Em conluio com o governo federal, o Incra, órgão responsável pela política de reforma agrária no Brasil, decidiu reduzir a área de um assentamento criado há 22 anos no Pará para abrir espaço à mineração de ouro. Em troca, receberá uma fazenda localizada a mais de 1.500 quilômetros de distância do local, cuja utilidade ainda não foi esclarecida.
Segundo matéria do “Estadão”, o projeto que será levantado no lugar do assentamento pretende ser o maior empreendimento de exploração de ouro no País, e terá como alvo as bordas do Rio Xingu, logo abaixo da barragem da hidrelétrica de Belo Monte, em uma área que já sofre impactos ambientais devido à construção da usina.
O acordo foi firmado entre o Incra e a empresa canadense Belo Sun, que há uma década movimenta ações na Bolsa de Toronto. O Incra concordou reduzir uma área de mais de 2 mil hectares, o que vai impactar cerca de 600 famílias que vivem nos assentamentos Ressaca e da Gleba Ituna. A empresa, por sua vez, transformará o espaço em um negócio bilionário de mineração a céu aberto.
A negociação determina ainda que a Belo Sun compre, para o Incra, duas caminhonetes com tração 4×4 e de cabine dupla, dez notebooks, dez tablets, quatro scanners e quatro aparelhos GPS do tipo “RTK”.
Nesta segunda-feira (6), veio à tona a notícia de que o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, deu aval para ao menos sete projetos de garimpo de ouro em áreas intocadas da Amazônia.
“Ninguém diz o que vai acontecer com a gente”, relata morador
Em relatos ao Estadão, moradores afirmaram não saber se serão removidos do Pará para o Mato Grosso ou o que acontecerá com suas terras. “É uma situação horrível, estamos atordoados. Não conseguimos dormir à noite. Ninguém disse o que vai acontecer com a gente”, disse Idglan da Silva, que vive com seu pai José Pereira Cunha na Vila Ressaca desde 1996.
“Eu moro aqui no assentamento Ressaca há 24 anos. Nunca vieram aqui dar nenhuma informação. Corre o boato aqui que a gente vai ter que sair”, afirmou Eduviges Ribeiro de Souza, de 55 anos. “A gente tem medo de perder a casa da gente. Tem dez famílias morando no meu lote. É um lote da reforma agrária.”
Antes de chegar a um acordo com o Incra, a empresa comprou os lotes diretamente com os donos. Segundo levantamento do pesquisador Elielson Pereira da Silva, doutor em Ciências e Desenvolvimento Socioambiental da Universidade Federal do Pará, foram vendidas 21 propriedades dentro do assentamento.
Ele afirmou que a prática é completamente irregular e ilegal, já que lotes de reforma agrária não podem ser vendidos. “É um contrato surreal, com cláusulas draconianas. O Incra foi constituído para fazer reforma agrária. O que ele propõe, neste acordo com a Belo Sun, é fazer exatamente o oposto disso. Ele quer retirar as pessoas, chancelando o deslocamento compulsório de pessoas”, disse Silva ao Estadão.
Incra diz que famílias não vivem na área afetada pelo empreendimento
O Incra justificou que aceitou a fazenda em Mato Grosso como moeda de troca porque não encontrou terra legalizada que pudesse ser adquirida para os assentados nas proximidades da região onde vivem. O órgão revelou ainda que a negociação já era tratada há anos com o órgão.
Apesar do levantamento dos pesquisadores apontar a presença de várias famílias na região que será repassada à empresa, o Incra afirmou também que estas não vivem na “área diretamente afetada” pelo empreendimento. Segundo o órgão, a área não está sendo “destacada” do assentamento, porque o contrato prevê a “coexistência da atividade” de garimpo com o Programa Nacional da Reforma Agrária (PNRA). Com informações da Revista Fórum.