Deputados candidatos à reeleição mudaram suas declarações de raça e cor para disputar as eleições deste ano. De acordo com informações do jornal O Estado de S. Paulo, divulgadas nesta quinta-feira (18), 33 parlamentares, que haviam se registrado como brancos em 2018, se apresentaram à Justiça Eleitoral como pardos em 2022. Entre eles, estão nomes como Luís Miranda (Republicanos-DF), Heitor Freire (União Brasil-CE), José Rocha (União Brasil-BA) e Professor Israel (PSB-DF).
A mudança, conforme revela a reportagem, terá impacto diretamente no financiamento da campanha e na entrega de recursos públicos para os partidos a partir do próximo ano. Em 2021, o Congresso aprovou que os votos dados a pessoas negras – a soma de pretos e pardos, de acordo com o IBGE – passam a valer, já a partir deste ano, em dobro na hora de calcular a distribuição dos recursos dos fundos partidário e eleitoral, conhecido como fundão eleitoral. Isso significa que haverá um aumento dobrado na quantidade de verba para partidos com candidatos negros que obtêm mais votos para deputado.
O fundão é considerado ainda crucial para as legendas, uma vez que o financiamento das campanhas depende majoritariamente de dinheiro público. Nas eleições de 2018, mais de 80% das despesas foram pagas com essas verbas públicas. A medida vigora até 2023 e vale também para a candidatura de mulheres. Outra regra de incentivo também estabelece que os partidos devem dividir o fundo eleitoral e o tempo de TV para propaganda de forma proporcional entre negros e brancos. Nesse caso, se uma sigla tiver 50% dos postulantes se identificando dessa forma, metade dos recursos deve ser direcionadas a essas candidaturas.
Oportunismo?
Diante dessas medidas, as mudanças nas declarações de raça e cor dos parlamentares levantaram dúvidas. O advogado Cristiano Vilela, integrante da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP), afirmou ao Estadão que a troca “pode significar uma autoaceitação do candidato”. Mas também “uma estratégia que busca meramente a obtenção de mais recursos”. Se identificada a fraude, ela deve ser punida com “rigor que a situação merece”, podendo chegar à cassação do registro, de acordo com o advogado. Porém, o julgamento não é objetivo e deixa lacunas.
O Ministério Público Eleitoral do Piauí encaminhou uma recomendação aos diretórios dos partidos no Estado alertando sobre os efeitos jurídicos e econômicos da declaração. A promotoria também adverte que os candidatos podem responder por crime de falsidade ideológica eleitoral caso seja constatada fraude na declaração.
O que dizem os citados
Procurados pelo jornal, Heitor Freire afirmou ter se declarado como pardo neste ano por ter orgulho de sua descendência. O parlamentar atribuiu o registro como branco, há quatros anos, ao PSL, partido no qual concorreu à época. “Não é uma questão de cota, mas de descendência, e me orgulho disso.” O argumento foi o mesmo usado pelo deputado José Rocha. “Sou pardo mesmo, meu avô materno é descendente de escravo.”
Por meio da assessoria, o parlamentar Professor Israel também declarou ser “filho de mãe preta e pai branco e por isso se classifica e se autodeclara como pardo”. Já o deputado Luís Miranda, que também mudou de partido e estado, alegou que não sabia que em sua ficha anterior estava “branco”. Segundo o parlamentar, foi um procurador, por ele contratado, que registrou sua candidatura em 2018. “Eu tenho o cabelo pretinho, me considero moreno. Moreno claro, mas moreno. Eu preenchi a ficha e coloquei pardo. Agora que você veio me perguntar que eu descobri que na outra vez foi ‘branco’. Eu não preenchi nada daquela época, eu morava nos Estados Unidos”.
Miranda é o deputado que denunciou ter relatado ao presidente Jair Bolsonaro (PL) que havia suspeitas de fraude na compra da vacina Covaxin do governo. Acompanhado do irmão, o servidor do Ministério da Saúde, Luís Ricardo Miranda, ele delatou à comissão que a denúncia foi ignorada.
Representatividade
Nesta semana, após o fim do prazo para o registro de candidaturas, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgou que as eleições de 2022 serão as primeiras da história do Brasil com mais candidatos negros do que brancos. Apesar da suspeita de fraude, o dado é um marco em um país onde a maioria da população – 55% – se declara como negra.
Ao todo, dos 28.116 candidatos registrados no TSE, 14.015 declararam-se negros, o que equivale a 49,57% do total de candidaturas. Outros 13.914 identificaram-se como brancos, o que representa 48,86%. Entre os negros, a maioria apresentou-se como parda (35,65%) e 13,92% como preta. O número de mulheres candidatas também cresceu para 9.378, ou 33,4% do total na disputa. Em 2018, elas eram 9.204 (31,8% do total). Mas, apesar do aumento, o número ainda está abaixo da representação feminina na população: 52%.
O número de candidatos indígenas registrados também bateu recorde. São 175 nesta eleição (0,87% do total). Com informações do Rede Brasil Atual.