Com o superaquecimento do mercado de produtos para o tratamento do coronavírus, o governo da Bahia precisou pagar a mais por uma carga de respiradores comprada de fornecedores chineses. Segundo a reportagem apurou, foram encomendados nesta semana 300 aparelhos, a um custo total de R$ 48 milhões, ou R$ 160 mil a unidade. O governo da Bahia não confirma o dado oficialmente. Na semana passada, um carregamento de 600 respiradores que seriam destinados à Bahia ficou retido no aeroporto de Miami (EUA). O valor daquele contrato era de R$ 42 milhões, ou R$ 70 mil a unidade.
O custo por respirador do novo contrato é 2,28 vezes o do antigo. Além da explosão no preço, as condições de pagamento ficaram mais duras. Antes, o valor havia sido empenhado no orçamento da Bahia, e o desembolso seguiria o cronograma normal para despesas do tipo, o que poderia levar dias e até semanas. Agora, os chineses exigem pagamento à vista para fazer a entrega. Os aparelhos destinam-se aos Estados do Consórcio do Nordeste, presidido pela Bahia, e o custo será rateado entre eles. O governo baiano não informou os nomes das empresas fornecedoras nem quantos aparelhos cada Estado receberá.
O desafio mais complicado, no entanto, é de ordem logística. Numa tentativa de evitar o revés da carga anterior, a ideia é buscar os respiradores na China, para não correr o risco de o voo fazer escala nos EUA e os produtos ficarem retidos. Em transmissão realizada pela internet nesta quinta-feira (9), o governador Rui Costa (PT) afirmou que está em busca de várias opções. Ele disse que procurou a TAP, empresa portuguesa de aviação civil, pedindo ajuda para buscar os equipamentos, mas ouviu em resposta que seus aviões não são adequados para trazer essa carga.
Costa também afirma ter procurado o Ministério da Defesa, que afirmou que as Forças Armadas não têm cargueiros em número suficiente para buscar os aparelhos. Falou ainda com as embaixadas da Rússia e da China, na tentativa de fretar cargueiros, mas tampouco havia encontrado uma solução até aquele momento. “Estamos fazendo um esforço para montar uma estrutura de saúde, mas nem tudo está em nossas mãos. O Brasil não produz respiradores suficientes. Temos que importar da China, mas hoje tem problema de logística, porque a aviação do mundo inteiro está praticamente paralisada”, afirmou o governador.
Nesta quinta (9), o Ministério da Infraestrutura afirmou que deve organizar 40 voos com aviões cargueiros para buscar 960 toneladas de equipamentos de proteção na China. Mas o pedido da Bahia, a princípio não estaria incluído nisso. A corrida por produtos relacionados ao combate ao coronavírus se intensificou desde que o número de casos disparou nos EUA. Repentinamente, fornecedores de respiradores, máscaras, equipamentos para proteção de profissionais de saúde e testes de detecção da doença tiveram um salto na demanda.
Muitos dos fabricantes são da China, país em que o pior da pandemia já passou e que agora está disponível para fornecer produtos para o resto do mundo. Alguns produtores disseram que vão redirecionar linhas de produção não essenciais neste momento para fabricar equipamentos contra a Covid-19. Outros abriram mão de seus direitos de propriedade intelectual para que novos fabricantes entrem no mercado.
Não foi possível, no entanto, contornar totalmente a lei da oferta e da procura, até porque o mercado é dominado por diversas “tradings”, muitas delas americanas, que fazem a intermediação dos contratos de exportação. Elas são especialmente suscetíveis à pressão do governo americano, que vem utilizando uma lei dos anos 1950 para obrigar que todo o material produzido contra o coronavírus permaneça no país em caso de estado de defesa nacional.
Uma dessas empresas, a Sabri, foi a responsável por ter cancelado o contrato anterior com o governo da Bahia. Ao Itamaraty, a empresa disse ter tomado a atitude por conta própria, para não ser responsabilizada no futuro caso os respiradores sejam demandados domesticamente. A atitude irritou o governo baiano. “Inicialmente essa empresa alegou que desistiu por livre e espontânea pressão dos americanos. Mas depois disse que foi por vontade própria”, afirmou Costa.
“Os americanos tiveram prioridade sobre os brasileiros e baianos”, disse. Já a empresa fabricante dos aparelhos retidos em Miami é a americana Medtronic, uma das gigantes mundiais do setor médico, que tem escritórios, fábricas ou representações em 150 países. A empresa diz que seus respiradores são fabricados na Irlanda e que não teve participação na decisão de suspender a venda ao Brasil. A redação foi extraída na íntegra da Folha de S. Paulo.