A reprodução da primeira página do Jornal da Bahia, edição de 1º de abril de 1964, que circulou sem a manchete, retirada por imposição do Exército, na madrugada do golpe militar, será anexada ao relatório que a Comissão Estadual da Verdade-Bahia (CEV-BA) vai enviar em dezembro deste ano à Comissão Nacional da Verdade. A manchete censurada era ‘Rebelião contra o governo’ e o texto principal, que foi publicado dizia que “A crise iniciada com o levante de fuzileiros navais e marinheiros na Guanabara, na semana passada, agravou-se extremamente no decorrer da noite de ontem, estendendo-se a vários pontos do território nacional, sob a forma de insurreição política no Estado de Minas Gerais e de movimentação de tropas dentro daquela unidade da Federação e em outras regiões”. Na mesma página, outro texto foi censurado, ficando mais um espaço de três colunas (15cm x 12cm) em branco, abaixo do título ‘Jair Dantas Ribeiro assumiu o Comando das Forças Legalistas’. Ele era o ministro da Guerra. Mais abaixo, um título menor, sem destaque – ‘Jango: Forças Armadas estão coesas’.
‘Jugo comunista’
O escritor e jornalista Nelson Cerqueira era o plantonista no Jornal da Bahia na madrugada de 1º de abril de 1964, quando foi surpreendido pela invasão de tropa do Exército na redação e oficinas do matutino. “Essa manchete não existe”, disse um oficial do Exército ao ver a prova da primeira página, já montada – ‘Rebelião contra o governo’ era a manchete sobre o golpe militar. Segundo ele, o oficial do Exército, então, ditou a manchete que deveria ser publicada – ‘A Nação que se salvou a si mesma do jugo comunista’. Nelson Cerqueira alegou que não poderia mudar a manchete porque o título proposto era muito longo e não cabia no espaço do anterior, que só tinha três palavras. “Então tira isso daí”, retrucou o oficial, e o Jornal da Bahia foi para as bancas com o espaço da manchete em branco. Na mesma primeira página, no alto à esquerda, foi publicada uma foto do presidente João Goulart com a legenda ‘O presidente João Goulart é visto na foto acima – dos serviços especiais do JB no Rio – quando falava, anteontem, aos sargentos. Esse pronunciamento teria precipitado os acontecimentos’.
Direitos humanos
Vinculada ao gabinete do governador, a Comissão Estadual da Verdade-Bahia tem o objetivo de apurar e esclarecer violações aos direitos humanos cometidas por agentes públicos entre os anos de 1946 e 1988, principalmente as ocorridas durante a ditadura militar – de 1964 a 1985. No momento, a CEV-BA prepara o seu primeiro relatório oficial para ser divulgado a 10 de dezembro deste ano, no Dia Mundial dos Direitos Humanos, em cerimônia com a participação do governador Jaques Wagner e outras autoridades. Coordenada pelo advogado Jackson Azevedo, a CEV-BA é formada ainda pelo sociólogo Joviniano Neto, a professora Amabília Almeida, os jornalistas Walter Pinheiro e Carlos Navarro, a pró-reitora da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Dulce Aquino, e a advogada Vera Leonelli.