A polêmica ocorrida no início do mês com alimentos sendo trancados em banheiro da Casa de Estudantes em Salvador, que é mantida pelo município de Mucugê, na Chapada Diamantina, para evitar seu uso por parte dos estudantes teve consequências graves. Principalmente para Márcia Salles, então secretária de Educação e Esportes do município. Os universitários de Mucugê – residentes da Casa de Estudantes – reclamaram da situação e a resolução acabou sendo a exoneração de Salles do cargo municipal pelo prefeito Manoel Luz (PSD).
Essa decisão foi publicada no Diário Oficial do Município da última segunda-feira (10). Nesta sexta-feira (14), a ex-secretária procurou o Jornal da Chapada onde enviou seu relato mais aprofundado e explicou detalhes desconhecidos do episódio. Ela reafirmou que não decidiu privar os estudantes dos alimentos e revela fatos envolvendo os residentes da casa na capital. “Trancar comida em um banheiro foi uma atitude errada e impensada, tomada sem meu conhecimento e muito menos minha autorização, que deveria ter sido assumida por quem a tomou”, disse no texto a ex-titular da pasta.
Confira o relato por completo abaixo:
“Depois de muito avaliar se valia a pena me pronunciar a respeito do acontecido pois as pessoas que me conhecem e a minha índole pouco ou nada precisou ser explicado, mas como nunca me calei diante de nada, resolvi falar. Trancar comida em um banheiro foi uma atitude errada e impensada, tomada sem MEU CONHECIMENTO E MUITO MENOS MINHA AUTORIZAÇÃO, que deveria ter sido assumida por quem a tomou.
Sabendo da gravidade desse fato e consciente de quanto errado foi, sei que essa denúncia não é um fato isolado, representa uma série de descontentamento e raiva por parte de alguns residentes, destaco alguns, a minha pessoa, diante de situações que aqui serão esclarecidas. Desde que assumi como secretária de Educação e Esporte do município não poupei esforços para fazer o melhor pela Educação e na Casa do Estudante não diferente. Em fevereiro estive na casa do estudante e conversei com alguns que estavam lá pois se tratava de período de férias. A casa, como um todo, estava em uma situação lamentável.
Com o Regimento da Casa do Estudante em mãos e o conhecimento de algumas situações delicadas existentes, essa primeira conversa já evidenciava o que viria a descontentá-los: a proibição do consumo de álcool (que os estudantes fizeram uma ata permitindo), a hospedagem de terceiros como acontecia no carnaval, feriados, festas, de namorado/namorada (quando fosse alguém da família seria discutido) e principalmente o não repasse de dinheiro público a estudante como acontecia ilegalmente (já que não há no município lei que permitia) e que já havia gerado sérios problemas que ainda hoje existe.
Ouvi de uma estudante que lá estava dizer que eles, os residentes, eram tratados como cachorros e eu disse a ela que não mediria esforços para fazer por eles o possível e o impossível para que nada lhes faltasse, mas que o correto também deveria ser seguido. Me foi colocado que o pouco mais de 2 mil reais que eram mandado mensalmente aos estudantes e utilizado para pagar energia, gás, telefone/internet e comida, só era suficiente para custear somente o almoço e que só tinha carne uma vez por semana.
Inicialmente eram enviados semanalmente as frutas e verduras (variava no valor de 450 a 500 reais) e as carnes (de 550 a 700 reais, de acordo o cardápio da semana, referência para a quantidade e itens) e os produtos de limpeza e não perecíveis (que também variavam de 500 a 700 reais). Com as dificuldades de transporte semanal a logística foi mudada: passou-se a enviar as compras de não perecíveis e limpeza a cada dois meses, quando é feita a entrega no município e as verduras, frutas e carnes quinzenalmente.
Para essas compras era organizado um cardápio após o levantamento do estoque semanal da casa, que apontava o que estava em falta. Mesmo quando afirmado em grupo de Whatsapp e espalhado em rede social que não tinha comida na casa o levantamento do estoque semanal mostrou que tinha dentre outros itens feijão, arroz, sardinha, farinha, açúcar, café, flocão de milho, proteína de soja, macarrão, extrato de tomate, achocolatado, óleo, vinagre, margarina, claro que faltavam itens, mas a casa não estava de todo desprovida.
Muitas vezes fui acusada por pessoas de dar “mordomia demais” aos estudantes, pois contratamos uma cozinheira e enviamos inclusive material didático para os mesmos, mandando muitas vezes além do precisaria para uma boa alimentação. Os pais dos alunos residentes não mais precisariam enviar comida ou dinheiro para suprir a alimentação de seus filhos como faziam até dezembro. Antes a comida era individual, guardada nos armários dos quartos e motivo inclusive de brigas quando um pegava comida do outro.
Desde o início de trabalho na Secretaria muitos pais, que mesmo com as dificuldades financeiras, tinham que mandar comida ou dinheiro para que seus filhos não passassem privações, agora não precisavam mais, porque o essencial não faltava. Outra insatisfação dos estudantes foi em preencher a ficha de dados, pois não existia na secretaria nenhum dado dos residentes, muitos se negando inclusive a informar o número dos documentos. Em outra ida à casa do estudante, disse a eles que segundo o regimento, todos deveriam apresentar, após o término do semestre, o comprovante de matrícula, evidenciando o curso e o período que estavam (Art. 18 do Regimento), ESTE FOI O ESTOPIM DA INSATISFAÇÃO.
O prazo para entrega foi dia 10 de julho quando também venceria os dois meses para reposição dos produtos não perecíveis e de limpeza. Estudantes morando na residência há tanto tempo que se cursasse medicina a muito já teriam terminado, outros com matéria trancada, outros que já trocaram de curso várias vezes, sem falar nas faltas mesmo estando na residência. Realmente não sou mãe de residentes, mas me sentia responsável pelos que lá estão e mais ainda pelos que também têm o direito de estar, por isso inviabilizado. Muitos pais se surpreenderiam com os fatos ocorridos na residência estudantil.
Realmente, o episódio da comida foi o que alguns residentes queriam para se vingar de mim e voltar a fazer e acontecer como antes, sem regra nem limite. Educar não é fácil, nunca foi, mas nunca fugi de minha obrigação. Nunca foi de meu perfil falar o divulgar o que fiz enquanto secretária de educação, mas acredito que meu trabalho fale por mim, ser chamada de autoritária e durona porque não cedi às pressões, aos “jeitinhos”, muitos gostam do que é certo, somente para o outro.
Tenho mais de 20 anos como educadora e tudo que fiz nesses anos me é motivo de muito orgulho. Já errei muito e com certeza ainda errarei mais, mas MEU GRANDE ERRO, NESSES SEIS MESES, FOI FAZER E QUERER SEMPRE O CERTO, ao contrário de muitos. Agradeço de coração tanto carinho e mensagens recebidas, tenho muita sorte pelas pessoas ao meu redor, Deus abençoe a cada um. Agradeço de coração a toda a Equipe da Educação, o fruto de nosso trabalho está aí, e outros virão, vocês fazem a diferença. OBS: Tudo que foi falado aqui é passível de comprovação.
Márcia Salles de Oliveira Sousa”