No estado de Pernambuco, o professor de ciências Arthur Cabral, de 29 anos, sai às 8h de sua casa na capital Recife, de bicicleta, rumo à cidade vizinha Camaragibe, fazendo um trajeto de mais de sete quilômetros. O educador cumpre a mesma rotina toda sexta-feira, desde meados de maio.
São cerca de 30 minutos até chegar ao bairro Vila Fábrica, onde fica a Escola Estadual Deputado Oscar Carneiro, na qual trabalha. O esforço do professor não é para dar aula, é para levar de porta em porta nas residências de, em média, 20 alunos do 6º e 7º anos do Ensino Fundamental as tarefas semanais de várias disciplinas.
O grupo de alunos não consegue participar de todas as atividades no sistema de ensino a distância durante a pandemia do coronavírus por não ter acesso à internet; outros sequer possuem celulares ou computadores para assistir às aulas virtuais. Ou, quando há aparelho, não é suficiente para toda a família. As aulas presenciais nas escolas públicas do estado em Pernambuco foram paralisadas no dia 18 de março.
A partir do início de abril, elas começaram a ser transmitidas pela plataforma Educa-PE, com vídeos no YouTube, para as turmas do Ensino Fundamental e pela televisão aos estudantes do Ensino Médio. Três emissoras passam ao vivo as aulas, cujo conteúdo é igual para todas as instituições da rede estadual.
Com a adoção do modelo virtual, Cabral notou que eram sempre os mesmos alunos ausentes nas atividades durante abril e maio. Tentou contato com as famílias, mas sem sucesso. Após conversar com outros professores e com a direção da escola, decidiu por conta própria entregar tarefas nas casas desses estudantes. Ele conta com doações de amigos para imprimir o material e levá-lo em envelopes.
“Gasto em torno de três horas para entregar todas as atividades. Muitos estudantes moram em local de difícil acesso, com escadarias. Em alguns, nem de bicicleta consigo entrar. Preciso deixá-la em um ponto e ir caminhando. Tem uma ladeira que só para subir eu levo dez minutos”, conta Cabral.
Nicoly Santos, de 12 anos, é uma das alunas atendidas pelo professor. Ela e os três irmãos dependem de um único celular, para conseguirem acompanhar as atividades. Como o aparelho é da mãe e ela só chega do trabalho à noite, as tarefas estavam acumulando. Para piorar, a diarista Joelma Santos contraiu covid-19 e ficou em quarentena afastada dos filhos, que foram para a casa da tia.
“Volto muito cansado, mas com a sensação de dever cumprido. Para mim, tem sido gratificante poder contribuir com esses estudantes. Parte do meu ensino básico foi em escola pública. Tenho essa vivência e acompanhei de perto qual é a dificuldade do aluno. Os pais me recebem, apertam minha mão, me agradecem, perguntam quando vai ser a próxima. Acho que isso é dar voz a essas pessoas, para que elas saibam que são importantes. E eu as considero muito importantes”, diz o professor.
As visitas ocupam toda sua manhã de sexta-feira e o professor costuma voltar para sua casa na capital às 12h, exausto. Segundo ele, apesar do desgaste, o esforço vale a pena. Jornal da Chapada com texto base do jornal O Globo.