A Defensoria Pública da União (DPU), por meio do Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais da instituição, e a Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN) lançaram, nesta segunda-feira (29), a ‘Pesquisa sobre a Implementação da Política de Cotas Raciais nas Universidades Federais’. O estudo é resultado do acordo de cooperação técnico-científica firmado em 2021 entre a DPU e a ABPN, com a finalidade de desenvolverem atividades em conjunto para a defesa dos direitos individuais, coletivos e difusos da população negra e o enfrentamento do racismo.
Entre as conclusões, o levantamento indicou que “existe uma demanda urgente de elaboração de meios mais eficazes para o alcance de dados da população negra integrante do ensino superior público federal, a fim de identificar a eficácia e a necessidade de novas estratégias que promovam o fim da desigualdade social e racial que ainda assola a realidade universitária e acadêmica brasileira”.
Também destacou a extrema necessidade da elaboração de estratégias de investigação e de prevenção às fraudes nas cotas e, ainda, a urgência de uma efetiva implementação isonômica e regular da política de cotas raciais nos programas de pós-graduação, “sendo tal iniciativa totalmente pertinente para a completude do ciclo de afirmação da diversidade étnico-racial nos ambientes acadêmicos, sobretudo para ampliar a participação de pessoas negras também nos corpos docentes universitários, na gestão da iniciativa pública e privada e, ainda, nos espaços de poder político”.
Do ponto de vista do ingresso de estudantes negros(as), os dados revelaram que a Lei nº 12.711/2012 significou um incremento importante nas universidades federais. Isso porque a ampliação do Ensino Superior brasileiro entre os anos 1960 e 2000 se configurou como um espaço de exclusão da população negra e indígena. Com adoção das ações afirmativas, entre 2003 e 2012, houve um impacto importante na presença de pessoas negras na educação superior.
Os dados avaliados acerca das taxas de ingresso e ocupação revelam que a ampliação de ingresso nas universidades foi muito considerável, porém a ocupação das vagas reservadas foi inferior ao potencial de alcance, o que aponta para a necessidade de aperfeiçoamento dos mecanismos de ingresso. Em comparação com o total de ingresso do ensino superior brasileiro, percebe-se que o impacto das cotas nas universidades federais ainda é relativamente pequeno.
Para as titulações o impacto é ainda menor, o que se relaciona diretamente com o período de apensas dez anos de execução da política, sendo que com funcionamento pleno de somente sete anos. Considerando o tempo mínimo para conclusão da maioria dos cursos de graduação, entre quatro e seis anos, a pesquisa conclui que esse tipo de política educacional precisa de muito mais tempo de execução para causar impactos mais expressivos no universo da educação superior e no tecido social, sem prejuízo de uma avaliação periódica destinada aos aperfeiçoamentos necessários.
“As cotas raciais no ensino público federal, apesar de significarem uma inegociável conquista em prol da população negra, carecem da atenção dos órgãos responsáveis para, de fato, promoverem mudanças estruturais mais profundas no universo da educação superior e nas etapas que se seguem a níveis mais qualificados de trabalho e renda”, ressalta a coordenadora do GT de Políticas Etnorraciais da DPU, defensora pública federal Rita Cristina de Oliveira.
O trabalho contou com o apoio da Superintendência de Inclusão Políticas Afirmativas e Diversidade (SIPAD/UFPR), do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB/UFPR), da Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD/UFOP), do Observatório das Políticas de Ações Afirmativas da Região Sudeste (OPAAS/UFOP), do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABI/UFOP), do Núcleo de Estudos Interdisciplinares Afro-Brasileiros (NEIAB/UEM), do Grupo de Estudo e Pesquisa em Políticas Públicas, História, Educação das Relações Raciais e de Gênero (GEPHERG/UNB), do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB/UNB), do Observatório de Política Social e Serviço Social (OPSS/UFRB), do Observatório Interinstitucional em Ações Afirmativas (OIAA/UFPEL) e do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de Professores e Relações Étnico-Raciais (GERA/UFPA).
Relatório
A proposta do relatório é contribuir para o aprimoramento da Lei nº 12.711/2012, baseada na convicção de sua eficácia no combate às desigualdades raciais e sociais na educação, por meio da apresentação de dados levantados junto às Universidades Federais no período de 2013 a 2019, que se revelaram relevantes para subsidiar o debate público por ocasião do aniversário de dez anos da Lei. O ano de 2013 foi definido como parâmetro inicial em função do início de incidência da Lei de Cotas e o de 2019 em função do marco temporal final das respostas ao pedido de informações da DPU, que compõem o banco de dados utilizados para o relatório.
O estudo não corresponde apenas a uma avaliação sobre a implementação da Lei de Cotas, mas, dado o seu amplo alcance de respostas e oficialidade das informações, também intenciona ser um suporte às universidades federais ao aperfeiçoamento do mecanismo legal de inclusão e ao saneamento de dificuldades ou irregularidades na sua execução, bem como servir de instrumento de análise no debate público, ao ensejo do prazo revisional da lei, estimado para 29 de agosto de 2022, que não encerra sua vigência, mas convida a sociedade a pensar sobre aperfeiçoamentos legislativos que aprimorem seus mecanismos de avaliação e monitoramento para bem cumprir as metas de inclusão almejadas, não sendo admissível a adoção de alteração normativa que retroceda nas metas de ampliação do acesso dos beneficiários da política pública.
Metodologia
Entre os anos de 2020 e 2021, a DPU oficiou todas as 69 (sessenta e nove) universidades federais existentes no Brasil. Destas, apenas cinco não apresentaram resposta. São elas: a Universidade Federal do Pará (UFPA), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) a Universidade Federal do Norte do Tocantins (UFNT), a Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPAR), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Universidade Federal de Catalão (UFCAT).
Apesar do alto número de respondentes (cerca de 93%), 34 universidades responderam de maneira parcial. De modo que menos da metade (46%) das que apresentaram respostas, o fizeram integralmente. Em relação a determinadas questões, a ausência de respostas configura um indicativo de problemas na execução da política.
A amostra do presente relatório totaliza, portanto, 64 universidades federais respondentes, com respostas integrais e parciais sobre a execução da política de cotas no período de 2013 a 2019, ou seja, a partir da vigência da Lei de Cotas. Mesmo considerando as limitações e dificuldades na organização dos dados, importante reafirmar que o grau de confiança da amostra está num intervalo entre 95 e 99%.
Sobre a “Lei das Cotas”
A Lei nº 12.711 de 29 de agosto de 2012, a “Lei de Cotas”, estabeleceu o sistema de reservas de, no mínimo, 50% das vagas das instituições federais de ensino superior e técnico para estudantes de escolas públicas, a serem preenchidas por candidatos(as) negros(as) e indígenas, em proporção no mínimo igual à presença desses grupos na população total da unidade da Federação onde sediada instituição. Em 2016, parte desta normativa foi alterada pela Lei nº 13.409/2016, que ampliou a reserva de vagas para o grupo de pessoas com deficiência em igual proporção. O artigo 7º da Lei de Cotas estabeleceu que ela deve ser revisada após dez anos de sua publicação, da mesma forma que o artigo 6º institui que cabe aos órgãos oficiais de Estado a responsabilidade para o acompanhamento e avaliação desta política.
O Brasil conta hoje com 69 universidades federais, das quais 59 foram instituídas antes do ano de 2013, e dez após a sanção da Lei nº 12.711/2012. Entre os anos de 2004 e 2012, das 59 universidades existentes, 23 já adotavam algum tipo de política de ação afirmativa destinada a negros(as), sendo 21 na forma de reserva de vagas e duas na forma de concessão de bônus. Constata-se que a grande maioria delas, 36 ou 61% das 59 existentes até o ano de 2012, passaram a fazê-lo apenas em 2013 por indução da mencionada lei. Ou seja, a Lei de Cotas acabou sendo a motivação para a adoção de reserva de vagas para negros(as) visando ao ingresso nos cursos de graduação e, desta forma, cumpriu o seu papel de universalizar as cotas raciais nas universidades federais. Com informações de assessoria.
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