A comunidade quilombola de Iúna, situada no município de Lençóis, enfrenta episódios de violência e a ausência de efetiva segurança pública na região. O local, que já serviu de inspiração para a história de um dos livros mais premiados do país, hoje se vê diante do abandono por parte das autoridades e da audácia dos criminosos.
O cenário que inspirou o livro ‘Torto Arado’, um clássico da literatura brasileira que abordava questões como terra, moradia, trabalho, luta, sofrimento, elementos da identidade negra e cultura nordestina, agora é palco de invasões e incêndios criminosos por parte de delinquentes inescrupulosos e ameaçadores.
O cenário de angústia, tão marcante no romance, se tornou uma vivência cotidiana para os moradores do território tradicional Quilombola Iúna. O terror abateu-se sobre a região na manhã de 26 de janeiro, quando uma das lideranças, ao chegar em sua residência, observou o local completamente em chamas e sinais evidentes de invasão criminosa, incluindo arrombamento.
As pegadas deixadas pelos invasores ainda estão visíveis nas proximidades da casa incendiada, amedrontando a memória dos nativos. Além dessas marcas, outros vestígios da invasão são evidentes, como tecidos parcialmente queimados e sinais de tentativa de incêndio em um micro-trator da associação. Além disso, foram registrados prejuízos em outras residências, onde também foram observados arrombamentos e objetos revirados.
Em 27 de janeiro, a perícia da Polícia Civil esteve no local para iniciar as investigações sobre o crime, que, felizmente, não resultou em vítimas fatais. No entanto, até o momento, a identidade dos vândalos ainda não foi descoberta, gerando impaciência e preocupação entre os membros da comunidade quilombola.
Comunidade quilombola de Iúna
Em 2010, teve início o processo de regularização fundiária do território de Iúna, culminando com a conclusão do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) em 2015, em um período marcado pela escalada de violências na região. Em 2023, o INCRA publicou a portaria de reconhecimento, a qual reconhece e delimita os territórios das 39 famílias inseridas em Iúna, como parte do processo de regularização fundiária.
Diante da ausência de titulação das terras, o aumento da violência se entrelaça com o conflito fundiário, gerando um movimento de retirada e fuga por medo. Essa dinâmica, conceptualizada pelo autor do livro, resulta na crescente descaracterização do território tradicional como uma sequela preocupante.
Cláudio Dourado, agente da Comissão Pastoral da Terra, ressalta que a questão fundiária não resolvida fortalece a especulação imobiliária e causa uma desintegração contínua do espaço físico.
“Essa chegada constante de novos moradores desestabiliza a segurança no território onde a existência decorria lenta e uniforme na rotina diária. Dessa forma, a relação ancestral com a pesca e o extrativismo tem sido enfraquecida, pessoas de fora têm mudado a dinâmica no território. O crescimento do monocultivo de banana, que não era uma tradição na comunidade, e o uso de bombas de irrigação, vem provocando desintegração e mudanças nas fronteiras, de luta e contradição, de ambiguidade e angústia, especificamente após as constantes crises hídricas do rio Utinga”, salientou. Jornal da Chapada com informações do portal CPTBA.