O governo Bolsonaro vive desde o final de semana um impasse criado internamente sobre qual medida adotar para evitar a explosão no preço dos combustíveis no mercado doméstico, provocada pela acelerada alta na cotação do petróleo com a invasão da Ucrânia pela Rússia.
A preocupação é agir rapidamente para deter o impacto da alta dos derivados de petróleo no bolso dos consumidores em ano eleitoral. A leitura dos aliados do presidente Jair Bolsonaro é que o descontrole nos preços de gasolina, diesel e gás de cozinha, além da alta da inflação que virá desse custo extra, serão prejudiciais à sua reeleição. A recomendação é que ele tome uma decisão o quanto antes.
No entanto, como ocorreu em outros momentos delicados para o governo, o tema gerou uma queda de braço na alta cúpula, pondo em lados distintos o Ministério da Economia e o Ministério de Minas e Energia acompanhado da ala política mais próxima do presidente.
As possibilidades serão discutidas em reunião no Planalto nesta terça-feira (8) com ministros Paulo Guedes (Economia), Bento Albuquerque (Minas e Energia), Ciro Nogueira (Casa Civil) e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Se dependesse apenas de Bolsonaro, este seria o momento de o Brasil suspender o uso da paridade internacional do valor do petróleo para reajustar os combustíveis no mercado interno. Ele deixou clara a posição em entrevista a uma rádio na manhã de segunda-feira (7). A fala, considerada intervencionista, derrubou as ações da Petrobras, que fechou o pregão com queda de 7%.
O MME (Ministério de Minas e Energia) junto com uma ala mais política do governo, mesmo não gostando da paridade, avalia que mexer nessa regra agora, em ano eleitoral, prejudicaria a reeleição do presidente. O grupo quer a adoção do subsídio para segurar o preço.
Alguns defendem que a medida deva valer também para importadores privados, não apenas para a Petrobras. As importações privadas já respondem por certa de 20% do abastecimento interno. Excluídas, essas empresas não teriam condições de sustentar a defasagem, o que levaria à queda da oferta e falta de combustível em pouco tempo.
Os defensores do subsídio propõem que o governo decrete estado de calamidade, alegando que o Brasil sofre com os efeitos da guerra num país estrangeiro, e adote crédito suplementar para dar estabilidade ao preço no mercado interno.
O Ministério da Economia considera a alternativa temerária para os cofres públicos sob o argumento de que não há como saber até onde vai a guerra e o preço do barril, e custos seriam incontroláveis. Cálculos preliminares da pasta indicam que o custo pode passar de R$ 100 bilhões, a depender do rumo da guerra.
A Economia defende a aprovação das medidas que tramitam no Congresso, sob a relatoria do senador Jean Paul Prates (PT-RN), incluindo a proposta de mudança no cálculo de reajuste, que sugere média de preços.
No entanto, no curto prazo, numa mudança de postura considerada inesperada pelo mercado, a pasta sugere que a Petrobras ofereça uma cota de contribuição ao alívio da crise, absorvendo a alta no preço internacional e segurando os reajustes provisoriamente. Decretar calamidade seria uma segunda opção, caso o conflito se prolongasse.
A proposta teria de ser aprovada pelo conselho de administração e divide integrantes da estatal. Se por um lado, de fato, há espaço financeiro para absorver provisoriamente o congelamento, já que a estatal teve lucro histórico de R$ 106,6 bilhões no ano passado, a medida também é vista como uma intervenção.
Para analistas, a medida pode provocar não apenas a queda no valor da ação, mas o rebaixamento da nota da estatal em agências de classificação de risco. Haveria também o já mencionado efeito adverso de levar ao desabastecimento do mercado, uma vez que os importadores privados continuariam expostos à alta internacional e não teriam condições de competir com congelamento de preços da estatal.
Há quase dois meses a Petrobras não faz reajustes de combustíveis. A defasagem é de 26% para gasolina e de 30% para o diesel em relação ao preço internacional. No domingo (6), chegou perto dos US$ 140 (R$ 708), próximo do recorde de US$ 147,50 (R$ 746) de julho de 2008. Nesta segunda-feira (7), o valor cedeu, fechando em US$ 123,89 (R$ 626,54), mas o cenário de instabilidade torna o preço incerto.
Economistas e especialistas do setor de energia afirmam que todas as alternativas em discussão no governo brasileiro criam riscos desnecessários, porque a intervenção nos preços é medida extrema com efeitos colaterais incontroláveis.
“O que estamos assistindo é a maior crise do petróleo desde a década de 1970, e a maioria dos países está observando e esperando para ver as consequências, que ainda são imprevisíveis”, diz Marcio Felix, ex-secretário executivo do MME. Ele recomenda cautela, porque o cenário do conflito é incerto.
O aumento do petróleo reflete os riscos criados no mercado global com invasão da Ucrânia pela Rússia, e é impulsionado pela perspectiva de que a escalada de sanções contra o governo de Vladimir Putin pode chegar à importação do óleo russo, segundo maior exportador do óleo e seus derivados. Na tentativa de isolar a Rússia do mercado de energia. Estados Unidos têm buscado alternativas até entre antigos opositores, como Venezuela.
“O mundo está tendo de engolir essa alta do petróleo, poucos países adotaram alguma medida para contê-la, e quem adotou preferiu ações pontuais, como a oferta de vouchers para motoristas abastecerem, caso de Portugal, ou socorro a pescadores, no Japão”, diz Marcos Mendes pesquisador associado do Insper e colunista da Folha.
“Diante desse cenário internacional, isso nos leva a crer que são nossas condições políticas que fazem o governo buscar o controle de preços”, afirma ele.
Mendes participou da elaboração e acompanhamento do programa de subsídios a caminhoneiros logo após a greve de 2018, durante o governo de Michael Temer. Ele afirma que a complexidade desse tipo de medida é imensa.
“No mercado privado há diferentes tipos de contratos, prazos e mais de 100 tipos de preços, e cada medida tende a gerar uma distorção para qual a gente corre o risco de não ter solução, como um desabastecimento ou desestímulo à produção” diz ele.
Décio Oddone, que foi diretor-geral da ANP (Agência Nacional de Petróleo) lembra também que o mercado brasileiro sofreu transformações nos últimos anos, o que reduziu a participação da estatal brasileira.
“Intervir na Petrobras não adianta nada, porque hoje existem muitos atores no mercado”, diz ele. “Vai apenas romper com um modelo aceito internacionalmente, gerando mais problemas. para a empresa e para o país.” Com informações do Folhapress.