Insatisfação e condições precárias de trabalho. Essa é a realidade dos 53 Agentes Comunitários de Saúde (ACS), sendo 39 efetivos 14 contratados como prestadores de serviço do município de Piatã, na Chapada Diamantina. Eles passaram a acumular a função de acompanhar as famílias com os serviços relacionados à pandemia de covid-19. Sem poderem se identificar, devido à perseguição sofrida pela coordenação, segundo depoimento dos ACSs, os profissionais terão seus nomes substituídos por nomes fictícios, para que suas identidades sejam preservadas, evitando, assim, qualquer possibilidade de retaliação.
Agora, com a pandemia do coronavírus, ainda segundo os agentes, o trabalho aumentou, com o acúmulo de funções, e nem o equipamento adequado recebem. “Recebemos uma máscara de pano confeccionada pelo Cras [Centro de Referência em Assistência Social]. E com a suspensão das visitas nas casas, passamos a fazer o trabalho remoto, estávamos obedecendo os protocolos. Mas, agora, a coordenadora Priscila mandou retomar as visitas, de casa em casa”, desabafa ‘Isabel Maria’. “Nas barreiras sanitárias, inicialmente, tomávamos sol, chuva e vento. Até que a Brigada [Brigada Atitude Ambiental] colocou plástico ao redor do espaço e disponibilizou capas de chuva. Mas não recebemos nem luvas”, completa a denunciante.
Para os ACSs que atuam no distrito de Inúbia, a situação é a mesma apresentada pelos demais funcionários. “Nós, que atuamos no distrito de Inúbia, somos cobrados por produtividade, mas nem computador tem na unidade. Fora quando estamos na barreira e não temos como ir ao banheiro. Não sei como podemos conciliar os atendimentos às famílias com o atendimento nas barreiras sanitárias. As famílias têm medo dos ACSs que ficam nas barreiras indo nas suas casas, porque temos contato com pessoas positivadas para covid-19”, relata o agente.
‘Dione Souza’, que é agente de saúde há 12 anos, fala sobre as condições de trabalho inadequadas. “Ficamos oito anos sem aparelho de aferir pressão. Eles diziam que não era nossa atribuição. Agora, na pandemia, eles vieram com os aparelhos, querendo que a gente vá nas casas, em plena pandemia. E os termômetros que recebemos para medir a temperatura foram termômetros clínicos, digitais, desses caseiros, que coloca debaixo do braço”. Souza segue, demonstrando indignação com a gestão municipal: “Como faremos medição de temperatura nas casas com termômetros que têm que ser colocados no corpo das pessoas, se temos que manter distância da população? E com máscaras de tecido que ficam úmidas muito rapidamente?”, questiona.
Sua colega, ‘Antônia Rodrigues’, revela a diferença de equipamento entre os profissionais que atuam nas barreiras sanitárias. “Na barreira colocaram um termômetro desse, de testa, infravermelho, digital, tipo pistola. Só que é regulado, para determinadas pessoas, e nós ACSs não temos acesso”. Ela continua, falando sobre o adicional de insalubridade: “Sobre a gratificação que ficaram de pagar para os agentes que acumulassem o atendimento nas barreiras, esse dinheiro nunca chegou”.
Contratos firmados não garantem equipamentos
De acordo com informações enviadas ao Jornal da Chapada, inúmeros contratos foram firmados com diferentes empresas para fornecimento de materiais. Entre eles está o contrato de nº 0128/2020, entre o comerciante Jadir Pereira Marques, dono de uma farmácia local, com a Secretaria Municipal de Saúde, firmado em 24 de abril. O contrato foi por dispensa de licitação (nº 0229/2020), com o objeto de comprar “álcool em gel, máscara e luvas, para serem utilizados no hospital municipal, barreiras sanitárias, PSFs, ações dos Agentes Comunitários de Saúde, Vigilância Sanitária e Epidemiológica”, durante a campanha de prevenção à covid, “conforme decreto nº21/2020, em concordância com a Lei Federal de nº 13.979/2020”, no valor de R$5 mil.
Isso demonstra que estão sendo adquiridos itens com o recurso destinado ao enfrentamento da doença, conforme consta nos sites Portal da Transparência e www.piata.ba.gov.br. Esses contratos estão disponíveis para consulta pública, inclusive, o de nº 0130/2020, entre a Secretaria de Saúde também com dispensa de licitação (nº 0231/2020), com objeto de comprar máscara protetora de acrílico a serem utilizados também no hospital municipal, nas barreiras sanitárias, PSFs, ações dos ACS, Vigilância Sanitária e Epidemiológica.
Consta outro contrato, firmado com Helena Matias Porto, CNPJ 011.270.680/0001-8, contrato 0284/2020, de 24 de abril de 2020, no valor de R$810. Porém, esse número de CNPJ da empresa foi pesquisado e se refere à Gráfica Mix, localizada em Livramento de Nossa Senhora, que tem a atividade econômica principal a impressão de material para uso publicitário (CNAE 1813001), e o endereço que consta no contrato, “Avenida Desembargador Jose Soares Sampaio, 466, Cômodo, Centro, Livramento de Nossa Senhora, BA, CEP 46140-000”, não é reconhecido pelo aplicativo do Google Maps.
Mais um processo com o objetivo de aquisição de máscaras PFF2, luvas P, M e G, máscaras duplas cirúrgicas, avental impermeável estéril, para utilização “no hospital municipal, nas barreiras sanitárias, PSFs, ações dos ACS, Vigilância Sanitária e Epidemiológica”, durante a pandemia, através da Secretaria de Saúde, por meio de dispensa de licitação (nº 0230/2020), contratou a ‘Repair Surgical Materiais Odonto Médico Hospitalar’, CNPJ 10.747.105/000162, no valor de R$25.190,00. Porém, segundo os agentes comunitários de saúde ouvidos, esses equipamentos não chegam até eles.
São inúmeros os contratos para aquisição de materiais para o combate à covid-19, entre empresas e a Secretaria de Saúde. Foi ainda relatado pelos agentes que também não receberam equipamentos e produtos do processo que resultou a dispensa de licitação nº 0224/2020, cujo objeto foi a compra de álcool em gel, avental, óculos acrílico, máscara e luvas, para suprir as necessidades na campanha de prevenção de combate à covid-19. A compra aconteceu via Secretaria de Saúde com a ‘Mais Saúde Material Hospitalar Ltda.’, CNPJ 17.406.286/0001-02, contrato 0277/2020, de abril de 2020, no valor de R$1.996,00.
“Muitos profissionais que trabalham na ponta, diretamente com a população, nunca viram esses equipamentos”, completa um dos denunciantes. O Jornal da Chapada franqueia os espaços para apresentação do contraditória das partes envolvidas no assunto que resultou esta matéria.
Jornal da Chapada