Em novembro do ano passado, logo após a derrota de Jair Bolsonaro (PL) para o presidente Lula (PT), um caso chamou a atenção pela extrema violência e já dava sinais de como seriam os dias subsequentes.
O servidor do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) Tiago Marcolino, no dia 1º de novembro, foi espancado por militantes bolsonaristas que bloqueavam uma rodovia em Amparo (SP).
No entanto, de maneira inacreditável, Tiago Marcolino foi preso e indiciado pela Polícia Civil por tentativa de homicídio na direção de veículo.
À época, o delegado responsável pelo caso, Rodrigo Sala, declarou que, com base em depoimentos colhidos, Tiago Marcolino avançou com o carro com o objetivo de atingir a horda bolsonarista que bloqueava a rodoviária e que ele teria sido agredido após esse fato.
Em depoimento exclusivo à Fórum, Tiago Marcolino relatou outra história. Marcolino conta que foi até os líderes do ato ilegal e argumentou sobre a necessidade de passar. Num primeiro momento, disse a vítima, alguns dos organizadores do bloqueio até iniciaram uma conversa pacífica, mas outros extremistas chegaram logo na sequência e passaram a agredi-lo com a “justificativa” de que “o IGBE trabalha para Lula”.
A partir daí, começou então o espancamento e Marcolino recebeu um forte golpe no nariz, assim como por todo o rosto, o que provocou muito sangramento. Desesperado e com medo de morrer, o servidor entrou no carro e arrancou contra os bolsonaristas, mas foi alcançado por eles, em automóveis e motos, poucos quilômetros à frente. Teve início então uma nova sessão de agressões violentíssimas, que só cessaram com a chegada da Guarda Municipal.
Reviravolta
Após escutar todas as partes envolvidas, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) entendeu que Tiago Marcolino é a vítima e não o réu no caso em questão. “Parece ser mais plausível a versão dos servidores federais, no sentido de que tentaram negociar sua passagem, mas foram cercados, intimidados e ameaçados pelos manifestantes, que afirmavam que iriam jogar o veículo em um barranco e acabaram por agredir Tiago ainda na altura do bloqueio”, diz a decisão do MP-SP.
“Não se pode deixar de salientar que mesmo diante da presença dos agentes da lei, os manifestantes – em grande número – agrediram fisicamente TIAGO e danificaram o veículo público conduzido por ele, sendo necessário o disparo de munição antimotim para que o conflito cessasse”, diz trecho da decisão do Ministério Público de São Paulo.
À Fórum, Tiago Marcolino diz que recebe com muita felicidade a decisão do MP-SP.
“Estou muito feliz porque receber uma notícia dessa é o equivalente a receber o reconhecimento da inocência. Em todo momento eu tentei, com diversos parceiros lutar para provar que eu era inocente e eu fico feliz que a Justiça tenha reconhecido isso”, comemora Tiago Marcolino.
Com esse reconhecimento, a Justiça me dá a possibilidade de voltar a viver tranquilamente. Posso retomar minha rotina sem medo de ser julgado por algo que não fiz. Reitero o olhar minucioso que o Ministério Público teve, com o intuito de observar todos os fatos, e dentro dessa perspectiva, eu sou grato”, afirma Tiago Marcolino.
O advogado de Tiago Marcolino, Sergio Augusto Souza, afirma que a decisão do MP-SP é “assertiva e lúcida”. “Desde o início, nos posicionamos pelo protagonismo do Ministério Público em promover suas diligências para esclarecer os fatos. Insistimos em promover a notícia crime para a Polícia Federal. Recebemos com muita positividade a manifestação do órgão ministerial, que classifico como assertiva e lúcida. Tiago é vítima e não autor de crime”, disse.
Cabe destacar ainda que Carmem da Silva, que estava com Tiago Marcolino no carro, declarou à promotoria que seu depoimento foi alterado pela autoridade policial e que foi pressionada com insinuações de que ela teria um relacionamento amoroso com Tiago. Diante disso, a promotoria notificou a Corregedoria da Polícia Civil para ciência e providências cabíveis.
“Diante da alegação de Carmen Cidilândia da Silva Rodovalho no sentido de que: (a) suas declarações teriam sido modificadas pela Autoridade Policial que registrou a ocorrência, (b) seu relato teria sido tomado pela Autoridade Policial na mesma sala e com a interferência de um manifestante, bem como (c) a Autoridade Policial a todo momento a pressionou insinuando que teria um relacionamento amoroso com o investigado, tais fatos foram comunicados à Corregedoria da Polícia Civil para ciência e providências que entender cabíveis”, determinou a promotora Flavia Travaglini Zulian.
Relembre o caso
Um servidor do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foi brutalmente espancado por um grupo de radicais bolsonaristas que faziam um bloqueio na rodovia SP-360, na altura do município de Amparo, no interior de São Paulo. O ato covarde e injustificável ocorreu na manhã de terça-feira (1°), quando Tiago Marcolino Pereira ia para o trabalho num veículo oficial do órgão federal, acompanhado de uma outra servidora. Ele teve uma fratura no nariz, várias lesões pelo corpo e ficou completamente lavado em sangue.
Marcolino relata que nas proximidades de Amparo notou que o trânsito passou a ficar lento e então parou, em decorrência das interdições criminosas promovidas por extremistas seguidores de Jair Bolsonaro (PL), que passaram a realizar atos de arruaça em todo país por não aceitarem a derrota de seu líder para o agora presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.
Como estava a serviço de um órgão da União e realiza um trabalho essencial, o Censo do IBGE, Marcolino conta que foi até os líderes do ato ilegal e argumentou sobre a necessidade de passar. Num primeiro momento, disse a vítima, alguns dos organizadores do bloqueio até iniciaram uma conversa pacífica, mas outros extremistas chegaram logo na sequência e passaram a agredi-lo com a “justificativa” de que “o IGBE trabalha para Lula”.
A partir daí, começou então o espancamento e Marcolino recebeu um forte golpe no nariz, assim como por todo o rosto, o que provocou muito sangramento. Desesperado e com medo de morrer, o servidor entrou no carro e arrancou contra os bolsonaristas, mas foi alcançado por eles, em automóveis e motos, poucos quilômetros à frente. Teve início então uma nova sessão de agressões violentíssimas, que só cessaram com a chegada da Guarda Municipal.
“Pensei que iria morrer, em nenhum momento os desrespeitei e mesmo assim por estar caracterizado como trabalhador do IBGE fui julgado como sendo do partido contrário ao deles. Atentaram contra a minha vida. Me julgaram na delegacia como um criminoso após intervenção de políticos da cidade. E o que tenho a dizer é que se eu não estivesse caracterizado como trabalhador do IBGE, isso não teria acontecido, atentaram contra a minha vida por representar uma instituição governamental,” disse Marcolino à Fórum.
Parte dos bolsonaristas, Marcolino e a colega de trabalho foram encaminhados ao 1° Distrito Policial de Amparo para o registro da ocorrência, mas ainda faltava um novo ato absurdo, além das agressões. Após a presença de políticos bolsonaristas do município no DP, que a Fórum ainda tenta identificar, o delegado que atendeu o caso ouviu os radicais golpistas de extrema direita, que alegaram terem corrido risco de vida quando o funcionário do IBGE acelerou para salvar a própria vida diante da selvageria deles, e decretou a prisão em flagrante de Marcolino por tentativa do homicídio.
Recolhido ao cárcere, o servidor federal foi levado a uma audiência de custódia no dia seguinte e colocado em liberdade pelo Justiça, para que responda ao “crime” apontado pelo delegado que registrou ocorrência.
O advogado Sérgio Augusto de Souza, que defende Tiago Marcolino Pereira, disse que a decisão do delegado é notadamente equivocada e que a vítima tentava salvar sua vida a qualquer custo.
“Tiago agiu em estado de necessidade para defender sua própria vida e também de sua colega servidora do IBGE. Nenhum ser humano agiria de forma diversa naquela situação real ameaçado por uma multidão ensandecida sob argumento de que o IBGE trabalha para o candidato vitorioso no pleito eleitoral. Isso é um absurdo, uma sandice coletiva. Além disso, a tal manifestação era um ato ilegal, absolutamente contrário à lei e também à ordem legal da corte maior do país e dos tribunais estaduais. Um movimento clandestino, terrorista, que coloca em perigo a ordem pública e poderia ter ceifado a vida de um jovem. Tiago é vítima e não autor de crime. Isso será provado diante da injusta acusação”, argumentou Souza.
A reportagem da Fórum entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo para questionar a conduta do delegado que determinou a prisão em flagrante do servidor do IBGE após ter sido brutalmente espancado por extremistas bolsonaristas que realizavam um ato ilegal na rodovia paulista.
Em resposta, a pasta informou que “as partes foram encaminhadas à Delegacia de Amparo, onde após as medidas de polícia judiciária, o condutor do veículo foi autuado em flagrante por tentativa de homicídio” e enviou o Boletim de Ocorrência do caso que embasou a prisão em flagrante.