Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) de diferentes alas, ouvidos reservadamente pela reportagem nesta quarta-feira (12), ficaram estarrecidos com o pedido da Polícia Federal para investigar supostos repasses ilegais ao ministro Dias Toffoli, do STF, envolvendo a venda de decisões judiciais. Segundo o Estadão apurou, a tendência da Procuradoria-Geral da República (PGR) é defender o arquivamento do caso.
O pedido da PF, feito com base na controversa delação premiada do ex-governador do Rio Sérgio Cabral, está sob análise do relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin. Dentro da Corte, há quem veja na solicitação da PF as digitais do Palácio do Planalto ou uma vingança interna contra a troca no comando da instituição. Amigo de Toffoli, o delegado Paulo Maiurino assumiu o comando da PF no mês passado, após o presidente Jair Bolsonaro alterar o primeiro escalão do governo.
Em outra frente, Fachin decidiu enviar para o plenário virtual da Corte um recurso da PGR que contesta a homologação da delação de Cabral. O caso vai ser examinado a partir de 21 de maio na plataforma digital, que permite a análise de casos a distância, sem a necessidade de se reunir pessoalmente ou por videoconferência. Na prática, os ministros vão decidir se mantêm a delação como um todo de pé — ou se a derrubam.
Nos bastidores do Supremo, o pedido da PF foi visto como “muito estranho” e um “absurdo total”. Em conversas reservadas, ministros do STF questionam a credibilidade da palavra de Cabral e destacam que a própria PGR já mandou arquivar inquéritos abertos com base na delação do ex-governador.
Mesmo com a expectativa de que o procurador-geral da República, Augusto Aras, peça o arquivamento desse pedido de investigação, integrantes do Supremo avaliam que a mera divulgação da ofensiva da PF, por si só, é bem traumática e atinge a imagem do tribunal.
Em um dos trechos da delação premiada, Cabral acusa Toffoli de receber cerca de R$ 4 milhões para ajudar dois prefeitos do Estado do Rio em processos que tramitavam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O ministro atuou na Corte Eleitoral de 2012 a 2016. De acordo com o delator, os pagamentos teriam sido efetuados pelo ex-secretário de obras do Rio Hudson Braga e teriam alcançado o escritório da advogada Roberta Rangel, mulher de Toffoli.
Arquivamento
No início do ano passado, Fachin homologou o acordo de colaboração premiada firmado por Cabral com a PF, alvo de críticas da Procuradoria-Geral da República (PGR) e da força-tarefa da Lava Jato no Rio, que alegam que o delator não apresentou fatos novos. O acordo foi validado pelo Supremo por envolver autoridades com prerrogativa de foro privilegiado, como políticos e ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal de Contas da União (TCU).
Após homologar o acordo e autorizar a abertura de 12 inquéritos, Fachin encaminhou a Toffoli os processos para que o então presidente do STF analisasse se seria o caso de redistribuí-los para outro integrante da Corte. Toffoli pediu um parecer da PGR, que opinou então pelo arquivamento das investigações.
Na delação, que segue mantida sob sigilo, Cabral se comprometeu a devolver aos cofres públicos R$ 380 milhões recebidos como propina enquanto foi governador. Diferentemente de delações fechadas pela PGR, a PF não estabeleceu previamente os prêmios a serem concedidos ao colaborador. O relator da Lava Jato no STF, no entanto, determinou que o acordo não poderá ser usado para reduzir penas já decretadas pela Justiça. O ex-governador fluminense já foi condenado a penas que ultrapassam 340 anos de prisão.
Preso desde novembro de 2016, Cabral admitiu ter recebido propina durante seu governo no início em 2019, quando chegou a dizer que seu ‘apego a poder e dinheiro é um vício’. Desde então o ex-governador passou a confessar crimes cometidos em depoimentos à Justiça, chegando a citar os ex-prefeitos Eduardo Paes (DEM) e Marcelo Crivella (Republicanos).
Conhecimento
Procurada pela reportagem, a PGR informou que “aguarda o envio dos autos”. Em nota divulgada nesta terça-feira pelo STF, Toffoli disse “não ter conhecimento dos fatos mencionados e disse que jamais recebeu os supostos valores ilegais”. O ministro também refutou a possibilidade de ter atuado para favorecer qualquer pessoa no exercício de suas funções. O gabinete de Fachin ainda não se manifestou.
A defesa de Sérgio Cabral afirma que o ex-governador “apresentou todos os relatos, com a indicação de fatos precisos e dados de corroboração”. “A Lei 12.850/2013 autoriza o acordo celebrado com a Polícia Federal e o próprio Supremo Tribunal Federal recentemente já decidiu nesse mesmo sentido. Portanto, a defesa vai acompanhar o julgamento do recurso da PGR”. A redação é do Estadão Conteúdo.