O governo Bolsonaro, através de seus ministérios e das palavras do próprio presidente, vem encampando uma narrativa antivacina ao dizer que a imunização de crianças contra a Covid-19 é uma decisão dos pais e que não deve ser obrigatória.
O Ministério da Saúde, por exemplo, emitiu recentemente uma nota técnica para dar embasamento jurídico aos antivacina, dando orientações para justificar o caráter não obrigatório da imunização infantil. Já o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, comandado por Damares Alves, lançou documento em que disponibiliza um disque-denúncia para pessoas que se sentirem “violadas” por não quererem se imunizar ou vacinar os filhos.
Os pais e responsáveis que seguirem essas orientações do governo e não vacinarem as crianças, no entanto, estão sujeitos a uma série de sanções, que vão desde aquelas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que incluem, em última instância, a perda da guarda do filho, até penalidades na esfera criminal, que podem culminar em prisão.
Estatuto da Criança e do Adolescente
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê, em seu artigo 14, que “é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. Este é o caso das vacinas infantis contra a Covid-19 fabricadas pela Pfizer (de 5 a 11 anos) e Coronavac (de 6 a 17 anos).
Ambas foram aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e são recomendadas pelo órgão, que é a autoridade sanitária máxima do país. Ou seja, essa recomendação valida o artigo do ECA que prevê a obrigatoriedade da imunização.
“De maneira acertada, o Estatuto é abundante em mecanismos de prevenção à ameaça de lesão a direitos da criança. Da inteligência do próprio dispositivo, não há o que se falar quanto à obrigatoriedade de vacinas que sejam obrigatórias. A mera recomendação de vacinação pela autoridade sanitária, o que já houve em relação à vacina contra Covid, faz-se obrigatória para as crianças por força normativa do ECA“, afirma, em declaração enviada à Fórum, o advogado Antonio Carlos de Freitas Júnior, professor de Direito Constitucional na Universidade de São Paulo (USP).
Além do artigo 14, o ECA expressa, em seu artigo, 249 que a falta de vacinação obrigatória significa violação dos deveres pelos pais.
Entre as sanções previstas, segundo Freitas Júnior, estão o encaminhamento a serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família; encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico; encaminhamento a cursos ou programas de orientação; perda da guarda e suspensão ou destituição do poder familiar.
“Ao tratarmos da obrigatoriedade da vacinação infantil, dois pilares devem ser ressaltados: a saúde pública e a liberdade de escolha dos pais — e, quando ponderados estes bens jurídicos, especialmente durante a crise sanitária atual, é natural pensarmos que a saúde pública, que é inerente a toda a sociedade e à manutenção de seus pilares, deve prevalecer em detrimento aos interesses individuais”, complementa o advogado Acacio Miranda da Silva Filho, mestre em Direito Penal e doutorando em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa do Distrito Federal (IDP/DF).
Pode dar prisão
O advogado Antonio Carlos de Freitas Júnior chama atenção para o fato de que, além das sanções previstas pelo ECA, a não vacinação de crianças pode ser enquadrada no âmbito criminal através do Código Penal e, entre as penalidades, está, inclusive, a prisão.
“Criminalmente, os pais poderão ser responsabilizados nos termos do artigo 132 do Código Penal – ‘expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente’ – e serem punidos com detenção de três meses a um ano”, explica.
Há, ainda, a possibilidade de pais e responsáveis responderem por homicídio culposo no caso da criança morrer de Covid-19 por não ter tomado a vacina. “Em caso de morte ou de lesão corporal os pais podem, sim, ter de responder pela modalidade culposa de tais crimes”. O advogado pondera, contudo, que “por serem pais, possivelmente haja ao fim do processo um perdão judicial – com não imposição de pena -, pois a perda de um filho por si só é um castigo e, nos casos de verificação do sofrimento à família, tal instituto é aplicado”.
Para Matheus Falivene, advogado criminalista da Universidade de São Paulo (USP), “deixar de vacinar pode ser crime de abandono de incapaz, previsto no artigo 133 do Código Penal“.
“A vacinação é obrigatória; os pais não têm o direito de não vacinar os seus filhos – não só por uma questão de risco à criança, mas também por risco à sociedade”, pontua.
Ação no STF tenta impedir campanha antivacina do governo
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) acionou o Supremo Tribunal Federal (STF), nesta sexta-feira (28), com uma petição para que a Corte interrompa a campanha antivacina do governo Bolsonaro, realizada através de notas técnicas de ministérios, e obrigue a administração federal a adotar campanhas institucionais compatíveis com a obrigatoriedade de vacinação contra a Covid de crianças e adolescentes.
A petição, assinada pelo advogado da Rede, foi protocolada no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 754 (ADFP 754), relacionada ao Plano Nacional de Imunização, e endereçada ao ministro Ricardo Lewandowski.
No documento, Randolfe expõe que o Ministério da Saúde, bem como o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, vêm desestimulando a vacinação através de notas técnicas e campanhas que relativizam a obrigatoriedade da vacinação contra a Covid-19 de crianças.
O senador cita, por exemplo, a nota técnica do Ministério da Saúde, emitida recentemente, que dá embasamento jurídico aos movimentos antivacina. No documento, são expostos argumentos para sustentar que a vacinação de crianças não é obrigatória e que cabe aos governos estaduais atuar “na medida de suas competências”.
Também é destacado, na petição, o fato do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, comandado por Damares Alves, ter emitido uma nota técnica em que é disponibilizado o dique-denúncia voltado para receber informações relacionadas a “violações aos direitos humanos”, para que aquele antivacina que se sentir discriminado notifique o Estado.
Randolfe chama a atenção para a “coincidência” de datas das notas técnicas dos ministérios, ambas emitidas esta semana, e adiciona ainda o fato do Ministério da Saúde ter veiculado, através das redes sociais, campanha desinformativa. “Vacinar as crianças é uma decisão dos pais e responsáveis e necessária sua autorização”, diz a publicação oficial na internet feita pela pasta, contrariando a obrigatoriedade da imunização prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
“Há uma tentativa de desqualificar e deslegitimar a vacinação obrigatória das crianças contra a covid-19, com o argumento inepto de que a vacinação está prevista em um plano nacional ‘diferente’ (…)”, diz um trecho da petição.
“A posição do Governo Federal durante todo o enfrentamento da pandemia, e mais especificamente na vacinação de crianças, afronta princípios basilares da Constituição Federal, a Lei devidamente aprovada pelo Congresso Nacional e precedentes do Supremo Tribunal Federal. O abuso precisa ser, infelizmente e uma vez mais, contido, notadamente com a prolação de decisão judicial para que o Governo Federal ajuste suas condutas àqueles preceitos mais fundamentais da Constituição Federal: direito à saúde, direito à vida, princípio da maior proteção às crianças e aos adolescentes, dentre tantos outros”, prossegue.
Além da obrigatoriedade da adoção de campanha institucional que incentive a vacinação de de crianças e adolescentes, Randolfe e a Rede pedem para que os membros do governo que descumprirem a solicitação e que insistirem em fake news sobre a imunização sejam afastados de seus cargos e respondam na esfera administrativa, civil e criminal. Redação da Revista Fórum.