“Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro!”, cantava (ou bradava?) Belchior em ‘Sujeito de sorte’ (1976), canção de seu histórico álbum ‘Alucinação’. Os versos ganharam um novo significado — e para uma nova geração — em 2019, quando Emicida sampleou o compositor cearense em ‘AmarElo’, faixa-título do álbum que rendeu um Grammy Latino ao rapper paulistano em 2020. Mas, para muitos, o refrão de ‘Sujeito de sorte’ pode e deve ser visto como um hino de esperança para o recém-chegado 2021.
“Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro”… São frases que reconhecem as dores, o sofrimento de um ano difícil. Mas a sequência rebate, “Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro!”, com esse otimismo pela virada em 2021, a crença de um futuro melhor”, opina o carnavalesco da Mangueira, Leandro Vieira, que postou os versos em seu Instagram na última semana.
A baiana Majur, que canta o refrão de ‘AmarElo’ com Emicida e Pabllo Vittar, faz coro para o carnavalesco: “Os versos de Belchior exprimem um fôlego de esperança, para que 2021 venha com mais leveza, que possamos resolver melhor nossos problemas, nos colocarmos no lugar do outro, ter mais empatia. Ano passado foi importante para aprendermos muita coisa, a gente sangrou demais mesmo”.
A ideia de Emicida ao pinçar um trecho de ‘Sujeito de sorte’ era inserir versos e melodias do compositor falecido em 2017 — vítima de um aneurisma na aorta — no contexto de uma composição que chamasse à autoestima do povo marginalizado e quase sempre negro, assolado por dificuldades que parecem intransponíveis. “Achar que essas mazelas me definem é o pior dos crimes/ é dar o troféu pro nosso algoz e fazer nóis sumir”, versa o rapper em “AmarElo’.
Revelação
De acordo com informações publicadas pelo jornalista Jotabê Medeiros, em seu livro sobre Belchior (Apenas um rapaz latinoamericano), o verso mais famoso da canção não é de autoria de Belchior (assim como deve ter surpreendido a muitos saber que o refrão de ‘AmarElov não era de Emicida).
““Ano passado eu morri/ mas esse ano eu não morro” é do repentista Zé Limeira, o famoso Poeta do Absurdo do Nordeste brasileiro. Evidentemente, ele não deixou nada registrado em livro, mas em 1973, ou seja, três anos antes de Belchior lançar a música, um cara chamado Orlando Tejo lançou um livro no qual compilava suas conversas com Zé Limeira e os repentes”, conta Jotabê.
“É nesse livro que está o famoso verso que Belchior cita na canção sem dar crédito. Belchior trabalhava muito nesse diapasão dos artistas populares, como se tivesse com eles uma interlocução fantasma. O que na Academia eles chamam de intertextualidade”, completa. Os dados foram extraídos em fragmentos do texto original do jornal O Globo.