O cantor e compositor Clementino Rodrigues, mais conhecido como Riachão, de 94 anos, foi o principal homenageado da tradicional Mudança do Garcia, que desfilou na tarde desta segunda-feira (8) pelo circuito que leva o nome do sambista, do bairro do Garcia em direção ao Campo Grande. Com muita irreverência, o desfile fez várias referências musicais aos antigos carnavais, como explicou o coordenador Wellington Fera. “Optamos por realizar uma dupla homenagem este ano. A reverência a Riachão se deve à sua história que se confunde com o próprio samba da Bahia, e pelo fato de ele ter nascido e se criado para o mundo no bairro do Garcia. Ele viu a Mudança nascer então, nada mais justo do que dar este presente para este símbolo da música e do Carnaval em nossa cidade”.
Riachão foi literalmente fisgado de sua varanda para o trio principal da Mudança. E soube agradecer como poucos à homenagem feita pela Prefeitura, ao dar seu nome ao circuito, e ao próprio movimento contestador que se concentra há alguns metros de sua casa. “Estou muito feliz. Agradecendo a Deus por essa bondade, este carinho das autoridades, que tiveram este amor para comigo. Já não tenho palavras para agradecer, então peço a Deus que cada vez mais abençoe estas pessoas maravilhosas, as autoridades que só fazem bem para a classe artística, assim como à imprensa, que também agradeço de todo o coração pela presença”, comentou.
Irreverência
“Isso aqui é uma confusão, mas com organização”, disse o artista plástico João Alves, também conhecido como Jonah, todo em vermelho, dos sapatos ao chapéu, em uma fantasia que ele batizou de “O doido rubro-negro”. Jonah garantiu ter travado altas discussões com o homenageado sobre a forma de se trajar durante o Carnaval. “Riachão é nosso mestre, mas de uma coisa eu posso me orgulhar: fui eu – pode perguntar a todos aqui – quem ensinou Riachão a se vestir para se apresentar no palco”, brincou.
Na Mudança do Garcia se encontra de tudo um pouco. À direita, uma noiva todinha de branco, peruca ruiva e muitos pelos no peito. “São 51 anos de folia, meu filho. Dezessete somente na Mudança, e a cada Carnaval eu volto mais bonita. Aqui tudo é mais tranquilo. A folia só se desgarra e parte para a ‘fuleiragem’ quando a gente permite”, disse o empresário Paulo Caetano, a noiva.
Fã confesso de Riachão, o aposentado Carlos Bonfim, de 68 anos, fazia cara de bravo, fingia não ter muitos amigos, mas era saudado por todos que passavam pelo apelido: “fala, corno!”, falou um. “Bonfim, voltei da tua casa agora há pouco. Minha comadre mandou lembranças”, brincou mais um. Morador do Garcia há 30 anos, Bonfim costuma brincar o Carnaval com um capacete ornamentado com chifres de quase dois metros.
Além de travestidos, super-heróis, mendigos, noivas, cornos, integrantes de outras agremiações, defensores dos animais, marmanjos mandando beijos para a mamãe, fiscais da vida alheia e até pessoas vestidas de animais, a Mudança se mantém fiel à tradição de irreverência e protesto trazendo cartazes prometendo “sumir com a pessoa amada até a Quarta-feira de Cinzas”, reforçando o coro da cantora Ivete Sangalo e querendo saber, de uma vez por todas, “quem é essa aí, papai?”, e cobrando ações nos campos político e social. O mosquito Aedes aegypti, causador da dengue, zika e da chikungunya, não ficou de fora da festa e foi bastante citado em inúmeros cartazes. “Agora, o inimigo é o mosquito”, ou “Procura-se: vivo ou morto”, eram algumas das frases encontradas no cortejo.
História
Fundada em 1930, a Mudança do Garcia é um dos poucos remanescentes do entrudo, uma forma primitiva da folia momesca, onde a irreverência associada até a um pouco de bagunça generalizada costuma dar o tom da festa. O tradicional trajeto do bloco tem início com a concentração no final de linha do Garcia e os integrantes são, na maioria, moradores do bairro. A festa é caracterizada também pelo clima de protesto envolvendo os grandes problemas da atualidade, abordando inclusive os queixumes individuais de seus integrantes.
Desde 2011, a Mudança do Garcia desfila sem a presença dos tradicionais jegues. Além disso, a partir deste ano, o percurso de aproximadamente três quilômetros feito pelo cortejo até a Praça Dois de Julho, no Campo Grande, passou a ser conhecido como Circuito Riachão.