O babalorixá Sivanilton da Encarnação da Mata, conhecido como Babá Pecê, embarcou na última quinta-feira (10) para acompanhar a canonização de Irmã Dulce no Vaticano. Ele é um dos admiradores da futura santa, que vai ser canonizada neste domingo (13). Atual babalorixá da Casa de Oxumarê, um dos terreiros de Candomblé mais antigos e tradicionais da Bahia, e que fica em Salvador, ele vai representar o carinho que os religiosos de matriz africana têm pelo “Anjo Bom da Bahia”, que era respeitada por diversos credos e até ateus.
Para o sacerdote, fazer parte desse momento histórico é uma forma de mostrar respeito com outras crenças. “Salvador é conhecida pelo sincretismo religioso, é uma cidade em que há uma cultura de diálogo entre as religiões, especialmente as de matriz africana e o catolicismo, por conta da formação dos nossos povos, da nossa história”, comentou. O sacerdote revelou ter vivido uma experiência pessoal com Irmã Dulce. Em março de 1990, a mãe dele, a Iyalorixá Mãe Nilzete de Iemanjá, estava internada em um hospital particular da cidade e precisava de uma medicação que não era disponibilizada na unidade.
Ela passou mal após tomar uma anestesia e estava com os movimentos do corpo parcialmente comprometidos. O estado de saúde da mãe de santo era tão delicado que o neurologista que a acompanhava, na época, sugeriu que a família lutasse para obter a substância, o cloridrato de papaverina. “Era um remédio caro e difícil de ser encontrado. Comecei a pedir nas farmácias, nos hospitais, mas não consegui. Já estava desesperado, quando decidi ir até o Largo de Roma”, lembra, referindo-se ao local onde está a sede das Obras Sociais Irmã Dulce e onde Irmã Dulce viveu até morrer.
Babá Pecê, que até ali ainda não era babalorixá, quis falar com Irmã Dulce, mas inicialmente não obteve permissão das pessoas que cuidavam dela. “Disseram assim: ‘Hoje ela não está atendendo ninguém porque está com a saúde abalada. Volte amanhã’. Saí andando pela praça, cabisbaixo, sem saber o que fazer. Estava perdido. Decidi insistir, pois já estava lá mesmo, precisava tentar mais uma vez. Quando ela ouviu a minha voz de novo, falou assim: ‘Esse rapaz veio me procurar e já é a segunda vez. Não estão vendo que ele está com algum problema? Deixem ele subir'”, conta.
Imediatamente a ordem dela foi obedecida. Ele ficou trêmulo e nervoso no encontro, entretanto foi acalmado pela religiosa. “Impressionante como ela era tão franzina e doce, ao mesmo tempo em que transmitia força no olhar”, acrescenta. Babá Pecê contou para Irmã Dulce o problema da mãe e prontamente recebeu ajuda. “Ela foi muito ágil. Logo começou a fazer ligações, tinha uma agenda cheia de contatos. Não desistiu até conseguir o remédio”, contou. O medicamento foi disponibilizado pelo Exército Brasileiro, graças ao apelo de Irmã Dulce. Apesar disso, a Iyalorixá não resistiu. “Quando cheguei no hospital com o remédio, recebi a notícia de que ela tinha piorado e só um milagre poderia salvá-la. Logo depois ela faleceu”, conclui.
Babá Pecê lembra dos fatos com emoção. “Aquele foi um momento muito nebuloso na minha vida. Foi difícil perder a minha mãe, mas conhecer Irmã Dulce de perto me marcou profundamente. Ela fez o que pôde para me ajudar, sem perguntar quem sou eu, quem era minha mãe, sem nenhum tipo de julgamento ou interesse. Realmente fazia o bem sem olhar a quem e eu pude testemunhar isso. Já respeitava a figura e o trabalho dela. Depois disso, passei a admirá-la ainda mais”. Essa foi a única vez que Babá Pecê e Irmã Dulce se viram. Porém, ele mantém um carinho enorme pela futura santa e foi presenteado por um grupo de brasileiros que vive na Itália para assistir à celebração no Vaticano.
“São pessoas que me acompanham dentro da espiritualidade e me convidaram por conhecerem esse episódio, por saberem que Irmã Dulce foi muito especial na minha trajetória. Eles também vão comigo ao Vaticano”, detalha o sacerdote. O babalorixá destaca que a baiana merece a veneração não somente dos baianos, mas de todos os brasileiros, independentemente de crenças religiosas, por causa do legado deixado por ela. “Irmã Dulce é um símbolo de fé, de amor para com os irmãos, de exemplo do que é amar ao próximo como a si mesmo. Ela é digna de todas as homenagens”, finalizou. Jornal da Chapada com informações de G1BA.