Conhecida por ser uma das principais atrações turísticas do Brasil por conta de suas belezas naturais, o mundo desconhece a importância da Chapada Diamantina para o fornecimento de água para o estado da Bahia, e para o equilíbrio da rede hidrográfica brasileira. Refém dos interesses comerciais de grandes produtores rurais, abandonada e maltratada pelo poder público, “a Chapada está secando e alguns de seus rios estão morrendo”, como é o caso do Rio Utinga. Comunidades ao longo da Chapada já sofrem com a escassez de água, conforme publicação da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Conflitos, que podem se tornar mais violentos, estão se intensificando na região e a capital baiana também deve sofrer com a falta d’água caso a estiagem perdure. Em Utinga, os índios Payayás já perceberam, anos atrás, o tamanho do problema e começaram um trabalho de conscientização, articulação política e ação. Atualmente o indígena Otto Payayá, avalia que a ação é a única ferramenta que ainda crê. “Do governo a gente está cansado. A gente junta a comunidade e limpamos o rio, plantamos na beirada dele, fazer algo prático, recuperar a vegetação para que a água volte a correr”, informou.
Rio Utinga
A descrença de Otto não é à toa. Além do abandono, quando o Estado enfim age, o faz sem planejamento e acaba por piorar a situação. Um exemplo disso é o Rio Utinga, que nasce na comunidade de Cabeceira do Rio, distante cerca de oito quilômetros da sede do município de Utinga. Ele é responsável pelo abastecimento de água das cidades de Utinga, Wagner, Lajedinho e Andaraí. Em 1977 foi construída uma barragem na cabeceira da nascente do Rio Utinga, literalmente em cima da nascente e de seus fervedouros – nascentes de rios subterrâneos.
E para piorar ainda mais, a retirada da mata ciliar na área da barragem provocou o desbarrancamento, o que tem assoreado o rio. O indígena relatou que recentemente conseguiu levar ao local o engenheiro responsável pela obra da barragem e que ele se emocionou ao ver o tamanho do erro que cometeram.
O Rio Utinga é apenas um dos vários rios que compõem a bacia do Paraguaçu, responsável pelo abastecimento de várias cidades da região e da capital baiana. Assim como o Jacuípe, que abastece, por exemplo, o distrito de França, no município de Piritiba. Lá dejetos são jogados no rio, além do uso de agrotóxicos por produtores locais e plantações em área de preservação permanente, que têm poluído e assoreado o rio, por isso a vazão tem diminuído a olhos vistos.
Seguindo o exemplo dos payayás, assentamentos da região têm se organizado para reflorestar as margens dos rios e assim tentar retomar a riqueza de águas da região. É o caso do assentamento São Sebastião, no município de Wagner, que após ver o Rio Utinga quase secando, fez mutirões para plantação de mudas nativas nas margens do rio e para a limpeza do local.
Os assentados descrevem com tristeza terem testemunhado o rio secar e os peixes morrerem. Mesmo com as ações, em fevereiro deste ano os assentamentos ficaram sem água. Na cidade de Wagner aconteceu o mesmo. Sem a presença do poder público, grandes produtores, também impactados pela falta d’água, destilam acusações contra os assentados e pequenos produtores, acusando-os de serem os responsáveis pela escassez de água.
Porém, são os grandes produtores que multiplicam bombas para alimentar sistemas de irrigação de suas produções, ao longo do rio. Segundo os produtores, nos últimos 10 anos houve um aumento em cinco vezes do plantio irrigado de culturas, que absorvem um grande volume de água. Sem controle, plano de manejo ou fiscalização, boa parte dessas bombas para irrigação não possui sequer outorga de uso do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (Inema).
Conflitos pela água: a violência iminente
A comunidade do povoado de São José, próximo a Lençóis, ficou 120 dias sem água. Toda sua produção foi perdida. Endividados, pois conseguiram a terra em que vivem através do crédito fundiário e não pela reforma agrária, produtores rurais chegaram a passar fome. “Líderes da comunidade têm sofrido constantes ameaças por conta de sua atuação e denúncias feitas”, aponta texto da CPT.
As ameaças, conforme relataram, “partem tanto de fazendeiros da região, quanto da polícia”. Fazendeiros disseram também a eles que “se virassem” com caminhões pipa ou que “criassem camelos, que não bebem água”. Jornal da Chapada com informações da Comissão Pastoral da Terra.