O governador da Bahia, Rui Costa (PT), foi um caso à parte em seu partido. Em meio a tantas acusações, muitas sem base com a verdade ou justiça, o PT sofreu uma derrota em todo o país, menos em solo baiano, onde Costa foi reeleito no primeiro turno, com 75,7% dos votos válidos. Atualmente ele tem se mostrado grande articulador e administrador louvável, uma vez que tem tocado projetos de infraestrutura mesmo em meio à uma crise financeira sem precedentes nos estados brasileiros.
Por conta disso, Costa foi escolhido para coordenar o consórcio dos estados do Nordeste, uma ideia inovadora que pretende baratear as compras públicas e permitir a aplicação mais eficiente dos impostos dos cidadãos da região. Na entrevista a seguir, concedida à revista semanal Carta Capital, Costa critica a reforma da Previdência e a beligerância de Bolsonaro, que prejudica a imagem internacional do Brasil. “O que ganhamos com polêmicas inúteis?”, pergunta.
CartaCapital: Qual o objetivo do consórcio formado pelos estados do Nordeste?
Rui Costa: Trata-se de uma ferramenta de gestão que busca qualificar o gasto público e facilitar a cooperação mútua entre os nove estados nordestinos em segurança, educação, saúde, infraestrutura. O consórcio vai propiciar uma redução de custeio importante.
A Bahia, o maior estado do Nordeste, com a maior população, tem 15 milhões de habitantes. Na região toda, são 54 milhões. Imagine a economia que faremos em licitações conjuntas de equipamentos, de remédios, etc. É outra escala. Poderemos até fazer licitações com fornecedores internacionais. Acreditamos que o consórcio vai permitir aos estados superar este momento de dificuldades do País. Faremos mais com menos, além de compartilhar ações efetivas.
CC: De que tipo?
RC: Recentemente, os estados nordestinos foram solidários ao Ceará, que enfrentava uma grave crise de segurança. Foram enviados policiais e equipamentos. A criação do consórcio vai tornar esse processo mais ágil. Vamos melhorar bastante a prestação de serviços em toda a região.
CC: Como será possível garantir a transparência dos processos?
RC: As ferramentas existem. Todos os processos de licitação serão eletrônicos, o que permite a participação de fornecedores de qualquer parte do Brasil ou do exterior.
A fiscalização ficará a cargo dos Tribunais de Contas. Serão nove órgãos de controle envolvidos na análise dos contratos, o que aumenta a transparência. Iniciamos conversas com a Advocacia-Geral da União e com a Controladoria-Geral da União. Eles estão entusiasmados, querem participar, contribuir. Quanto mais gente envolvida, melhor será.
CC: Embora ferramenta de gestão, o consórcio é mais um passo nas relações políticas entre os estados. Essa parceria nunca foi tão forte, certo?
RC: Essa aliança nasceu, diria, da identidade do Nordeste, não de uma combinação prévia entre os governadores. Nos 15 anos de administração Lula e Dilma, a região viveu um crescimento extraordinário, acima da média nacional. Na Bahia, tínhamos uma universidade federal.
Hoje são seis. Havia uma escola técnica. Atualmente são 35. E assim foi em diversas áreas. O Nordeste percebeu que a expansão da economia está ligada à distribuição de renda. Ficou nítido que esse modelo faz bem ao País, não o seu contrário. Esse sentimento foi esteio para a unidade dos governadores, muito sólida atualmente.
CC: Os governadores também estão unidos na crítica a vários pontos da reforma da Previdência. O que seria inaceitável na proposta do governo Bolsonaro?
RC: Quatro pontos são intransponíveis. O primeiro é impedir que a regulamentação da Previdência saia da Constituição e seja feita por lei complementar. A aposentadoria é um planejamento de vida. Em qualquer lugar do mundo civilizado, as regras são estáveis, perenes.
Por isso precisam estar inscritas na Constituição. O segundo é evitar o modelo de capitalização. É muito perverso. Alguém que ganha salário mínimo e tem, na maior parte da vida, um trabalho informal nunca conseguirá poupar. A capitalização pura e simples só foi implantada em países periféricos do mundo capitalista. Nenhuma nação economicamente relevante o adota. Onde ele foi adotado tornou-se uma catástrofe. Milhares de idosos vivem na miséria, na extrema pobreza. O Chile é um caso muito próximo.
A capitalização, além do mais, mataria o sistema previdenciário. Os novos trabalhadores deixariam de contribuir para o regime de repartição, o que aumentaria o rombo da União, estados e municípios. Também não concordamos com as mudanças na Previdência Rural e no Benefício de Prestação Continuada, que garantem o sustento de milhões no campo e na cidade.
CC: Qual seria o tipo de reforma necessário?
RC: Acredito em uma atualização das regras, relacionadas ao aumento de expectativa de vida e a um ajuste do modelo que aproximasse os sistemas público e privado. Os governadores do Nordeste topam discutir esses pontos se os quatro itens que citei anteriormente forem retirados da pauta. De qualquer forma, não acredito que a reforma da Previdência, por si só, vai tirar o Brasil da situação calamitosa em que se encontra.
O mais importante seria o retorno da estabilidade institucional, o fim desta crise entre os Poderes, que parece não ter fim. A credibilidade internacional do País está severamente comprometida. Quem vai querer investir aqui? O diálogo e o entendimento precisam vencer o ódio e o preconceito.
CC: A oposição tem cumprido o seu papel?
RC: Em toda democracia, é natural que os perdedores da eleição recolham as armas por um tempo e permitam aos vencedores organizar o governo. Infelizmente, não aconteceu no caso da Dilma Rousseff, mas vivemos agora as consequências. Passados quase três meses, este governo não mostrou, porém, a que veio. Não há projeto para a saúde ou para a retomada do crescimento. Na educação, não se sabe nem quem manda. É um desastre.
CC: Com consequências nas relações internacionais, não?
RC: O que o País ganha, o que a economia brasileira ganha, quando o governo se mete em uma polêmica inútil a respeito de em qual cidade deve ficar a embaixada em Israel, se em Tel-Aviv ou Jerusalém? O Brasil é reconhecido na diplomacia por sua imparcialidade, a favor da autodeterminação dos povos. Não temos o hábito de nos intrometer em conflitos entre nações.
Ao contrário, sempre atuamos em missões de paz. Como vai ficar o agronegócio, que apoiou fortemente o atual presidente, se os árabes resolverem boicotar os produtos brasileiros por causa de uma decisão dessa magnitude? Da mesma forma, o que vamos ganhar com a intromissão nos assuntos internos da Venezuela? O único resultado será atrair a ira de outros países, com reflexos sobre o saldo da balança comercial, tão essencial para a sustentação da economia.
CC: Bolsonaro governa como se estivesse em campanha permanente?
RC: O comportamento geral dos integrantes do governo alimenta a beligerância, um ambiente de guerra. Mas a campanha eleitoral acabou. Eles prolongam a difusão do ódio e da raiva. Não vamos a lugar nenhum dessa forma. Vamos pensar na ideia de comemoração da ditadura no dia 31 de março.
Que país civilizado do mundo celebra a violência, a tortura, o aniquilamento do adversário, um golpe de Estado? Esse comportamento também afeta a nossa imagem internacional. As nações e as grandes empresas querem consumir de quem respeita o meio ambiente, a democracia, os direitos individuais. A posição do Bolsonaro sobre este e outros temas corrói, corrompe a imagem do Brasil no exterior.
CC: Em 7 de abril, Lula vai completar um ano na prisão. O senhor ainda espera que as condenações do ex-presidente sejam revertidas nas instâncias superiores?
RC: Trata-se da maior injustiça que assisti na minha existência. Se alguém um dia me apresentar provas de crimes cometidos pelo ex-presidente Lula, me calo e aceito. Mas até hoje elas não apareceram. Ao contrário. A única prova cabal é do julgamento político.
O juiz Sérgio Moro, algoz do ex-presidente, tornou-se “superministro” do maior beneficiário da condenação de Lula, impedido de disputar as eleições. E é cotado para ser o candidato presidencial daqui a quatro ou oito anos. Jornal da Chapada com informações de Carta Capital.