Aos 87 anos, o ex-governador e agora vereador de Salvador Waldir Pires (PT) representa a memória viva da luta de uma geração contra o regime militar vivido no Brasil de 1° de abril de 1964 até 15 de março de 1985. Quando o golpe aconteceu em 31 de março de 1964, Waldir, aos 37 anos, era um dos homens mais importantes do governo João Goulart. Nesta entrevista, ele fala dos 50 anos do golpe e suas consequências para o País.
“Nós estávamos, naquele período, vivendo uma expectativa otimista, na minha geração, sobretudo. Nós imaginávamos que dificilmente o Brasil recairia em um sistema de força de golpe de Estado”, conta. Ex-governador da Bahia, ex-ministro de Estado, o admirado político relata detalhes de uma época, mas fala também de futuro. Nesta conversa, ele faz uma crítica ao PT e à proliferação, mas destaca também a responsabilidade de todos os cidadãos construírem uma sociedade e um País melhor, mais justo, com uma democracia mais plena e inclusiva.
Tribuna da Bahia – Estamos completando 50 anos do golpe militar e o senhor viveu muito de perto esse momento importante da história do país. Quando o senhor começou a sentir que a ditadura estava por vir no Brasil?
Waldir Pires – A ditadura, no Brasil, esteve sempre, vez por outra, entradas terríveis. Nós estávamos, naquele período, vivendo uma expectativa otimista, na minha geração, sobretudo. Nós imaginávamos que dificilmente o Brasil recairia em um sistema de força de golpe de Estado. Evidentemente que, em determinado instante, as coisas foram se acentuando e tornando clara uma posição majoritária da alta burguesia brasileira, dos controladores da imprensa. De outro lado, crescia muito uma expectativa das áreas populares na linguagem e no avanço que estava sendo conhecido no Brasil, que teve uma exclusão humana terrível e muito demorada.
A República não corrigiu isso, inicialmente, e o Império foi um desastre. Ficamos 400 anos com escravatura, foi uma segregação gigantesca, de modo que, para a nossa geração a expectativa do golpe de Estado era remota. Isso se acentuou como algo tramado e organizado quando se deu a renúncia do Jânio Quadros. Ali, tudo ficou inequivocamente fragilizado. A eleição de Juscelino Kubistchek foi imediatamente posterior àquele quadro do suicídio de Getúlio Vargas, que tinha voltado e iniciado o seu processo de presidente da República eleito pelo povo, que foi uma eleição de força gigantesca. Havia as candidaturas dos partidos oficiais fortes, que eram a UDN e o PSD. Tinha, portanto, a candidatura do Eduardo Gomes e do Cristiano Machado, no PSD, e a candidatura que nasceu de improviso, mobilizada por áreas diversas e estimulada por uma entrevista que o jornalista Samuel Wainer, que instituiu a Última Hora, fez.
Ele foi a Itu e fez uma longa entrevista com Getúlio Vargas. Wainer sentiu a possibilidade de que Getúlio considerasse, na hora de encerrar aquele exílio nacional em Itu, depois que deixa o governo em outubro de 1945, a possibilidade de ser candidato à Presidência da República. No fundo, quando a candidatura surge, Getúlio só tinha a estrutura do PTB, mas uma marca gigantesca na sociedade, sobretudo, com os trabalhadores e com os despossuídos. O Getúlio, depois de 1930, foi quem iniciou o processo de certa inclusão social brasileira, tanto na política de instituição da proteção ao trabalho quanto na absorção de todos os candidatos ao trabalho, que passaram a ter um estímulo enorme.
Tribuna – Qual foi o último pilar que ruiu antes do golpe se tornar realidade?
Waldir – O grande fato que significava a grande ameaça completa e depois a tentativa que a direita brasileira adotou de esconder isso foi quando Jânio Quadros se tornou presidente da República. Ele se elegeu e tomou posse. Jânio era brilhante, surpreendente em seu comportamento político, estava forte. Ao mesmo tempo em que ele dava grandes demonstrações de apreço a toda burguesia ortodoxa brasileira que votou com ele. Ele foi candidato da UDN. Nessa ocasião, quando o Jânio Quadros renuncia no auge da sua popularidade, depois do incidente com Carlos Lacerda, em que houve o episódio que ele mandou deixar na portaria do Palácio do Planalto as suas valises para ser hóspede do Palácio e Jânio teria dado a ordem para que ele não entrasse, que ele não passaria a noite para conversar com o presidente. Assim, mandou reservar um quarto para o Carlos Lacerda em um hotel.
A partir daí houve um ruptura enorme entre os dois. Surpreendentemente, em agosto, numa solenidade pública de natureza militar, era dia do Exército, Jânio Quadros renuncia. Faz uma carta imitando o início da carta de Getúlio Vargas, quando ele dá um tiro no peito e morre, e sai. Houve uma declaração enorme de apoio dos ministros militares a ele, numa tentativa de retomar, mas como ele adotou o processo de encaminhar ao Congresso Nacional uma renúncia, a renúncia desenganadamente é ato unilateral, de forma que, para o Congresso Nacional, depois da renúncia não tem volta.
Ele fez isso numa sexta-feira e a expectativa era que na sexta à tarde, quando o ministro da Justiça levasse ao Congresso Nacional essa renúncia, não tivessem mais deputados em Brasília, não haveria sessão e não ocorreu nada disso. A esse fato, Jânio Quadros renuncia e imediatamente surge a indagação de que o presidente da República é João Goulart, que estava no exterior cumprindo o mandato do Jânio Quadros, organizado por Jânio Quadros. Muita notícia, muita informação que se impõe como bem conceituada foi a de que Jânio organizou isso para essa hipótese. Ele renuncia e os três ministros militares, naquela ocasião era ainda o regime de ministro da Marinha, ministro do Exército e ministro da Aeronáutica, eram ministros de Estado comandando as suas respectivas armas. Eles dão uma declaração dizendo que o presidente da República não seria João Goulart e que se ele voltasse para o Brasil seria preso. No mesmo dia e no dia seguinte foi uma notícia generalizada, surpreendente e bruta.