A vida financeira de muita gente foi afetada com a crise econômica causada pela pandemia. Em meio ao cenário criado pela Covid-19, os brasileiros têm dificuldades de ter uma renda maior do que as despesas. Isso é o que mostra a pesquisa Empréstimos Pessoais e Hábitos dos Consumidores. O levantamento evidencia que sete em cada 10 pessoas gastam mais do que ganham.
A pesquisa realizada pela Globo abrange as cinco regiões do Brasil e foram feitas 1.170 entrevistas. Nela, 43% das fontes afirmaram ganhar menos do que os custos que têm, 75% declararam que possuem algum tipo de dívida. E dessas, 41% estão com dívidas em atraso. Outro dado também reforça a dificuldade de pagar as contas com o salário. Um estudo com trabalhadores de empresas brasileiras mostrou que 55% deles não conseguem ficar dentro do orçamento salarial.
O mapeamento foi conduzido pela Leve, fintech de consultoria financeira. No total, 700 colaboradores de 16 entidades foram ouvidos. Em Salvador, Leonardo Motta, 40, poderia fazer parte das duas pesquisas. Pai de três filhos, formado em marketing e empregado na como social media, ele tem que escolher quais contas serão pagas no mês e os débitos que ficarão para o próximo.
“Antes da pandemia, eu conseguia me manter em três empregos. Além da Atento, trabalhava em uma escola como relações públicas e prestava serviço para uma empresa de eventos de Portugal. Com a crise sanitária, parei de trabalhar para escola, e a Europa em relação à questão do lockdown foi bem mais dura que o Brasil. Então, os eventos foram suspensos e, com isso, a minha atividade com a empresa europeia também parou. Hoje, o meu custo de vida é incompatível com a renda do meu emprego fixo”, explica o profissional.
O faturamento mensal de Leonardo gira em torno de R$ 2.500, desse valor R$ 900,00 é direcionado ao aluguel. O restante tem que cobrir a água, energia, gás, alimentação, despesas médicas e imprevistos, além de outros gastos pontuais. Sem recursos financeiros para quitar todas as dívidas, ele busca realizar alguns jobs extras para conseguir fechar o mês com as contas em dia.
“Hoje, tenho que me desdobrar na questão do tempo. Durante a manhã, dou assistência aos meus filhos porque estão conectados às aulas virtuais. Quando encerram as chamadas, eu já começo a rotina de trabalho. Pego o serviço que tenho que fazer para algum cliente, seja uma identidade visual ou consultoria de marketing. Em seguida, vou para a Atento. Quando chego dela, às vezes passo a madrugada trabalhando. Isso já virou um esforço diário, que eu faço para manter a casa”, relata.
A especialista em relacionamento digital Vitória Santana também tem enfrentado desafios financeiros. Ela vem controlando seus gastos, mas ainda assim é muito difícil ficar com um saldo positivo. “Mesmo recebendo um pouco mais do que um salário mínimo, quando vou fazer a soma dos gastos, infelizmente, não fica equivalente”, afirma.
Desemprego e renda
Para o economista e professor de Pós-Graduação da Baiana Business, Antonio Carvalho, a situação que se encontra a economia brasileira é crítica e contribui para os apertos financeiros, endividamento das famílias e desemprego. Segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), iniciada em 2010, em junho, 69,7% dos brasileiros tinham dívidas a quitar.
“Isso porque os impactos da Covid gerou dois fenômenos perigosos, a redução da renda, com a perda de emprego por trabalhadores empregados (CLT) e da renda (total ou parcial) por empreendedores e empresários. Com as restrições impostas pelas autoridades sanitárias, além do aumento da inflação, principalmente dos alimentos, bens e serviços essenciais (como a energia elétrica e o gás de cozinha) houve também um maior consumo. Assim, a capacidade de pagar os compromissos financeiros também ficou menor, o que resulta em inadimplência”, enfatiza Antonio.
A taxa nacional de desemprego chegou a 14,1% no segundo trimestre deste ano, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Isso resulta em 14,4 milhões de desempregados. As previsões é que esse índice de desocupação continue alto.
Nessa perspectiva, Antonio destaca que a história econômica do país é um fator que favorece os efeitos da crise. Segundo ele, “nos anos 90, mais precisamente após 94 com a implementação do Plano Real, a inflação foi contida. Porém, os brasileiros se deram conta que estavam em plena globalização, um fenômeno de intenso apelo ao consumo, mas a renda média não havia evoluído, e não evoluiu até hoje, mantendo a maioria dos trabalhadores com renda e poder de compra muito baixos”.
Inflação e demissões
As circunstâncias não são favoráveis para o consumidor e não deve haver solução a curto prazo, avalia o integrante do Conselho Regional de Economia na Bahia (Corecon-BA) e professor de economia da Unifacs, Alex Gama: “Não sabemos quando a inflação vai se estabilizar. Estamos passando por uma redução da atividade econômica, as empresas estão contratando cada vez menos e as pessoas estão sendo mais demitidas do que admitidas”.
As expectativas de melhora também são baixas para Leonardo. Para ele, as relações econômicas do Brasil, tanto externas quanto internas, tendem a piorar: “No atual contexto político, eu não consigo perceber oportunidades para o desenvolvimento da economia”.
Educação Financeira
Diante das inúmeras complicações financeiras, Alex diz que a educação financeira é essencial para ajudar a aliviar o bolso ou pelo menos a não se endividar. “É necessário reestruturar os gastos, rever contratos e buscar negociar gastos fixos como o aluguel e mensalidade escolar. Temos que fazer um planejamento financeiro, muitas pessoas não fazem e, por isso, não percebem como os gastos fixos e correntes são representados em termos de rendimento”.
O conselheiro também alerta que é necessário muito cuidado com o uso de cartões de crédito. “Hoje, tem uma facilidade muito grande ao crédito, principalmente pelas fintechs. Assim, as pessoas conseguem e fazem uso de muitos cartões, mas chega o momento que não conseguem honrar o crédito. Nesta pandemia, muitas dívidas são feitas através desses cartões, pois o comércio eletrônico cresceu e comprar na internet se tornou muito fácil. As compras parceladas fazem você perder de vista o pagamento e geram endividamentos”, diz.