto de onde partiriam ordens para ataques virtuais contra opositores a Jair Bolsonaro.
A hashtag foi logo identificada pelo Bot Sentinel, sugerindo um alto engajamento de robôs e contas falsas na campanha contra Joice Hasselmann, assim como havia acontecido no dia anterior contra Rodrigo Maia e outras pessoas. “Trollbots estão tuitando sobre #GabineteDaPeppa e está em alta”, publicou a plataforma, numa mensagem automatizada. O termo trollbot é uma classificação usada pela plataforma para descrever contas controladas por seres humanos que exibem comportamento “tóxico como um troll”, isto é, perfis que semeiam a discórdia em debates virtuais.
“Algumas dessas contas frequentemente retuitam propaganda conhecida e contas de notícias falsas e se envolvem em atividades repetitivas, semelhante a robôs. Outras contas trollbot têm como alvo contas específicas do Twitter como indivíduos ou como parte de uma campanha coordenada de assédio”, informa o Bot Sentinel. Outra evidência de que as hashtags emplacadas nos assuntos mais comentados do Twitter eram obra de disparos automatizados estava num detalhe, que foi percebido por muita gente. Uma das hashtags mais difundidas foi a #JuntosComBolsolnaro, com um ‘L’ entre as letras ‘O’ e ‘N’.
Bouzy comentou a presença brasileira em seu monitoramento e se adiantou a críticas de que sua ferramenta teria uso político. “Por meses, teóricos da conspiração da direita acusaram o Bot Sentinel de atacar os conservadores, e eu disse repetidamente que não treinamos o modelo para classificar filiação ou ideologia política. Agora o Bot Sentinel está sendo usado de forma eficaz pelo povo brasileiro, provando que não há um viés inerente. Nós não treinamos o Bot Sentinel com contas brasileiras e não projetamos o algoritmo de rastreamento para monitorar a política brasileira. O Bot Sentinel “perseguiu” os dados e ganhou vida própria”, tuitou.
O caso se popularizou entre os brasileiros que haviam acabado de descobrir a existência da plataforma. Notando que o perfil no Twitter do Bot Sentinel publicava automaticamente o nome dos doadores que o site recebia, alguns brasileiros contribuíram financeiramente com o site só para verem tuitado o apelido com o qual tinham realizado a doação. Assim, ao longo do dia, o Bot Sentinel publicou agradecimentos a doações vindas de contas como Carluxo, Eduardo Bananinha, Micheque, Conje, Gado, Fake News e Jair B. As informações são do Jornal O Globo.