Por Tássio Barreto Cunha*
Atualmente, o individualismo se sobressai entre as demais relações humanas, sobretudo entre aqueles que focam o material enquanto sentido maior de suas vidas. A luxúria, o status, são diretamente ligados aos que necessitam do dinheiro (enquanto principal expressão da riqueza) para manter seus alicerces de poder. O Estado, enquanto instituição maior que busca regulamentar o conjunto de normas incumbidas de organizar a sociedade, é uma das molas precursoras para canalizar essas finanças, responsáveis por custear o status quo de tais indivíduos.
São diversas as maneiras utilizadas, comumente em nexo com acordos políticos sobre a teia da “governabilidade”. A velha e tão pouco falada “indústria do fogo” no Brasil é mais uma das diversas manobras infiltradas em instâncias estatais. Alicerçada há décadas, essa indústria fictícia possui papel inverso, ao invés de extrair, transformar e fabricar. Provoca o fogo, queima e dilui nossa principal riqueza (a natureza), em prol do (in)racional poderio de alguns.
Seguindo essa toada, o Parque Nacional da Chapada Diamantina (Bahia) e reservas ambientais em seu entorno, vem passando por indícios dessa experiência há cerca de três décadas. O Estado “na agonia do instante”, com o pretexto do “agora ou nunca”, justifica a manifestação de tentar barrar um dos elementos naturais mais destruidores em seu estado de descontrole (o fogo).
Argumentação plausível, se essas questões não se repetissem quase todos os anos, desde a criação do parque em 1985, com a carência de um trabalho preventivo integrado, que fosse realizado junto a instituições da sociedade civil que atuam nessa área. O que não vem ocorrendo, segundo os próprios órgãos estatais responsáveis por atuar na gestão do parque.
Fogo em reserva ambiental sem permissão é crime! E com intenção devastadora intuída de construir alicerces junto ao Estado, estruturando esquemas para angariar capitais, é mais que pernicioso do ponto de vista da essência socioambiental.
No ano de 2015, se repetiu mais um capítulo, um cenário ideal para a propagação de incêndios, com baixa umidade, altas temperaturas e incidências solares, e praticamente zero mm de pluviometria. Com a amenização da situação apenas no início de 2016, com as fortes chuvas que ocorrem em quase toda a Bahia até o presente momento. O resultado foram 51 mil HA queimados segundo o Secretario de Meio Ambiente Eugênio Spengler, em entrevista realizada à Record Bahia.
No final de novembro o Estado baiano anunciou um gasto de R$ 6 milhões no combate aos incêndios, uma despesa capaz de arcar com mais de 10 anos de trabalho preventivo (segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA), como se realizou em 2005 quando se criou o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBIO.
Uma relação direta com organizações de brigadistas locais, responsáveis por observar em pontos estratégicos de maior altitude, focos de incêndios que seriam apagados imediatamente pelos brigadistas e/ou bombeiros atuantes, sem provocar grandes danos ao ambiente e aos cofres públicos. Contudo, conforme denúncias da mídia, dos brigadistas, de associações, ou de muitos originários da Chapada Diamantina ou entorno, é que a prevenção não tem sido objeto de atenção do Estado, já que são diversas as suspeitas que as queimadas são criminais.
O foco dos incêndios miram locais isolados e estratégicos, com dificuldades de acesso para ações de combate. Uma garantia maior e prolongada, fluindo “rios” de dinheiro para o combate, que eventualmente são liberados apenas nos meses mais suscetíveis as queimadas (agosto a novembro). Somado a escassez de verbas a questões cruciais, que poderiam adequar a uma gestão mais participativa, barata e preventiva.
Além dos principais focos dos incêndios estarem presentes nas áreas mais divulgadas turisticamente, essa (re)apresentação anual do fogo vem construindo um desequilíbrio e consequentemente empobrecendo o ecossistema da Chapada Diamantina, quebrando uma simbiose construída a milênios entre os solos, as plantas, o clima, a fauna e os humanos que vivem por essa região.
Favorecendo uma propagação de espécies parasitárias, solos ácidos, o que impacta diretamente o microclima local e principalmente a vida daqueles que vivem e se doam a esse paraíso ameaçado. Tudo isso se soma a pressão do agronegócio e da mineração que se propagam nas bordas do parque e das reservas ambientais em suas adjacências.
A Chapada Diamantina necessita de ajuda! Isso tem que ser estruturado diante de um plano de mobilização muito além daqueles que doam suas vidas corriqueiramente apagando incêndios e denunciando suspeitos por “fogo criminal”. É necessária uma base sólida de investigação baseada em um levantamento histórico dos gastos com tais atos na região e suas correlações com os atores políticos, empresas e órgãos estatais, responsáveis por atuar nessas práticas.
Isso com o intuito de buscar evidências dos principais responsáveis envolvidos nesses atos. Não com a incoerência que “muito pouco se resolverá”, mas com o propósito de construir uma verdadeira base de atuação preventiva e participativa, buscando efetivas práticas de preservação entre uma unidade ambiental como o Parque Nacional da Chapada Diamantina e os indivíduos que por ali convivem, focando o seu zelo e preservação.
*Tássio Barreto Cunha é doutorando em Geografia pela FCT/UNESP
Diamantina – MG
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