Em janeiro de 2022, 9.636 pessoas morreram na Bahia. Foi o mais letal no estado dos últimos 19 anos, levando em consideração os dados para o primeiro mês de cada ano desde 2003, quando teve início a série histórica da Associação dos Registradores Civis das Pessoas Naturais do Estado da Bahia (Arpen/BA). Entre as causas dos óbitos, a pneumonia aparece em primeiro, como a doença que mais matou os baianos no mês passado – com 947 óbitos, mais que o dobro do registrado em janeiro de 2021, quando 455 pessoas faleceram por esse motivo.
Em segundo lugar como causa dos óbitos está a septicemia, uma enfermidade que ocorre quando há uma resposta exagerada do sistema imunológico a uma infecção no corpo. Foram 805 casos registrados no estado. Em terceiro, estão as doenças cardiovasculares e o AVC, responsáveis, juntos, pela morte de 1.353 pessoas. Fechando o ranking das cinco doenças mais fatais no estado em janeiro último, em quarto e quinto lugares, respectivamente, estão mortes por insuficiência respiratória (638) e pela covid-19 (561).
A Arpen-BA adverte que o número de óbitos registrados em janeiro de 2022 pode aumentar, assim como a variação da média anual e do período. Isso porque os prazos para registros de óbitos chegam a prever um intervalo de até 15 dias entre o falecimento e o lançamento do registro na base de dados dos cartórios brasileiros.
Pneumonia
No caso da pneumonia, principal causa de morte de baianos no mês passado, a doença pode ter origem a partir de infecção por vírus, bactérias e fungos. Os sintomas mais frequentes são mal-estar, fraqueza, secreção, febre e tosse. Para a pneumologista Larissa Voss Sadigursky, do Hospital Santa Izabel, o aumento de casos de covid-19 e da gripe pelo vírus influenza H3N2 está relacionado com a alta nos casos de pneumonia e, consequentemente, com a elevação dos óbitos.
“As medidas restritivas foram afrouxando e temos uma maior quantidade de vírus circulante. Com a maior exposição da população, há aumento da quantidade de doenças respiratórias virais, que causam um desbalanço no sistema imunológico e favorece o crescimento de bactérias, aumentando os casos de pneumonias bacterianas”, esclarece Larissa.
Segundo a pneumologista, o tratamento para a doença é feito a base de antibióticos, antivirais e antifúngicos, a depender do caso. Para as pessoas acima de 60 anos, existe vacina que protege contra as formas mais graves de pneumonia bacteriana, a mais comum nos pacientes.
História de perda
A técnica em enfermagem Iana Cheles, 28, perdeu o pai, Firmino Freitas Cheles Neto, no último dia 19, por câncer. Ele tinha 55 anos. A família mora em Barra dos Rios, um povoado de Jussiape, cidade de pouco mais de cinco mil habitantes, no Centro-Sul baiano. “A perda de meu pai levou um pedaço meu, de minhas irmãs e minha mãe. Ela está destruída, porque são 30 anos de casados, mais cinco de namoro. Foi praticamente a vida toda dela com ele”, conta.
As suspeitas começaram no início de julho, quando Firmino começou a sentir náuseas e dores no abdômen. Depois de muito insistir, ele aceitou que a família o levasse ao médico. “Ele era uma pessoa que não gostava de ir ao médico, fazer exames, check-up, essas coisas. É aquele tabu de homem de não gostar de se cuidar, sabe? Depois de muita insistência, ele aceitou fazer ultrassom em uma clínica, onde acharam pedra na vesícula”, descreve Iana. Era preciso cirurgia.
Como a cidade é pequena, a filha buscou profissionais em outros municípios. “Eu queria Vitória da Conquista e ele queria Paramirim. Então fez a cirurgia, teve boa recuperação. Porém, depois de 45 dias, constou na biópsia um tumor na vesícula. A partir disso, o médico pediu para a gente ir num oncologista”, narra a filha. Firmino teve que passar por uma segunda cirurgia, agora exploratória, onde foi descoberto que o câncer não tinha mais cura e estava em estágio avançado.
“A única coisa que podia fazer era quimioterapia. Só que meu pai não estava em condições. Depois que ficou sabendo, não aceitou a doença, não se alimentava direito, ficou muito deprimido e preocupado de ir embora e deixar as filhas”, explica Iana. A doença evoluiu rápido. “Ele ficava cada dia pior e a gente nunca está preparado. Não imaginava que ia ser tão rápido”, confessa Iana.
Firmino ganhava a vida vendendo e comprando gado, às vezes, automóveis. Mas o legado dele mesmo, segundo a filha, é o de ajudar pessoas. “Ele era um paizão, uma pessoa muito boa, que não podia ver ninguém sofrendo. Buscava sempre o bem-estar da gente, ajudava muito a vizinhança e doava gado para arrecadar dinheiro se alguém precisasse. As pessoas me param na rua para agradecer a ajuda dele, e isso não tem dinheiro no mundo que pague”, relembra Ia filha.
Outros baianos que também faleceram em janeiro e deixarão saudade: cantor de pagode Rony Santana, vítima de diabetes, aos 27 anos; Nadinho, campeão da Taça Brasil de 1959 e considerado o melhor goleiro da história do Bahia; a jornalista Socorro Pitombo, que chefiou a comunicação da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs); o produtor e sócio do Circuito de Cinema Saladearte, Marcelo Sá; e a cozinheira Alaíde Conceição, dona do Restaurante Alaíde do Feijão, no Centro Histórico de Salvador.
Alta nas mortes por doenças cardiovasculares
As doenças do coração ocuparam o terceiro lugar no ranking de principais causas de morte na Bahia, em janeiro. Na comparação com o primeiro mês de 2021, houve aumento em todas elas. Para as causas cardiovasculares inespecíficas, a alta foi de 32%; para o AVC [Acidente Vascular Cerebral, o popular ‘derrame’], 13,4%; e para o infarto do miocárdio [ataque cardíaco], 1,2%.
Segundo a cardiologista Cláudia Cancio, da Clínica SIM, esse crescimento de óbitos se deve pelo agravamento de quem já tinha as doenças. “Houve um aumento do número de complicações de pessoas que já tinham cardiopatias e comorbidades. Ficaram pensando só na covid e deixaram de ir ao médico com medo de pegar covid. Com isso, as doenças evoluíram e pioraram. O certo é essas pessoas irem ao médico uma vez ao ano ou a cada seis meses”, explica a especialista.
Para evitar o agravamento das doenças cardiovasculares, a cardiologista defende que o melhor caminho é a prevenção. “Uma dieta balanceada, fazer atividade física e ir regularmente fazer exames. Quem tiver hipertensão deve monitorar sempre a pressão. Já quem tem colesterol alto e já foi revascularizado, com stent ou angioplastia, o uso de remédio é para a vida toda”, orienta.
Casos de Síndrome Respiratória crescem 156,4%
Os dados dos cartórios apontam um aumento de 156,4% nas mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) em janeiro deste ano, na comparação com janeiro de 2021, enquanto houve uma redução de 58,58% dos óbitos por covid-19. Para a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), a baixa nas mortes pelo novo coronavírus se deve ao avanço da vacinação.
É também o que afirma a infectologista Clarissa Ramos, do Hospital Cardiopulmonar. “A vacina foi a principal responsável pela redução da gravidade dos casos, não dos números de casos, mas a mortalidade está muito menor do que víamos nas outras ondas. Apesar de termos muita gente doente, os casos são leves, com sintomas se assemelhando a resfriado”, constata.
Sobre o aumento de óbitos por SRAG, a infectologista explica que pode ser associado a pessoas que estavam com covid-19, mas não testaram positivo para a doença. “A Síndrome Respiratória Aguda Grave é um conjunto de sintomas, quando o paciente tem febre, algum sintoma respiratório e saturação baixa, o que sinaliza para uma insuficiência respiratória, quando o pulmão dá sinal de falência. Diversas doenças causam isso, inclusive a covid e a gripe”, detalha.
Regionalização
A Sesab registrou 7.047 mortes em janeiro, número 27% menor que aquele apurado pela Arpen-BA. Segundo a secretaria, “os serviços de saúde têm a obrigação de fazer o registro de óbitos, mas, por vezes, levam um tempo maior que o preconizado”. Por isso, a divergência nos dados entre o órgão e os cartórios.
Para tentar diminuir as mortes por doenças tratáveis no estado, a pasta destaca que investiu em novas unidades de saúde; além da reforma e ampliação de outras já existentes. Segundo a secretaria, 13 novas unidades foram entregues nos últimos sete anos em oito cidades baianas, além de 21 policlínicas regionais de saúde. “O Estado tem investido ainda na regionalização, a fim de melhorar o acesso aos serviços de saúde”, reforça a Sesab, em nota.
A Secretaria Municipal da Saúde (SMS) foi procurada para repassar dados sobre óbitos em Salvador, mas não respondeu à reportagem até o fechamento desta edição, às 23h desta terça-feira (15).
Cidades com mais mortes em janeiro:
Salvador – 1696
Feira de Santana – 443
Vitoria da Conquista – 283
Itabuna – 241
Ilhéus – 230
Juazeiro – 169
Jequié – 159
Camaçari – 153
Alagoinhas – 143
Barreiras – 130
Cidades com menos mortes em janeiro:
Aurelino Leal – 1
Novo Triunfo – 1
Rodelas – 1
Aiquara – 2
Elísio Medrado – 2
Ichu – 2
Itaju do Colônia – 2
Lençóis – 2
Paripiranga – 2
Umburanas – 2
Principais causas de óbitos na Bahia
– Pneumonia: 947 casos
– Septicemia: 805 casos
– AVC: 713 casos
– Causas Cardiovasculares: 640
– Insuficiência respiratória: 638
– Covid -19: 561
Com informações do Correio e da Arpen-BA.