As ações da Americanas despencam na bolsa nesta quinta-feira (12) depois que a empresa publicou comunicado em que diz que foram identificadas “inconsistências em lançamentos contábeis” no balanço, em valor que chega a R$ 20 bilhões.
Em outras palavras, a Americanas percebeu que o valor bilionário — que é referente aos primeiros nove meses de 2022 e anos anteriores — não havia sido registrado de forma inapropriada nos balanços corporativos da empresa.
“A primeira grande conclusão é que não estamos falando de um número que está fora do balanço. Só que ele não está registrado apropriado ao longo dos últimos anos”, esclareceu Sérgio Rial, ex-presidente da companhia, em pronunciamento.
As ações da Americanas (AMER3) negociam em leilão nesta tarde. O leilão é um “mecanismo de defesa” que interrompe as negociações comuns para tranquilizar momentos de variação bruta de papéis na bolsa. Ainda assim, a queda por volta das 13h15 era de 86%.
O fato relevante com a notícia foi divulgado na noite de quarta-feira (11), que informou ainda que o presidente da companhia, Sergio Rial, deixou o cargo apenas 10 dias depois de assumir. O diretor financeiro da empresa, André Covre, também renunciou — ele havia tomado posse junto a Rial.
Os nomes dos dois executivos foram muito bem recebidos pelo mercado. Na época do anúncio, as ações da Americanas chegaram a subir mais de 20%. Apesar de ter deixado a empresa, Rial disse que a operação é “absolutamente viável”.
“A empresa segue vendendo, ela é absolutamente viável. Tem um nível de dívida incompatível para que possa proseguir, portanto a capitalização tem que ocorrer. E os acionistas de referência permanecem comprometidos com o futuro da companhia”, afirmou.
Nesta reportagem, você vai entender:
– O que aconteceu?
– Qual o impacto na empresa?
– O que diz o mercado financeiro?
– Por que Sérgio Rial é importante?
– Por que há crise no varejo?
O que aconteceu?
Como consequência do escândalo na noite de ontem, os investidores amanheceram em polvorosa. As principais instituições financeiras colocaram as ações da Americanas sob revisão e a B3, bolsa de valores de São Paulo, colocou os papéis ordinários da empresa em leilão até às 13h55, como uma forma de impedir oscilações muito grandes nos preços.
O documento divulgado pela companhia não traz muitos detalhes sobre o que de fato foi encontrado nas contas, mas esclarece que a área contábil detectou “a existência de operações de financiamento de compras em valores da mesma ordem (R$ 20 bilhões), nas quais a companhia é devedora perante instituições financeiras e que não se encontram adequadamente refletidas na conta de fornecedores nas demonstrações financeiras”.
O rombo foi detectado na área de fornecedores da companhia, que, segundo especialistas do mercado, é uma das áreas em que mais problemas desse tipo podem ser identificados, já que contratos de determinados fornecedores podem ser favorecidos de forma a beneficiar outras partes.
Uma auditoria independente foi instalada para apurar o problema.
Para se ter uma ideia, um levantamento de Einar Rivero, da TradeMap, mostra que o volume do rombo de R$ 20 bilhões é equivalente ao valor de mercado da Magazine Luiza, que até o fechamento do pregão desta quarta valia R$ 20,20 bilhões, e da Lojas Renner, de R$ 20,22 bilhões.
Qual o impacto na empresa?
A Americanas disse que ainda não é possível determinar todos os impactos do rombo na demonstração de resultado e no balanço patrimonial da companhia. Em contrapartida, a empresa afirmou estimar que “o efeito caixa dessas inconsistências seja imaterial”. Assim, o rombo teria apenas um efeito contábil, e não financeiro — o que levaria a uma saída do dinheiro do caixa da companhia.
O que diz o mercado financeiro?
Mesmo com as informações preliminares, as corretoras e casas de análise começam a mudar as recomendações sobre as ações da companhia.
Em um relatório, a Genial Investimentos passou de recomendação de compra para venda e reduziu o preço-alvo de AMER3 de R$ 28,40 para R$ 9,40.
“A primeira impressão é a pior possível, tanto na questão de governança corporativa, quanto na contábil”, diz.
“A companhia realizava operações chamadas de Risco Sacado, onde repassa a responsabilidade do pagamento a fornecedores para instituições financeiras e que, por sua vez, reduziria a conta de Fornecedores no passivo, que teve seu valor declarado no balanço do 3T22 em R$5 bilhões”, analisa a Genial.
Para a corretora, a empresa deveria redirecionar esse valor na conta de empréstimos e financiamentos, uma vez que as financiadoras e os bancos cobram juros pelo dinheiro emprestado e, por isso, o valor do “rombo” pode ser maior do que o anunciado. “Não sabemos, até o momento, o quanto dos R$ 20b de fato estão fora do balanço e qual o % desse valor estará sujeito a reclassificação de contas”, pondera.
De acordo com relatório da XP Investimentos, em equipe liderada pela Head de Varejo Daniella Eiger, apesar do fato relevante dizer que o efeito caixa é imaterial, a falta de detalhes sobre os fatos adiciona muita incerteza aos ativos e ao futuro da companhia. A XP coloca a recomendação em Americanas sob revisão e enxerga três principais riscos:
– Maior alavancagem da companhia, dado que seu endividamento pode aumentar dependendo dos ajustes em seu balanço patrimonial;
– Maior custo de dívida, por conta da maior percepção de risco de crédito e liquidez;
– Deterioração do capital de giro, dado que a companhia poderá ter problemas em manter em dia os pagamentos a fornecedores, por conta de seu ciclo de caixa pior.
Tudo isso, entretanto, ainda pode ser revisto — para melhor ou para pior —, a depender da apuração realizada pela consultoria independente contratada pela Americanas para verificar os fatos, tendo em vista que, até o momento, não há muita clareza sobre o que aconteceu.
Analistas do Itaú BBA compartilham da mesma visão e, assim como a XP e outras instituições, colocar as ações da Americanas sob revisão até que os fatos sejam esclarecidos.
Por que Sérgio Rial é importante?
Para além da insegurança com a notícia sobre o rombo bilionário, o mercado se mostra bastante descontente com a saída de Sérgio Rial, um executivo com boa fama entre investidores e especialistas.
Rial é um banqueiro e economista que já trabalhou com diversas instituições financeiras e foi presidente do Santander Brasil de 2016 a 2022, tendo sido escolhido pessoalmente pela herdeira do banco, Ana Patrícia Botín.
Sob sua gestão, o Santander Brasil se tornou a operação mais rentável de todo o grupo espanhol, além dos resultados do banco ter se destacado em relação aos outros bancos brasileiros por diversos trimestres com Rial à frente.
“Em nossa visão, o executivo era um pilar importante para sustentar o processo de transformação da companhia, devido a seu histórico de execução, gestão focada na redução de custos e credibilidade com o mercado. Sua saída pode ser vista pelos investidores como um alerta de mais riscos à frente”, comenta a XP.
Rial foi escolhido para o comando da Americanas em um momento bastante complicado para todo o setor de varejo no Brasil.
Por que há crise no varejo?
Em um período de inflação elevada e acima da meta do Banco Central (BC), o poder de compra da população é comprometido. Simultaneamente, para frear a pressão inflacionária, a medida do BC é elevar a Selic, taxa básica de juros, que hoje está em 13,75% ao ano.
Juros mais altos encarecem os processos de tomada de crédito e financiamento, impactando a força do consumo doméstico. Por serem empresas que dependem, sobretudo, do consumo doméstico, as varejistas enfrentam dificuldades em momentos de situação macroeconômica apertada.
Junto com as demais empresas do setor, Americanas também sofria com o cenário. Rial, então, era visto como alguém que poderia recolocar a empresa em uma trajetória mais lucrativa, e sua saída frustra os acionistas.
A questão que fica — e que os especialistas estão tentando entender — é se as inconsistências na companhia vão refletir em todo o setor de varejo. No curtíssimo prazo, a resposta é sim: mesmo que o rombo seja nas contas da Americanas, outras importantes varejistas como Magazine Luiza e Via vivem um dia de forte desvalorização na bolsa, com suas ações despencando cerca de 10%. Com informações do g1 Bahia.