No Ponto de Entrevista desta semana conversamos com Hamilton Néri, presidente da Agência de Desenvolvimento Humano (ADH) Brasil, que está realizando um trabalho de consultoria que busca priorizar o Turismo Histórico-Cultural no município de Lençóis, a capital do Turismo Ecológico da Chapada Diamantina.
O nosso bate-papo aconteceu na última terça-feira (11), no Auditório do Hotel Terra dos Diamantes, em Lençóis, durante mais um Encontro Setorial com o Trade Turístico da cidade. Nessa conversa, Néri falou sobre essa experiência na área e deu exemplos de resultados do projeto implantado em Lençóis e que atende um anseio do atual prefeito Marcos Airton Alves Araújo (PRB), o popular Marcão.
Leia a entrevista na íntegra:
Jornal da Chapada – Boa Noite Néri, fale mais sobre a ADH Brasil e sua trajetória no Turismo Nacional.
Hamilton Néri – A ADH Brasil é uma empresa com 18 anos de existência que tem como propósito desenvolver indivíduos e comunidades tendo em vista um Turismo Cultural e Social de forma sustentável. Sou economista e tenho uma vida profissional de 40 anos, tendo sido executivo em diversas empresas. O turismo entra na minha vida, na passagem pelo governo Mário Covas, em São Paulo.
Na época, assumi a coordenação da área de Indústria e Comércio do estado. Nessa ocasião, fui convidado para coordenar um Fórum de Turismo, que acontecia dentro do Fórum Nacional dos Secretários de Indústria Comércio e Turismo. Na primeira reunião, em Mato Grosso, me encantei e saímos daquele momento com uma carta para o Governo Federal, como decisão daquela reunião, para introdução do voo charter no Brasil. Fui o coordenador das primeiras ações envolvendo o Ministério da Aeronáutica para que se introduzisse o vôo no país.
Foram debates e debates por anos, e aí, finalmente, foi introduzido o vôo charter no Brasil, o que possibilitou o estrangeiro chegar no país entrando por vários lugares, não só pelo Rio de Janeiro e por São Paulo, como acontecia. O Nordeste, por exemplo, se beneficiou muito dessa conquista, porque Salvador, Natal, João Pessoa, Recife e Fortaleza, referências do turismo brasileiro, passaram a ter vôos direto da Europa e isso dinamizou muito a atividade no país. Isso porque quando você oferece o vôo charter você quebra a tarifa aérea, e, consequentemente, quebra o monopólio.
Esse era um dos problemas que travava a atração do turista internacional, cujo fluxo era pequeno (em 94 o Brasil recebia 1 milhão e 800 mil turistas). E hoje, nós temos capacidade para receber mais de 60 milhões de turistas por ano. Graças a um processo de evolução. Aplicamos uma metodologia com base no meu livro ‘Turismo em Debate – Sua Excelência o Turista’, que é a metodologia showroom Brasil com educação turística. Fazemos a capacitação do Trade Turístico mas com o olhar do turista para os vários que o servem no turismo, ou seja, operadores, transporte aéreo, agências de viagem, o guia, os municípios, através, principalmente, das suas secretarias municipais.
JC – Observo que o senhor tem muita experiência na área, mas, como chegou à Chapada, qual o tipo de projeto que está sendo desenvolvido em Lençóis e quais os resultados já alcançados?
HN – O prefeito Marcos Airton Araújo, o popular Marcão, me conheceu no Salão do Turismo, em São Paulo, em 2010, quando estávamos apresentando o projeto do ciclo histórico do café. Lá fizemos um turismo muito forte em cima da história do café. Um turismo histórico-cultural. A história do café transformada em turismo. O prefeito me abordou, eu não sabia quem era, ele perguntou sobre todo o contexto e ficou o contato.
Por volta de 2015 ele me procurou, eu criei a condição para ele ir até a região das fazendas históricas do café como turista, e ele vivenciou essa experiência mais de uma vez. Fiz um programa ‘Turismo em debate’ por lá, programa que tenho no meu canal no youtube, e ele disse que precisava de algo parecido em Lençóis. Por que a cidade tem um turismo de ecologia, de aventura, mas, uma interessante história do garimpo.
Fui convidado a conhecer a região. Vim aqui e passei 10 dias, no final de 2017, fazendo ambientação, fiz uma proposta em cima da metodologia e começamos a pôr em prática em janeiro. Então fizemos uma pesquisa de percepção turística em Lençóis, de janeiro a junho de 2018, e em julho já fizemos o primeiro encontro na cidade com todo o Trade Turístico, inclusive com a presença do então Secretário Estadual de Turismo José Alves para apresentação da pesquisa.
A fase 2, depois da pesquisa de percepção, foi debater com o Trade o resultado e abrir discussão do Turismo que se quer. O que está sendo feito aqui há 20, 25 anos é o turismo que se quer? Que manterá Lençóis no desenvolvimento? Certamente não é. Agora entramos na fase 3. São 20 reuniões de maneira segmentada como essa de hoje. Quatro reuniões com as hospedagens, quatro com os guias, quatro com as agências, quatro com artesãos e artistas, quatro com restaurantes.
Portanto é um processo de capacitação empresarial e gerencial que estamos implementando. Com isso estamos construindo, nos encontros setoriais, novos valores organizacionais do turismo de Lençóis, onde nossa consultoria é o facilitador do processo. Quem vai de fato fazer e construir o novo turismo são os empresários e gerentes dos negócios, ou seja, os atores diretamente envolvidos. Já os resultados estão perceptíveis.
JC – E essas reuniões têm demonstrado seus efeitos positivos?
HN – Claro, basta citarmos o aumento da demanda do fluxo turístico.
JC – Mesmo na baixa temporada?
HN – Mas a baixa temporada de Lençóis, se comparada com outros lugares, não é uma baixa temporada. Em Lençóis tem turista o ano inteiro. Eu já estou há 18 anos fazendo isso e me impressiona muito a presença do turista o ano inteiro em Lençóis. Quando não tem o brasileiro, tem o estrangeiro. Agora no mês de junho mesmo aqui costuma-se dizer que é o mês do paulista. O que a gente quer com todo esse trabalho, na verdade, é proporcionar o sorriso mais saudável, alegre e descontraído do turista em Lençóis.
JC – Com essas reuniões de capacitação vocês já têm uma ideia do que é que falta para Lençóis ‘deslanchar’ no seu turismo ecológico e histórico de forma sustentável?
HN – Só complementando sua pergunta anterior, nós fizemos 105 programas ‘Turismo em Debate’, falando com o turista, que é o dono do turismo, ouvindo suas necessidades, e colocamos nas redes sociais. Como diz o prefeito é um trabalho de formiguinha. Qualquer coisa que colocamos nas redes tem repercussão enorme.
Trouxemos a CVC em janeiro, com seu programa, com a visibilidade de mais de 36 mil visualizações, teve Globo Repórter em Novembro, e agora temos o programa ‘Grande Paraguaçu’. Hoje já tivemos publicados no Estadão, no Caderno de Turismo, com cinco páginas. No momento o que a gente está fazendo e colhendo de melhor é a integração que Lençóis precisa, já que é uma cidade muito dividida pela política.
Na nossa visão, o turismo profissional se dá quando você emprega governo, empresa e comunidade. Esse é o trabalho de maior profundidade. O que estamos fazendo aqui é buscar a integração do Trade Turístico com ele mesmo, do Trade Turístico com a relação com o Poder Público municipal, estadual e com o Poder Público federal. Além, de integrar a comunidade dentro deste contexto.
Fazer a comunidade daqui entender, e perceber, que o Turismo é a maior cadeia de geração de emprego e renda do mundo, e uma cadeia justa, pois ganha todo mundo, ou seja, do grande hotel ao vendedor do picolé. É preciso que a gente seja profissional ao fazer turismo. Lençóis está caminhando para isso. A gente identificou a atitude ‘a minha parte eu garanto, o resto não sei’, que não cabe mais nem em empresas, quanto mais para um município turístico. Na nossa leitura, educação turística deve começar na escola e começamos a fazer isso integrando também às crianças.
JC – Sabemos que a sustentabilidade perpassa pelo engajamento dos setores. Para implantar isso, vocês estão tendo apoio do Poder Público e dos empresários?
HN – Eu tenho que cumprimentar o prefeito Marcão. Não é em todo lugar que a gente chega na fase 3 e na fase 4 do projeto, porque a maioria dos prefeitos do país não têm percepção, nem coragem de ir fundo, como estamos indo aqui. Nós identificamos valores da personalidade do turismo que expressam o comportamento da sociedade de Lençóis. Não tivemos nenhuma intervenção do prefeito durante o processo. Estamos trabalhando com absoluta liberdade, sem qualquer intervenção.
Ele está pagando consultoria onde os primeiros beneficiados serão as empresas. Em muitos outros lugares esse tipo de trabalho é pago pelas empresas, ou pelo Sebrae, pelo Senac, por Associação de Hotéis ou por uma Confederação Nacional do Comércio. Então, o caso de Lençóis é raro no Brasil e com méritos para o prefeito, que foi buscar uma consultoria com capacidade de fazer esse processo. É importante esse compreendimento de que existe essa cadeia de produção, onde cada centavo consumido aqui vai gerar impostos.
Queria ainda dizer que é preciso implantar aqui a Taxa de Turismo. Isso é uma coisa fundamental para ajudar o município arcar com os ônus. O turista chega aqui, acrescenta uma demanda no lixo, tem necessidade de ir ao hospital. Enfim, aumenta em muito a população, já que a flutuante anual é incalculável. Em vários locais do Brasil e do mundo já se cobra a taxa de turismo, que é gerada na conta do hotel. Aqui em Lençóis já existe a Lei e nunca tinha sido aplicada. Agora o prefeito está pondo em prática, fazendo correções para a cobrança, que nunca foi operacionalizada.
JC – Recentemente o Jornal da Chapada recebeu de um empresário do setor hoteleiro uma reclamação sobre a última reunião marcada por vocês, e que não houve, por conta da ausência do Secretário Estadual de Turismo, Fausto Franco. A reunião foi cancelada já que o avião com o Secretário não pousou. A questão foi: Se isso acontece com uma comitiva governamental, o que não pode acontecer com um avião com turistas? O que aconteceu nesse dia?
HN – O evento foi coordenado pelo Conselho Municipal de Turismo de Lençóis (Comtur) por meio do seu presidente, Anselmo Macedo. O secretário de Turismo estava em um vôo regular da quinta-feira, que chega aqui por volta das 14h. E o avião não desceu. Esse é um fato que quando eu comecei a trabalhar aqui falei com o prefeito: “a gente precisa avaliar qual é a satisfação da companhia aérea que está servindo aqui”.
Eu, filho de militar da aeronáutica, nasci numa base aérea, sei quanto custa pousar e decolar uma aeronave. Portanto, disse ao prefeito que era preciso fazer uma reunião com a diretoria da Azul para saber o que a empresa está achando dessa operação. E eu fui para São Paulo, para o escritório da Azul, conversar com Marcelo Bento, presidente da Azul Viagens e diretor da companhia aérea. Ele se espantou que em 20 anos nenhuma prefeitura tinha aparecido lá. Mas explicamos que fazíamos parte de uma consultoria.
Saí de lá com uma lista de queixas da Chapada Diamantina. Ele pegou uma revista disse que ia mostrar que conseguia colocar a Chapada na capa da revista a cada dois anos, mas que não era papel da companhia aérea fazer trabalhos para divulgar destinos turísticos. esse é o papel do Governo do Estado. Falta representatividade da Chapada Diamantina para que haja recurso do Governo do Estado para divulgá-la. Segundo a companhia aérea, há divulgação muito forte do governo com Salvador, Morro de São Paulo, Porto Seguro, Ilhéus, mas a Chapada não. Isso é um resumo da falta de divulgação da região.
Uma outra coisa que trava o desenvolvimento do Turismo em Lençóis são as condições do aeroporto. Isso que aconteceu no dia da reunião é algo que acontece há muito tempo e é um problema seríssimo na operação do aeroporto, que completou 21 anos. E o problema é fácil de resolver, basta fazer uma carta de apresentação. Para isso o governo precisa acionar a aeronáutica para que venha fazer um vôo de medição, marcar os pontos, para facilitar a aproximação da aeronave. Porque hoje só desce um avião nesse Aeroporto com visibilidade absoluta. E no dia da reunião o dia estava nublado, com várias densidades de nuvens.
E se o piloto não consegue visualizar o aeroporto ele não desce. Foi por isso que o avião com o secretário e comitiva, não desceu. Nesse dia estavam aqui pessoas da Chapada inteira e não houve reunião porque o principal ator na interação com a região não pôde descer. O turista está sofrendo com isso há 20 anos, mesmo com um Aeroporto tem espaço para manobrar um airbus, tem uma pista grande de 2.080 metros. Temos um senhor aeroporto, basta a correção desse problema.
Estive com o secretário Fausto Franco, em Salvador, junto com empresários daqui, e apresentamos Isaac Lima, fundador da Cassi Turismo, empresa que está chegando em Lençóis. Ela é expressiva em logística e na demanda do fluxo turístico no litoral, com mais de 16 anos de existência. Eles estão estreando na Chapada, tem frota com mais de 30 ônibus, com lanchas. Fizemos a apresentação para o secretário, passando tudo o que estamos fazendo. Porque o secretário José Alves não acompanhou, mas agora o prefeito fez questão de ir apresentar o seu projeto ao secretário.
JC – Néri, espero ter lhe perguntado um pouco sobre o Projeto, senão, não faltará oportunidade. Agora, use nossos espaços para suas considerações finais.
HN – Obrigado pela oportunidade. Só quero registrar que é raríssimo uma prefeitura fazer um trabalho como o que estamos fazendo aqui em Lençóis. Graças ao empenho do prefeito Marcão. Um trabalho de melhoria e revitalização do turismo com articulação do Trade Turístico como um todo. Sem falar da participação dos empresários. Estamos vivendo um momento novo e renovador no Turismo de Lençóis.
Jornal da Chapada