Por Deninha Fernandes*
Ventriloquia é a arte de projetar a voz, sem que se abra a boca ou movam-se os lábios, de maneira que o som pareça vir doutra fonte diferente do falante. O ventríloquo usa do artifício de falar, ao mesmo tempo que manipula um boneco. Alguns programas televisivos chegaram a apresentar bonecos “falantes”. Com esta introdução, analiso a política nacional e seus representantes da atualidade que são a presidente Dilma Rousseff, e os pré-candidatos ao cargo na próxima eleição, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), e o senador Aécio Neves (PSDB). Não sei se você já percebeu, mas todos os pré-candidatos acima citados têm um padrinho político e que atua como os ventríloquos da política nacional.
Por exemplo, a presidente Dilma só fala o que o ex-presidente Lula manda – politicamente falando, claro. O cacique do PT não se furta ao papel absurdo de presidente paralelo. Ouve as reclamações, tranquiliza o interlocutor, promete providências e, como se nota, deixa vazar críticas à sua sucessora. Lula, como sempre, está descumprindo uma promessa. Tinha anunciado que seria um ex-presidente discreto e silencioso, “como nunca antes na história deste país”, para usar um bordão seu. E, como nunca antes da história deste país, é um ex-presidente que tem ambição de continuar governando.
“Espero que os presidentes das repúblicas não se reúnam mais para discutir crise. Nós temos que discutir soluções”, disse Lula em um evento em Paris. Noto também que a grande imprensa abertamente é pró-Dilma nessa disputa com Lula. Claro que Dilma não exibe números espetaculares, segundo os institutos de pesquisa, para quem vai para uma reeleição, mas é franca favorita à reeleição – e no primeiro turno, segundo os números de hoje.
Talvez, lá no fundo do peito, nos seus desejos mais recônditos, mais profundos, o ex-presidente Lula até torcesse para que Dilma despencasse e se mostrasse uma candidata de alto risco. O que não acontece, já que as pesquisas de opinião indicam que a presidente Dilma Rousseff teria 47% dos votos e venceria no primeiro turno caso a eleição fosse hoje, e botá-la para escanteio no momento seria visto como um gesto truculento e, na verdade, desnecessário.
Posso dizer que, depois da prisão dos mensaleiros, Dilma supera Lula para 2014, afinal, o que observamos nas ruas são as pessoas dizendo que não votaram em Dilma, mas hoje votam, pois em seu governo não houve corrupção e lembram logo a riqueza meteórica do filho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Já Aécio Neves ocupou logo o lugar de “farol da oposição” e todos nós sabemos que o seu padrinho político é o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC). Dizem que o ex-presidente é o conselheiro político do “tucano” e acha uma ilusão imaginar que o PMDB possa apoiar Aécio, e solta, “eles aderem depois”. Claro que ele sabe o que diz, afinal, conhece como ninguém a postura do PMDB.
Se você notar, todas as vezes que Aécio discursa faz questão de lembrar do governo de FHC, afirmando que o país não nasceu ontem, citando a redemocratização, a criação do plano real e atos do governo FHC, com as “famigeradas privatizações” que dividem opiniões. Para o pré-candidato tucano, o Brasil precisa de um choque de realidade, e aponta a volta da inflação afirmando que o país não está “cor-de-rosa” como quer fazer parecer a administração petista. Aécio aparece em segundo lugar nas pesquisas de opinião, com 17% das intenções de voto – dois pontos percentuais a menos que os 19,3% da última pesquisa.
O termo “divisor de águas”, emprestado da geografia, define com precisão o que aconteceu no cenário político em 6 de outubro do ano de 2013, quando o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), se uniu à ex-senadora Marina Silva (Rede). Sem conseguir oficializar a criação do Rede Sustentabilidade, a ex-senadora abriu mão da candidatura à presidência, rejeitou o cortejo de legendas de aluguel e anunciou, para a surpresa de todos, apoio ao projeto de Campos, depois de um dia ter declarado que não via diferenças entre Campos, Dilma e Aécio.
Fato é, que mais do que uma virada de mesa no jogo eleitoral de 2014, o lance marcou a estreia de Campos na disputa presidencial e revelou características pouco conhecidas do pernambucano. Hoje, o neto de Miguel Arraes não é exatamente um “novo”, e parte da sua força deriva, sim, do fato de ser um dissidente do governismo, diferente de Marina, que não se deu por razões propriamente ideológicas. Hoje, para cooptar os votos da ativista e da Rede, Campos ficou ainda mais sem personalidade política e vem repetindo os discursos de Marina Silva, tanto é que Eduardo Campos teria 9,9% dos votos se a eleição fosse hoje, porém, o socialista obtém 18% das intenções de voto quando aparece em dobradinha com a nova aliada – um ponto à frente do tucano Aécio Neves (17%).
Diante do exposto, posso afirmar que ninguém na disputa eleitoral representa realmente o novo, o que muda é a conveniência política e, nesse caso, ganha o “boneco” que tiver o melhor “ventríloquo”.
Sempre de olho!
*Deninha Fernandes é editora chefe do Jornal da Chapada