Os cantos e encantos da religião de matriz africana exclusiva da Chapada Diamantina serão eternizados também na internet, a partir deste sábado (10), quando será lançado o site Memória das Cantigas do Jarê, um arquivo digital que disponibiliza textos, fotografias históricas e cantigas transcritas e gravadas.
Nove lideranças religiosas do município Lençóis foram entrevistadas e convidadas a entoarem as principais cantigas das cerimônias. E por serem os mais antigos da religião, talvez sejam os únicos que ainda saibam cantá-las. Os registros sonoros foram realizados nos terreiros e depois mixadas em estúdio.
“O objetivo é preservar também as vozes, tonalidades e ritmo conferido por cada uma das lideranças”, explica Paula Zanardi, antropóloga e coordenadora do projeto, por meio de nota de assessoria. Na plataforma também estará disponível uma coletânea com mais de 300 cantigas transcritas originalmente pelo antropólogo Gabriel Banaggia em sua tese de doutorado e complementadas com a pesquisa de campo para o projeto.
Além de 40 fotografias datadas dos anos 70 do acervo pessoal de Sandoval Amorim, fundador da Associação Filhos de Santo do Palácio de Ogum e Caboclo Sete Serra. As cantigas do site são apresentadas na mesma sequência em que são cantadas nas cerimônias, que geralmente iniciam-se com Ogum, antes do anoitecer, e finalizam ao amanhecer com Cosme e Damião.
“Valorizamos a estrutura dos ritos do Jarê ao realizar este trabalho de arquivo e tentamos transmitir não só as cantigas, mas os elementos que compõem esses espaços sagrados. Assim, as fotografias são dos terreiros daqui, as imagens são as cultuadas pelas lideranças e a sequência das cantigas reflete às festas de jarê”, ressalta Zanardi, em nota divulgada.
O trabalho também presta homenagem e reúne informações sobre o Pai de Santo Pedro de Laura, o maior curador que se tem conhecimento na história recente de Lençóis e um dos grandes mestres do Jarê da Chapada Diamantina. “Era comum que pessoas de toda a região viajassem para serem tratados por ele”, recorda Amorim, em nota de assessoria.
Jarê e as cantigas
O que difere o Jarê de outras religiões de matriz afro é a sua forte influência indígena, tanto nos rituais como na cosmologia. A religião surgiu na Chapada Diamantina em meados do século XIX, durante o desenvolvimento do garimpo na região.
A incorporação de espíritos indígenas aos seus ritos é tão marcante que todas as entidades podem ser referidas como caboclas e essa influência pode ser vista em sua música e dança em ritmos acelerados.
As músicas entoadas durante os cultos possuem um papel central na religião, pois é através delas que se faz o contato com os caboclos. E para cada entidade existe um conjunto de cantigas específicas que são “trazidas” durante a incorporação.
Projeto
Memórias das Cantigas do Jarê é uma iniciativa do terreiro Palácio de Ogum e Caboclo Sete Serra, de Lençóis, que visa preservar e difundir a tradição do Jarê. Durante as entrevistas para a pesquisa, muitas lideranças ressaltaram a descontinuidade na renovação dos membros e pouca adesão dos jovens na religião.
Os principais motivos, segundo as lideranças, é que o Jarê requer uma presença constante na zona rural, algo não atrativo para muitos jovens que vivem na cidade; e o crescimento das religiões neopentecostais nos últimos anos, que passaram a converter cada vez mais fiéis.
O projeto tem apoio financeiro do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura e da Fundação Pedro Calmon (Programa Aldir Blanc Bahia) via Lei Aldir Blanc, direcionada pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo, Governo Federal.
Jornal da Chapada