O Consultivo do Patrimônio Cultural do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) oficializou o tombamento federal do Terreiro Palácio de Ogum e Caboclo Sete-Serra, em Lençóis, uma decisão que ganha ainda mais relevância diante do cenário de ataques frequentes a espaços sagrados de matriz africana em todo o país. A aprovação ocorreu durante a 111ª reunião do colegiado em 26 de novembro e reconhece o terreiro como referência histórica e espiritual, garantindo proteção permanente contra qualquer risco de destruição ou descaracterização.
O processo, iniciado em 2007 pelos próprios adeptos do Jarê, conclui uma longa caminhada marcada pela defesa do patrimônio cultural afro-brasileiro. A relatoria destacou o peso simbólico do espaço e reafirmou sua importância para a memória nacional. “Trata-se de um bem cultural de excepcional valor histórico, simbólico e espiritual, cuja materialidade e ambiência expressam a permanência e a vitalidade de uma tradição afro-brasileira singular,” afirmou Desiree Ramos Tozi. O presidente do Iphan, Leandro Grass, classificou a medida como um “reparo histórico” e ressaltou que reconhecer a complexidade dessas práticas é prioridade institucional.

Tradição e ancestralidade
O Terreiro Palácio de Ogum integra as raízes mais profundas do Jarê, religião formada a partir do encontro entre rituais privados conduzidos por mulheres nagôs escravizadas e cultos públicos dedicados a caboclos. Dessa mistura de práticas, línguas e mitologias surgiu uma liturgia própria que atravessou gerações na Chapada Diamantina. Fundado em 1949 por Pedro Florêncio Bastos, o Pedro de Laura, o espaço se destaca por permanecer ativo mesmo após a morte do seu líder, resistindo como símbolo de continuidade cultural e preservando títulos de afeto como ‘casa de Pedro de Laura’ ou ‘casa do Capivara’.
A decisão também reconhece a integração do terreiro com seu ambiente natural. Em mais de 3.700 metros quadrados, convivem o pagodô onde as cerimônias são realizadas, o caramanchão dedicado aos exus, árvores sagradas como a gameleira e elementos naturais indispensáveis aos rituais. A harmonia entre natureza, fé e arquitetura reforçou o caráter singular do espaço e sua importância na formação cultural da Chapada Diamantina.
O Iphan ressaltou que a proteção assegurada pelo tombamento ultrapassa os limites físicos e alcança práticas culturais que constituem a identidade da região. Ao comentar a decisão, o superintendente do órgão na Bahia, Hermano Guanais, destacou que o reconhecimento aprofunda a compreensão sobre o território. “Valorizando muito mais do que paisagem e arquitetura, as práticas culturais que estão espraiadas naquele território”, afirmou, chamando atenção para a riqueza humana presente nos rituais, gestos e tradições do Jarê.
Com o tombamento federal, qualquer obra ou intervenção no Palácio de Ogum passa a depender de autorização do Iphan, o que impede alterações indevidas e protege o valor espiritual e histórico do local. Em um país onde terreiros são alvos recorrentes de violência e intolerância religiosa, a medida reafirma o dever do Estado de garantir a permanência e o respeito às tradições afro-brasileiras, preservando tanto suas estruturas quanto a memória sagrada que elas sustentam. Jornal da Chapada com informações do portal A Tarde.






















































