Uma sequência de acontecimentos no início deste ano na crise do coronavírus colocou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ainda mais contra a parede, isso em meio a novos recordes de mortes e de contaminados pelo coronavírus, no pior momento da pandemia no país, com situações críticas em todas as regiões do Brasil.
A crise da covid-19, com a morte de pacientes por falta de oxigênio em Manaus e os fracassos em série do planejamento federal para aquisição e distribuição de vacinas, reforçaram os embasamentos jurídicos que podem ser usados em eventual abertura de processo de impeachment contra o presidente.
Com base nas regras da Constituição e da Lei dos Crimes de Responsabilidade (1.079/50), os dois mecanismos jurídicos cabíveis, há possibilidade de enquadramento de atos e omissões de Bolsonaro e do governo no enfrentamento da doença.
A Folha compilou ao menos 23 situações em que Bolsonaro, em seus dois anos e dois meses de governo até aqui, promoveu atitudes que podem ser enquadradas como crime de responsabilidade, e que vão das omissões da crise do coronavírus aos reiterados apoios a manifestações de cunho antidemocrático.
Como revelou o Painel, da Folha, o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, avisou a conselheiros que deve convocar para terça-feira (9) sessão extraordinária do plenário da entidade para tratar de omissões de Bolsonaro na condução da pandemia.
A expectativa de integrantes é a de que o impeachment do presidente seja o tema da reunião. O plenário da OAB foi a instância da entidade que pediu o impeachment de Fernando Collor, Dilma Rousseff e Michel Temer.
O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), tem repetido que a abertura de um processo de impeachment contra o presidente não está entre suas prioridades e que não vê clima para a “medida extrema”.
Rodrigo Maia (DEM-RJ) deixou o cargo de presidente da Câmara com mais de 60 pedidos de impeachment em análise. Pela legislação, cabe ao presidente da Casa decidir, de forma monocrática, se há elementos jurídicos para dar sequência à tramitação do pedido.
Nesse caso, o impeachment só é autorizado a ser aberto com aval de pelo menos dois terços dos deputados (342 de 513), depois de votação em comissão especial.
Recente pesquisa do Datafolha feita em janeiro mostrou que, para 53% dos entrevistados, a Câmara dos Deputados não deveria abrir um processo por crime de responsabilidade contra o presidente.
O número indica uma estabilidade ante o levantamento anterior, de 8 e 10 de dezembro, quando 50% descartavam a medida. Já aqueles que defendem o impeachment oscilaram negativamente, de 46% para 42%, enquanto quem não sabia responder passou de 6% para 4%.
Desde o início da disseminação do novo coronavírus, Bolsonaro tem falado e agido em confronto com as medidas de proteção, em especial a política de isolamento da população.
Ele já tinha usado as palavras histeria e fantasia para classificar a reação da população e da imprensa à pandemia.
Na semana passada, por exemplo, afirmou: “Nós temos que enfrentar os nossos problemas, chega de frescura e de mimimi. Vão ficar chorando até quando? Temos de enfrentar os problemas. Respeitar, obviamente, os mais idosos, aqueles que têm doenças, comorbidades, mas onde vai parar o Brasil se nós pararmos?”.
Bolsonaro também distribuiu remédios ineficazes contra a doença, incentivou aglomerações, atuou contra a compra de vacinas, espalhou informações falsas sobre a Covid-19 e fez campanhas de desobediência a medidas de proteção, como o uso de máscaras.
Reportagem da Folha deste domingo (7) mostrou que o governo brasileiro rejeitou no ano passado proposta da farmacêutica Pfizer que previa 70 milhões de doses de vacinas até dezembro deste ano. Do total, 3 milhões estavam previstos até fevereiro, o equivalente a cerca de 20% das doses já distribuídas no país até agora.
O anúncio feito pelo Ministério da Saúde nesta última semana de que pretende comprar doses da vacina da empresa norte-americana ocorreu quase sete meses após a primeira oferta apresentada, que previa que as primeiras entregas fossem feitas ainda em dezembro de 2020.
Neste domingo, o Brasil registrou 1.054 novas mortes pela Covid-19 e manteve, pelo nono dia seguido, recorde de média móvel de óbitos, com 1.497. O recorde anterior era de 1.455.
Dessa forma, o país completa 46 dias com média móvel acima de 1.000. O número de casos nas últimas 24 horas foi de 79.237. Com isso, o total de mortes no país chegou a 265.500 e o de casos a 11.018.557 desde o início da pandemia.
O total de óbitos chegou a 259.402 e o de casos, a 10.722.221, desde o início da pandemia. O Brasil já está há 42 dias seguidos com média móvel de mortes acima de 1.000.
Constituição
Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I – a existência da União;
III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
V – a probidade na administração;
VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Lei 1.079/50 (Lei dos Crimes de Responsabilidade)
Dos crimes contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais
Art. 7º São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos direitos políticos, individuais e sociais:
9 – violar patentemente qualquer direito ou garantia individual constante do art. 141 e bem assim os direitos sociais assegurados no artigo 157 da Constituição [esses dispositivos são da Constituição de 1946, vigente à época, e devem ser adaptados à Constituição de 1988]
Art. 9º São crimes de responsabilidade contra a probidade na administração:
3 – não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição;
4 – expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição;
7 – proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo.
Código Penal
Art. 268 – Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa
Art. 319 – Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal. Extraído na íntegra da Folhapress.