A luta pela criação da Universidade Federal da Chapada Diamantina ganhou mais um capítulo após a Câmara Municipal de Morro do Chapéu aprovar uma moção de apoio a proposta. A manifestação reflete o apoio que o projeto vem ganhando nos últimos meses, com a adesão de prefeituras e governantes.
O movimento, liderado pelo Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento do Circuito do Diamante da Chapada Diamantina (Consórcio Chapada Forte) e pelo Colegiado Territorial da Chapada Diamantina, surge como resultado de uma proposta submetida ao Governo Federal por meio do PPA Participativo, um mecanismo de participação popular no Plano Plurianual da União.
“A chegada da UFCD trará benefícios para todos os municípios que estão próximos da Chapada Diamantina, contemplando mais de 1 milhão de habitantes, além disso, mais do que potencializar o avanço do nível educacional em nossa região, a universidade local fomentará a economia, com desenvolvimento do turismo, comércio, hotelaria, entre outros, criando melhores condições de vida para a população”, declarou o Consórcio através de nota subscrita por todos os 29 prefeitos e prefeitas dos municípios que compõem a entidade.
A proposta de implantação da Universidade Federal da Chapada Diamantina (UFCD) foi submetida pela Secretaria de Educação do Município de Barra da Estiva e obteve um total de 4.074 votos. Isso aconteceu em agosto, após o Governo Federal ter entregue ao Congresso Nacional o Plano Plurianual da União para o período de 2024 a 2027, que foi desenvolvido de forma colaborativa e passou por uma consulta pública na internet.
Após essa votação, a proposta ficou como a 2ª mais votada entre as propostas de criação de universidades federais no país e também entre as 50 mais bem votadas de todas as áreas no país, o que levou à incorporação no PPA do Governo Federal.
“Apresentamos uma proposta ao PPA que foi muito bem votada aqui na Bahia. Recebemos o relatório do Ministério do Planejamento informando que essa proposta tinha passado entre as 50 mais votadas do Brasil e que ela seria submetida a uma comissão de avaliação para análise e posterior resposta”, pontuou o membro do Colegiado do Desenvolvimento Territorial da Chapada Diamantina (Codeter) e da Coordenação Estadual dos Territórios (CET), João Alberto Chapadeiro.
O Plano Plurianual (PPA) é um dos principais instrumentos de planejamento de médio prazo do governo federal, estabelecido pela Constituição Federal do Brasil. Ele direciona as decisões do governo, refletidas em programas e no orçamento para os próximos quatro anos.
A participação da sociedade civil foi significativa, com 8.254 propostas de todo o país sujeitas a votação pelos cidadãos para contribuir com a construção do PPA. Segundo a proposta apresentada, a Universidade Federal da Chapada Diamantina (UFCD) teria uma estrutura multicampi, com várias unidades distribuídas em diversos municípios da região.
O projeto da UFCD tem gerado engajamento da sociedade civil e lideranças políticas na busca de apoio para concretizar a expansão do ensino superior no estado. Essa demanda abrange territórios na Bahia de relevância social, econômica, ambiental, cultural e reconhecimento internacional.
“Em cima disso, nós retomamos a campanha da Universidade Federal da Chapada Diamantina e buscamos elementos que venham apoiar, como o engajamento de prefeitos e de parlamentares e também da sociedade como um todo”, disse João Alberto, economista e especialista em desenvolvimento regional.
O Plano Plurianual (PPA) do Governo Federal, elaborado pelo Ministério do Planejamento e Orçamento, abraçou a proposta da Universidade Federal da Chapada Diamantina (UFCD), mas com a condição de que análises e estudos técnicos fossem realizados para avaliar sua viabilidade. Uma equipe foi formada para conduzir essa análise.
João Chapadeiro, além de ser um entusiasta da proposta, também vivencia na própria família o fenômeno do êxodo estudantil na região. Sua filha, Cecília Souza, é estudante de engenharia sanitária e ambiental na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e precisou deixar sua cidade natal, Andaraí, para prosseguir seus estudos em Salvador.
“Eu saí da minha cidade só por conta do curso mesmo, pois precisava estudar. Preferia não ter que fazer isso porque foi muito desconfortável. Eu não consigo ir para Andaraí com frequência porque a passagem é cara e é muito longe. Isso faz com que a gente se sinta muito solitário”, conta a jovem de 20 anos, que se mudou para a capital em 2021.
Cecília destaca que a distância das universidades é um grande obstáculo para a juventude da região. Ela acredita que se houvesse uma faculdade próxima, o número de jovens matriculados seria consideravelmente maior. “Conheço muitos colegas que não ingressaram na faculdade simplesmente porque suas famílias não tinham condições de sustentá-los em outra cidade,” compartilha a estudante.
Clara Mailla, também natural de Andaraí, está cursando agronomia na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Para ela, além de criar novas universidades, é fundamental aprimorar as instituições de ensino superior já existentes no estado.
Aos 20 anos de idade, Mailla recebe um auxílio financeiro do Governo destinado a contribuir com a permanência de pessoas de baixa renda na universidade. Contudo, a jovem acredita que seria muito mais em conta estudar em sua terra. “Eu acho uma boa para as pessoas que moram no interior, na Chapada Diamantina, e não tem como ir para fora realizar seu sonho que é fazer uma universidade, que é melhorar de vida”, opina a estudante.
Mobilização nas cidades da região
A Campanha pela Universidade Federal da Chapada Diamantina tem intensificado seus esforços de mobilização nas cidades da região nos últimos meses. No início de setembro, Barra da Estiva sediou a primeira audiência pública para debater a proposta. Autoridades do município anfitrião do evento estiveram presentes, juntamente com prefeitos e representantes políticos de Andaraí, Ibicoara, Iramaia e Contendas do Sincorá.
Durante o encontro, os gestores enfatizaram que a criação da instituição fortalecerá a economia da Chapada Sul, impulsionando a produção agrícola familiar, o agronegócio e o processamento industrial de alimentos e bebidas finas na região. Além disso, acreditam que a universidade desempenhará um papel crucial na gestão dos recursos hídricos, com foco especial no Rio Paraguaçu. Há também a expectativa de que a instituição potencialize as atividades de turismo ambiental e comunitário na área.
“A Chapada é um território rico. Aqui se produz alimento de qualidade, tem uma visitação excelente de pessoas que vêm de fora. Mas quando vamos buscar os serviços, a gente tem que sair daqui para ir a outros territórios. Isso não desenvolve o lugar, você perde talento, perde o seu maior patrimônio, que são as pessoas, que vão estudar fora e por lá ficam”, explica João Chapadeiro.
Nas semanas seguintes, a campanha realizou audiências públicas em Seabra e Morro do Chapéu, além de conduzir atividades como panfletagens e participações em eventos em Lençóis e Piatã. As próximas audiências estão agendadas para ocorrer em Ibicoara, Irecê e Itaberaba, programadas até o final de outubro.
Toda essa mobilização faz parte de uma série de audiências e ações nos municípios, com a participação ativa da população e da sociedade civil. A partir dessas discussões, informações adicionais serão agregadas e posteriormente apresentadas ao Governo Federal por meio do Ministério da Educação, reforçando a importância da criação da universidade nesses territórios.
A Comissão Pró-UFCD sustenta uma proposta abrangente que também envolve municípios da região de Piemonte do Paraguaçu. Esses agrupamentos municipais, denominados Territórios de Identidade (TI), são unidades de planejamento de políticas públicas formadas com base em critérios sociais, culturais, econômicos e geográficos. No total, a Bahia possui 27 territórios.
Dessa maneira, a criação da nova universidade beneficiaria três regiões do eixo central do estado: Piemonte do Paraguaçu, Chapada Diamantina e o Território de Irecê. Estima-se que a população total desses territórios seja superior a um milhão de habitantes.
“Isso ajudaria muitas pessoas que não tem condições. A maioria das pessoas é de baixa renda e não tem como se deslocar. Com a faculdade na Chapada Diamantina ajudaria muito mais essas pessoas em questão de custo benefício, de transporte e moradia”, avalia a estudante Mailla.
A audiência pública de Irecê, agendada para o dia 27 deste mês, recebeu o apoio do deputado estadual Robinson Almeida (PT), que é membro da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa da Bahia. Para ele, a interiorização do ensino superior é uma necessidade fundamental para o desenvolvimento inclusivo e sustentável, não apenas da Bahia, mas de todo o Brasil.
O deputado Almeida ressalta que nas últimas duas décadas, houve uma expansão significativa das instituições de ensino superior na Bahia, iniciada durante os governos de Lula e Jaques Wagner. Atualmente, o estado abriga seis universidades, além da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que são a Universidade do Recôncavo da Bahia (UFRB), a Universidade do Oeste da Bahia (UFOB), a Universidade do Sul da Bahia (UFSB), a Universidade do Vale do São Francisco (UNIVASF) e a Universidade da Integração Luso-Afro Brasileira (Unilab).
“Estamos retomando a luta pela criação da Universidade Federal da Chapada Diamantina e do Território de Irecê, regiões importantes do nosso estado, com riquezas sociais, culturais, naturais, importantes, e que precisam de um equipamento que fomente a pesquisa, a ciência e a inovação, permitindo mais inclusão, mais desenvolvimento e oportunidades para os baianos”, concluiu o líder da Federação PT, PCdoB e PV.
Os Territórios de Identidade (TI) da Bahia incluem diversos municípios em diferentes regiões do estado. O TI Chapada Diamantina abrange administrativamente os municípios de Abaíra, Andaraí, Barra da Estiva, Boninal, Bonito, Ibicoara, Ibitiara, Iramaia, Iraquara, Itaetê, Jussiape, Lençóis, Marcionílio Souza, Morro do Chapéu, Mucugê, Nova Redenção, Novo Horizonte, Palmeiras, Piatã, Rio de Contas, Seabra, Souto Soares, Utinga e Wagner.
O TI Irecê inclui os municípios de América Dourada, Barra do Mendes, Barro Alto, Cafarnaum, Canarana, Central, Gentio do Ouro, Ibipeba, Ibititá, Ipupiara, Irecê, Itaguaçu da Bahia, João Dourado, Jussara, Lapão, Mulungu do Morro, Presidente Dutra, São Gabriel, Uibaí e Xique-Xique.
Por fim, o TI Piemonte do Paraguaçu abrange os municípios de Boa Vista do Tupim, Iaçu, Ibiquera, Itaberaba, Itatim, Lajedinho, Macajuba, Mundo Novo, Piritiba, Rafael Jambeiro, Ruy Barbosa, Santa Terezinha e Tapiramutá
“É um grande vazio que fica na região central da Bahia e até então a gente não tinha possibilidade de ter nossos filhos estudando por aqui dando aula, graduado ou pós-graduado, em condições de viver próximo de sua própria casa e de sua família. Então nós estamos nessa campanha exatamente para preencher esse vazio”, diz João Chapadeiro.
Atualmente, os principais centros de ensino superior público nesses locais são os campi da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) em Itaberaba, Seabra e Irecê. Esses campi têm foco na formação de professores e oferecem cursos de licenciatura em história, letras, pedagogia, entre outros.
A Comissão Pró-UFCD é composta por grupos internos, como a comissão de economia, de educação, de infraestrutura, de meio ambiente e de cultura. O objetivo é coletar informações e organizar dados que possam fortalecer a campanha, atraindo mais apoio político e engajamento da comunidade no projeto.
Sonho antigo
A ideia da criação da nova universidade surgiu a partir das observações realizadas no âmbito do colegiado territorial do Codeter da Chapada Diamantina. “Lá atrás, nós encontramos um gargalo muito grande que era a questão do serviço de saúde. Por isso, fizemos campanhas intensas sobre a implantação de um hospital regional na Chapada, que foi implantado em Seabra”, relembra Chapadeiro.
“Fizemos um diagnóstico sobre as questões de saúde, questões de informação, de desenvolvimento e chegamos a conclusão de que o que mais atrapalha nosso serviço de saúde aqui é a falta de formação superior na área de medicina porque encarece o serviço. Todos esses profissionais da área de saúde vêm de fora”, continua o economista.
Assim, em 2007, um grupo de Seabra enviou uma carta de intenções ao governador da Bahia, solicitando a implantação de cursos superiores em engenharia e medicina na região. Contudo, na época, essa iniciativa não avançou.
No entanto, em 2012, o deputado federal Afonso Florence (PT) apresentou um projeto de criação da Universidade Federal da Chapada Diamantina no Congresso Nacional. Embora o projeto tenha passado por algumas comissões na Casa, acabou sendo arquivado três anos depois.
Aproveitando a oportunidade do PPA Participativo deste ano, a Comissão Pró-UFCD, com o apoio do Consórcio Chapada Forte, do Codeter Chapada Diamantina e membros da sociedade civil, desenvolveu uma proposta mais abrangente e conseguiu sensibilizar a população local. Essas ações do grupo são amplamente divulgadas nas redes sociais, principalmente no perfil do Instagram da Campanha pela Universidade Federal da Chapada Diamantina (@ufcd_agora).
Helder Ribeiro Freitas, professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), enfatiza a enorme oportunidade de desenvolvimento na região que pode ser impulsionada com a criação da universidade. Ele destaca áreas como agricultura familiar, agronegócio, serviços, turismo, meio ambiente, agroecologia, energias renováveis, geologia, mineração, arqueologia, antropologia e outras áreas do conhecimento que poderiam se beneficiar diretamente por meio de projetos de pesquisa, extensão e outras iniciativas em apoio à comunidade.
“O principal apelo é por uma reparação histórica nesse território, que foi muito importante para a história da Bahia. O território foi sendo esvaziado justamente pela falta de instituições e uma delas é a estrutura de educação para os jovens seguirem com possibilidades de formação no ensino superior”, acredita o professor.
A região necessita de uma ampla gama de programas de formação, abrangendo campos como saúde, agronomia, meio ambiente, formação de professores e engenharias, a fim de atender às diversas demandas educacionais. Além disso, é crucial implementar projetos sociais para melhorar a qualidade de vida das comunidades quilombolas e tradicionais, corrigindo as históricas injustiças que enfrentam.
“Creio que a vinda da universidade vai facilitar não só para os jovens quilombolas, mas para a sociedade como um todo. É uma região pobre e o que mais dificulta é a distância para o acesso à educação”, complementa Dulcimar Costa, 43, agricultor e morador da Comunidade Quilombola do Camulengo, em Barra da Estiva.
O Camulengo abriga cerca de 40 jovens em idade universitária e oferece grande potencial turístico com sítios arqueológicos, cachoeiras e trilhas nas proximidades. Além disso, Dulcimar, que é mãe de duas filhas, atua como condutor de visitantes, guiando os turistas pelos atrativos da comunidade, promovendo o turismo comunitário na região.Jornal da Chapada com informações do portal Correio