A escalada do preço do gás de botijão, em meio à crise econômica gerada pela pandemia de covid-19, reacendeu no Congresso o debate sobre políticas sociais para subsidiar o combustível à população de baixa renda. Em meados de fevereiro, o preço médio do botijão no país atingiu o maior valor desde que a Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) começou a compilar os dados, em 2004. Além disso, mesmo com a isenção de impostos anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro em março, o preço do produto não parou de aumentar.
Segundo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 14 milhões de domicílios brasileiros usavam lenha ou carvão para preparar alimentos em 2019, número equivalente ao do ano anterior e a cerca de 20% do total de domicílios do país. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) estima que, já em 2018, combustíveis como lenha e carvão ultrapassaram a fatia do gás de cozinha na matriz energética residencial brasileira, tendência que, segundo especialistas, pode ter se acentuado na pandemia.
A estimativa é feita em toneladas de petróleo equivalente, visto que como lenha ou carvão têm poder calorífico bem menor ao do gás, é necessária uma quantidade bem maior desses combustíveis para obter o mesmo resultado na cozinha. Os especialistas afirmam que, além de poluidor e menos eficiente, o consumo de lenha ou carvão é prejudicial à saúde dos moradores da residência.
A escalada do preço do botijão ganhou força no fim de 2019, após o fim do subsídio cruzado dado pela Petrobras desde 2003, quando o governo Luiz Inácio Lula da Silva determinou que a empresa vendesse mais barato o gás envasado em botijões de 13 quilos. A desvalorização cambial acrescentou outro ingrediente ao problema, pressionando ainda mais os preços nas refinarias, que seguem as cotações internacionais do petróleo e as variações do dólar.
Há dois meses, o preço médio do botijão ultrapassou pela primeira vez a barreira dos R$81. Na última semana, segundo a ANP, o produto era vendido a R$84, alta de 22% em relação ao valor vigente na semana em que o subsídio foi extinto, em 2019. O cenário provocou vários projetos de lei sobre o tema no Congresso. Dos 28 textos hoje em tramitação, 12 foram apresentados em 2020 e 8, em 2021.
Os projetos no Congresso discutem três soluções principais: a criação de um programa social, a inclusão do botijão de gás na cesta básica e o tabelamento de preços, alternativa que enfrenta resistência do governo, da Petrobras e das empresas do setor. Autor de um dos projetos, o deputado federal Christino Áureo (PP-RJ) propõe o uso do cartão do Bolsa Família para direcionar o subsídio. Com isso, o valor destinado ao botijão de gás só poderia ser usado em estabelecimentos que vendem o combustível.
Áureo defende que a estratégia adotada pelo governo, de dar um pequeno desconto para todos, “não é política pública”. “É desoneração sem capacidade de mensuração de resultados, que é o pior tipo de política pública que se pode ter”. Ao dar o desconto para cadastrados no Bolsa Família, segundo ele, é possível saber se o beneficiário migrou da lenha para o gás ou se melhorou padrão nutricional.
As propostas para incluir o botijão na cesta básica também têm efeitos no preço, ainda que menores, pela redução da carga tributária estadual, hoje responsável por cerca de 14%, em média, do preço final do produto. Estudo da LCA Consultores estima que a medida provocaria corte de 9,1% a 17,3% no preço do botijão, dependendo do estado. A menor variação se daria em São Paulo e a maior, em Pernambuco.
Contudo, a posição do governo Bolsonaro sobre as propostas não é consensual. Segundo fontes, o Ministério da Economia tem uma posição mais refratária à adoção de subsídios, enquanto o Ministério de Minas e Energia vem estudando soluções para suavizar as variações de preços dos combustíveis.
“Estamos vendo o empobrecimento da população e o aumento do consumo de lenha. É efetivamente uma questão social”, diz Sérgio Bandeira de Mello, que preside o Sindigás, que reúne os distribuidores do produto. “Não é o setor privado que vai resolver.”
“À medida em que a dificuldade aumenta, seja pelo preço, seja pelo desemprego, mais pessoas vão correr atrás da lenha para cozinhar os alimentos, mesmo com o risco de problemas de saúde”, conclui o presidente da Abragás, associação que representa a revenda do produto, José Luiz Rocha. Jornal da Chapada com informações de Folha de São Paulo.