Na última segunda-feira (26), os ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça negaram um recurso que questionava uma busca residencial sem mandado motivada após policiais sentirem cheiro de maconha no local. O caso ocorreu em São Paulo. Após ser alvo de uma abordagem policial na rua, um cidadão, informa o site do STJ, afirmou que não estava em posse de seus documentos pessoais, mas se prontificou a buscá-los em casa. Os policiais, ao chegarem à residência, afirmam ter sentido forte cheiro de maconha. Somado ao nervosismo demonstrado pelo indivíduo, o odor levou-os a fazer a busca dentro da residência, onde apreenderam grande quantidade de maconha, crack e cocaína.
Relator do caso, o ministro Sebastião Reis Júnior, negou se tratar de invasão de domicílio, principal argumento da defesa do réu. Segundo ele, é dispensável o mandado de busca e apreensão quando se trata de flagrante da prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes, pois o referido delito é de natureza permanente e trata-se de um “estado de flagrância”. A busca domiciliar é prevista no artigo 240 do Código de Processo Penal. Em casos como esse, a lei prevê a prática quando se apreende coisas achadas ou obtidas por meios criminosos ou quando há a descoberta de objetos necessários à prova de infração.
O jurista e professor Lenio Luiz Streck afirma que o cheiro pode ser considerado indício de posse de entorpecentes ilícitos, bem como indício de tráfico de drogas, sendo que este último pode ser considerado um crime permanente. Segundo o especialista, o caso de posse de drogas não vem a ser um considerado um crime, pois não prevê pena de detenção. “Deste modo, as autoridades policiais, não podendo ter certeza da presença do tipo penal de tráfico de drogas, meramente pelo indício do cheiro, deveriam estar na posse de mandado para poderem realizar a busca e apreensão. Portanto, precisa de mandado”, afirma Streck.
A quantidade de drogas encontrada após a busca foi bastante significativa. Foram 667 porções de crack, 6,7 quilos de maconha, 1,5 quilo de cocaína e 35 frascos de lança-perfume. O volume certamente pode ser enquadrado como crime de tráfico, mas os policiais que realizaram a busca residencial responsável pela descoberta não tinham como ter conhecimento prévio da quantidade de entorpecentes no local apenas pelo indício do cheiro. “A quantidade é irrelevante no caso. Ou se não é irrelevante, tem pouca importância”, diz Streck.
“No Brasil, nos acostumamos com as ilegalidades nos procedimentos (sobretudo nos penais) e a tese de que ‘os fins justificam os meios’.” O jurista lembra que, num estado tão avançado de desrespeito ao direito, a exceção não ocorre em casos de maiores ou menores quantidades de droga apreendida. “A exceção é quando a lei é cumprida.”
Questionado se a decisão dos ministros do STJ pode abrir novos precedentes para buscas sem mandado, Streck afirma que é difícil responder com precisão, mas há grande probabilidade de que a prática cresça, pois sempre que o limite é ultrapassado no judiciário, o próximo caso terá como limite essa mesma ultrapassagem.
“Quando seu filho pede autorização para retornar para casa às 2h da madrugada e você autoriza, na próxima vez que for pedir, ele não vai falar em 01:30. Vai partir do limite imposto para mais”, exemplifica. O jurista cita o caso das conduções coercitivas na Lava Jato, que eram uma exceção no início da operação. “Ultrapassaram os limites. E hoje observamos que essa ultrapassagem já é o ponto de saída para muitos juízes”, afirmou. As informações são de Carta Capital.