Tudo começou com um pronome de tratamento. Tudo acabou na noite de terça-feira (22), 10 anos depois, sob os auspícios do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), que negou o recurso de juiz carioca que deveria obrigar os funcionários do condomínio onde morava a tratá-lo por “doutor” ou “senhor”. O caso chama atenção por dois motivos: o primeiro é como uma picuinha de condomínio pôde parar na mais alta instância do Judiciário (no início do mês, o STF analisou o furto de duas galinhas). O segundo é pela tentativa de impor as regras de tratamento da arena dos tribunais às normas de convívio social.
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Depois de uma briga com um funcionário do condomínio, o juiz carioca Antonio Marreiros da Silva Melo Neto, juiz titular da 6ª Vara Cível de São Gonçalo, ficou contrariado por ser chamado por “você” ou “Antônio”, enquanto a síndica era tratada por “Dona Jeanette”. Conforme a ação apresentada pelo juiz, “o empregado então disse, de maneira agressiva, que não iria chamar o autor de senhor, muito embora o autor insistisse e deixasse claro que não consentia com aquela intimidade. Após uma discussão sobre se o empregado devia, ou não, tratar o autor como senhor, o empregado virou as costas para o autor e foi embora para o interior do prédio.”
O caso, embora tenha tido decisão contrária do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ainda em 2006, acabou na Suprema Corte por envolver, como argumentava Marreiros, os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. O estranhamento com o caso vem mesmo de colegas da categoria: “O STF ter que decidir esse tipo de coisa não se justifica à primeira vista”, acredita o presidente Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), Eugênio Couto Terra.
Terra disse que se estivesse no trabalho, pelo cargo, o juiz até poderia exigir um tratamento mais formal, assim como se deve tratar os outros enquanto magistrado. A tradição do Judiciário, ele explica, é de um certo formalismo, mas fora do processo as relações devem ser polidas, sem impor regras. “Em tese, exigir que se chame de doutor ou senhor não tem fundamento. Foge ao bom senso”, resume o presidente da Ajuris. Matéria extraído do jornal Zero Hora.