Um sistema de votação obscuro, sem confiabilidade, que precisa de profundas reformas, especialmente a introdução do voto impresso. E que dê ao eleitor o direito até de votar de novo, caso não concorde com o que aparece no comprovante de papel emitido pela urna eletrônica.
Parecem ser declarações de Jair Bolsonaro (sem partido), mas foram feitas pelo PSDB, que hoje critica a campanha do presidente contra o modelo eletrônico de votação. Também não são tão antigas assim, mas de novembro de 2015, ou seja, têm menos de seis anos.
As conclusões constam de uma auditoria encomendada pelos tucanos logo após sua derrota por margem estreita para a petista Dilma Rousseff em 2014, que acabou reeleita.
Inconformado, o partido colocou em dúvida o resultado da eleição de 2014 e gastou R$ 1 milhão na perícia. O presidente da legenda à época era o então senador Aécio Neves (MG), que havia sido o candidato derrotado.
Detalhista, a auditoria, que foi encaminhada ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), não chega a dizer que houve fraude. Mas coloca em dúvida a lisura do sistema, dizendo que não é possível garantir que irregularidades não tenham ocorrido.
A peça listou 54 questões problemáticas em todo o processo de votação, em um extenso relatório de 217 páginas. Destas, apenas 8 receberam dos técnicos contratados pelo partido selo verde, ou seja, com resposta satisfatória do tribunal.
Outras 22 levaram sinal amarelo, em que as explicações do TSE foram consideradas insuficientes, e a maior parte, 24, tiveram sinal vermelho, indicativo de “não conformidade”.
Entre os itens reprovados pelo PSDB, estavam a falta de segurança quanto a criptografia e a assinatura digital, além de deficiência no combate a eleitores fantasmas.
O partido apontou, por exemplo, falta de explicações sobre suspeita de existência de eleitores fantasmas, ou seja, que votaram e justificaram simultaneamente. “Não foi permitido acesso a dados desses eleitores”, diz a auditoria.
Outras críticas foram direcionadas à inviolabilidade das urnas. “A Auditoria Especial [do PSDB] constatou haver alto índice de urnas com lacres violados”, diz o relatório.
“A urna brasileira estaria vulnerável a diversos tipos de ataques, desde atos de sabotagem para atrapalhar as eleições a atos que poderiam mudar os resultados de uma eleiçãoe, pior, sem deixar rastros que poderiam detectar indícios de fraudes”, explica o partido.
Sobre o código-fonte, que embasa o software do voto, a conclusão foi de que tinha baixa qualidade, “claramente desorganizado e sujeito a falhas”.
Os maiores petardos, no entanto, foram direcionados ao que foi apontado como falta de colaboração por parte da Justiça Eleitoral, que teria colocado obstáculos à obtenção de informações.
“Independentemente de qualquer manipulação de dados, o sistema eletrônico de votação, por suas próprias características técnicas, é obscurantista, pois aos leigos é impossível compreender como se dá o processo eletrônico de votação, o que enseja inúmeras especulações”, conclui a auditoria.
Mesmo após tantas críticas, o PSDB hoje se diz totalmente defensor da urna eletrônica.
A mudança de opinião, diz o deputado federal Carlos Sampaio (PSDB-SP), ocorreu porque o TSE melhorou a confiabilidade do processo de votação. Isso teria ocorrido, afirma, justamente após as cobranças feitas pelos tucanos.
“Mudou da água para o vinho”, declara Sampaio, que na época era vice-presidente jurídico nacional da legenda e assinou a auditoria como representante da direção partidária.
“Após a auditoria que nós fizemos, as regras mudaram completamente, especialmente com relação à transparência do processo”, declara Sampaio.
Ele cita como evidências disso o fato de o TSE ter dado acesso às urnas a departamentos de tecnologia de universidades, à Sociedade Brasileira de Computação e mesmo a hackers convidados para tentar encontrar vulnerabilidades.
Sampaio afirma que a resolução 23.458 do TSE, de 15 de dezembro de 2015, que torna mais transparente e seguro o sistema de votação eletrônico, é resultado direto da auditoria tucana.
Na auditoria, o partido defende que se crie uma “trilha de papel” para a comprovação de que o voto foi computado corretamente, a mesma coisa que Bolsonaro agora exige.
Os argumentos do TSE na época, de que já era possível haver auditagem das urnas, não convenceram os tucanos, sobretudo porque haveria um óbvio conflito de interesses.
“O modelo de auditoria imposto pela autoridade eleitoral (‘auditoria comandada pelo auditados’) não se enquadra em qualquer modelo reconhecido e padronizado por entidades internacionais”, disse o partido.
Entre as recomendações feitas, além da adoção do comprovante impresso, estavam a criação de um órgão composto por representantes de todos os participantes do processo eleitoral, para “de forma independente” acompanhá-lo ininterruptamente.
O PSDB também propôs a unificação do horário da eleição em todo o território nacional, para evitar situações como a ocorrida em 2014, em que houve um blecaute informativo sobre a apuração até que se fechassem as urnas no Acre, três horas mais tarde.
Quando finalmente o resultado saiu, já praticamente cravava a reeleição de Dilma. Esse aspecto hoje é mencionado por Bolsonaro como exemplo de falta de transparência na apuração dos votos.
Além disso, os tucanos sugeriram a criação do “direito à refutação”, pelo qual antes de deixar o local da votação, o eleitor pudesse rejeitar o conteúdo do voto impresso e iniciar nova votação.
Nada disso foi implementado pelo TSE, mas os tucanos se dizem satisfeitos com o modelo atual. “Hoje o sistema é transparente e auferível, 100% confiável. Para nós, é uma questão resolvida”, afirma Sampaio. As informações são de Folhapress.