Sábado (12), foi o dia mais badalado da Feira Literária de Mucugê. Muitos visitantes chegaram à cidade para apreciar as 20 atividades que aconteceram no Centro Cultural, Calçadão Literário, Colégio Horário de Matos, Cemitério Bizantino, no Espaço Academia da Leitura, na Casa da Filarmônica e ultrapassou os limites da cidade chegando até Andaraí, na Vila de Igatu com a primeira edição da FLIGÊeTU. O dia começou com o fechamento das atividades desenvolvidas pelos inscritos nas cinco oficinas realizadas no Colégio Estadual Horácio de Matos: Escrita Criativa, Contação de Histórias, Animação, Musicalidade e Brinquedos Lúdicos, ministrados por oficineiros convidados pelo evento.
Ana Amélia Medrado participou o ano passado como espectadora e este ano voltou ministrando a oficina de Contação de Histórias. “Fiz uma promessa que este ano eu viria todos os dias e estou aqui, como oficineira, que foi um prêmio para mim, um sonho”, comentou a professora. “Pensar no público infantil é muito importante porque o adulto já está formado e quando você trabalha a criança tem uma importância dupla, pois está formando leitores e conquistando coraçõezinhos pequenos para que tenham um olhar diferenciado da própria realidade”, disse o escritor Antônio Moreno, que bateu um papo com as crianças sobre o seu livro “Tomate, Pimentão e Cia”, na Fligezinha.
No período vespertino, as contações ficaram por conta de Palmira Heine e Danielle Andrade. “Quando você tem a oportunidade de trazer escritores, as crianças tem acesso a eles e suas histórias, então, a literatura fica mais próxima da criança e ela passa a ver que aquilo não é coisa de outro mundo e quem sabe um dia ela também possa publicar um livro”, contou Heine. Os Sertões de Euclides da Cunha foram cantados em verso e prosa pela escritora Clara Carolina Santos e pelo músico Tom Lemos durante a Conversa Cantada no Centro Cultural de Mucugê, evento que marcou o início do terceiro dia da Fligê.
O colorido dos desenhos de Chico Liberato fez parte da paisagem da cidade de Mucugê na sessão da Fligecine, com a exibição dos filmes “Boi Aruá” (1984) e “Amarilis” (2016). Chico Liberato, diretor dos filmes, e Alba Liberato, que também fez parte da produção, estavam na sessão. “Esse trabalho já tem algumas décadas e hoje fiquei encantado pelo público, me senti realizado”, declarou Chico, ao ver a recepção das pessoas após a exibição do primeiro filme. “Fizemos um desafio e a comunidade escolar de Mucugê aceitou. Numa tentativa de provocar os alunos envolvidos no projeto intitulado “Fotopoemas: escrituras de luz foi um sucesso”, lançamos mãos de duas linguagens que se complementam, a fotografia (o olhar) e a poesia (o sentir), explica Lana Sheila, coordenadora acadêmica da Fligê e do projeto, junto com o professor doutor em fotografia, Rogério Luiz Oliveira, responsável pela coordenação de conteúdo que culminou na produção do livro-álbum homônimo.
“Estava muito nervosa para saber se minha poesia tinha sido selecionada e quando li aqui no livro fiquei muito feliz”, declarou a estudante Maria Eduarda Costa, do Colégio Eurico Belo. O Calçadão Literário da Fligê também foi palco de grandes acontecimentos. Foi lá onde a Assembleia Legislativa da Bahia – Alba apresentou o seu catálogo público de edições, que dentre elas conta com a biografia de Horácio de Matos, fundador do município e representante histórico da Chapada Diamantina. “Homenagear Horácio de Matos nas figuras dos seus filhos Horácio Junior e Tácio de Matos é celebrar a história viva da Chapada Diamantina. E a Fligê cumpre hoje esse papel fundamental para que a história regional seja também motivo de orgulho para as novas gerações”, disse o deputado estadual. Emocionado, Horácio de Matos Júnior disse que sente muita alegria e participar desta homenagem a seu pai: “Me sinto muito honrado, muito satisfeito com todos vocês que têm nos ajudado a viver esse momento”.
A segunda edição da Feira Literária de Mucugê (Fligê) já se consagrou como um evento para além dos limites do município, chegando a Andaraí, na Vila de Igatu, com a primeira edição da FLIGÊeTU. A Feira Literária de Igatu aconteceu com eventos realizados na praça do município e no Museu Galeria Arte & Memória. No início da tarde foi lançado o projeto Pipoca Moderna, com objetivo de incentivar a leitura e fomentar o livro utilizando um carrinho de pipoca para distribuir livros aos que passavam pela praça. Esse é um desdobramento do PIL – Projeto Institucional de Leitura da secretaria de educação de Andaraí.
No final da tarde aconteceu uma Conversa Literária na Galeria, com a participação de Emiliano José, superintendente de Direitos Humanos da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social do governo do estado. Além de falar sobre o tema Leitura e Resistência, Emiliano também comentou seu novo livro: A última clandestina em Paris, quinto volume da série Galeria F, sobre os porões da Ditadura de 1964. Marcos Zacaríades, artista visual responsável pelo museu reiterou a importância da Fligê para toda a Chapada Diamantina. “A feira traz a literatura à Chapada, mostrando, principalmente aos jovens e crianças, a importância da leitura”. Também estiveram presentes na Conversa Literária, a coordenadora da Escola Municipal Eurico Costa, Kátia Regina, a diretora Nívea Maria, e o secretário de cultura de Andaraí, Emílio Tapioca. O músico conquistense João Luiz proporcionou o fundo musical que emoldurou todo esse momento especial.
Voltando para Mucugê, quem deixou seu encanto e emoção foi a atriz Ingra Lyberato, no lançamento do seu livro “O Medo do Sucesso”, uma autobiografia que relata a sua vida nos palcos, cinema e televisão, “escancarando demais, como tinha de ser”, diz ela. Sempre bem-humorada e disposta a compartilhar os seus mais íntimos sentimentos, assim como faz no livro, ela abraçou, cumprimentou e deu autógrafos a todos que foram recebe-la, sem estrelismos, com a simplicidade daquela que conhece o sucesso e sabe as barreiras que a fama podem impor no relacionamento com o outro. Mas, com Ingra, não há barreiras. Os 120 anos de Canudos e o conselheirismo foram tema da tarde, na sessão especial com a participação dos professores Luiz Paulo Neiva, Sérgio Guerra e Iraci Rocha, do núcleo Canudos da Universidade Estadual da Bahia (Uneb).
Para o professor Luiz Paulo Neiva, “é difícil preservar a memória e a história de movimentos como esse. Certamente, sem Euclides nós não estaríamos aqui hoje discutindo esse assunto, por mais que existam críticas e considerações a fazer”. Por isso, o escritor é o homenageado desta edição da Fligê. “É uma justa homenagem. A obra de Euclides é uma obra de peso, é o primeiro romance da nossa literatura com o representativo da brasilidade”, afirmou a professora de literatura Iraci Rocha. “É uma poesia”. Refletindo sobre o conflito que aconteceu na velha cidade de Canudos, o professor Sergio Guerra questionou a história das pessoas, a individualidade de cada homem, mulher e criança que foram “sequestrados” pelas forças militares. “A história social é a historia das ‘gentes’, não de mitos e não de heróis”.
A atividade D’Falas e D’Versos reuniu sete autores que falaram um pouco de suas publicações mais recentes para o público da Feira Literária de Mucugê. Luís Altério abriu as explanações contando sobre “Mural Sujo”, Roberto Faria questionou de maneira inusitada sobre sua presença na Fligê: “Antes de começar minha participação, eu me perguntei o que estaria fazendo no meio de escritores que escrevem com a palavra” para falar do livro de fotografias “Bahia dos deuses e das crenças”, que retrata as principais festas religiosas do nosso estado. Adroaldo Almeida explanou sobre a questão da edição por demanda, que é o jeito como seu livro “Labirinto dos Bárbaros” pode ser adquirido através do site Amazon.com.
Cristian Santos revelou que sua obra “Devotos e Devassos” é fruto de uma paixão escrita em quatro anos, período da produção do seu texto de doutorado. “Furúnculos” é um livro de contos que fala sobre verdades contidas e desejos reprimidos revelou Amós Heber. Fotografias de todas as 84 espécies do pássaro existentes no Brasil, sendo que 22 delas presentes na cidade de Mucugê fooi revelado por Thalison da Silva Ribeiro é co-autor de “Beija-Flores do Brasil”.
Quantos sertões estão dentro do sertão? Aliás, o que é o sertão? Seria apenas o contrário ao que é o litoral? Ou aquilo que não está no centro? Para ajudar a responder estas questões, os professores e pesquisadores da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), Rita de Cássia Pereira e Luiz Otávio de Magalhães fizeram uma exposição denominada “O sertão de Euclides e o elomariano”, na noite de sábado da Fligê. “Euclides era um militante, escrevia sobre as questões do seu tempo e se afirmava positivista e republicano”, comentou o professor Luiz Otávio, revelando o discurso racista e europeu do jornalista. A perspectiva de pensar o futuro de Euclides é muito diferente da obra elomariana, que dialoga com o passado.
“Elomar tem sua obra permeada pelo passadismo, com apego às tradições, as quais ele ressignifica e as reinventa, mas ele seleciona, escolhe e também recusa”, comentou a professora Rita de Cássia. E foi o menestrel quem encerrou a noite do terceiro dia da Fligê. Com as botas desamarradas, vestido de preto e com um chapéu de massa – “não encontrei o de couro”, Elomar subiu ao palco e não abriu mão de uma prosa antes de iniciar sua apresentação. “Eu li Os Sertões em quadras pretéritas, ali pelos meus 32 anos. Me encantei por sua grandeza estilística, um linguagem dura e vernácula, bela, sobretudo quando trata da terra”, falou, a respeito da obra de Euclides da Cunha, o artista homenageado pela Feira.
Entre as canções que seguiram, tiveram Lamentos de Vaqueiro, Gabriela, Riachão do Gado Brabo, Sei que vou voltá e a famosa Cantiga de Amigo. Ao longo da apresentação, Gabriela Mello (violoncelo) e Indira Monteiro (clarinete) se ajuntaram. “Gosto muito de Elomar, estava na expectativa pelo concerto, que foi belíssimo. Me senti privilegiada por ter esta oportunidade”, comemorou a jovem Vitória Cazumbá, de Feira da Santana, que o assistiu pela primeira vez. As informações são de assessoria.