O governo Jair Bolsonaro (sem partido) implementou um sistema para monitorar paralisações no setor público federal. A indicação é de corte de ponto automático de servidor grevista.
A medida é vista como ataque ao direito de greve por professores e sindicalistas, além de inibir a organização do funcionalismo. Haveria ainda efeitos de intervenção nas universidades federais, que gozam de autonomia.
Trata-se de uma regra criada em maio, a partir de uma instrução normativa do Ministério da Economia.
Pelo texto, os órgãos federais devem informar o governo federal, em sistema online, a ocorrência de greve para que haja imediato desconto de remuneração.
“Constatada a ausência do servidor ao trabalho por motivo de paralisação decorrente do exercício do direito de greve, os órgãos e entidades integrantes do Sipec [Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal] deverão processar o desconto da remuneração correspondente”, diz a Instrução Normativa 54.
O governo Bolsonaro tem um posicionamento de confronto com o serviço público. O ministro da Economia, Paulo Guedes, já comparou servidores a parasitas.
No âmbito da educação, universidades federais já foram apontadas como focos de desperdício de recursos e dominados pela esquerda. Bolsonaro tem desrespeitado a vontade das comunidades na nomeação de reitores.
Procurados, os Ministérios da Economia e da Educação não responderam.
O corte de ponto em casos de greve tem respaldo em decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), de 2016. Porém, há o entendimento de que a medida ocorra com base na negociação com os trabalhadores.
A instrução prevê pactuação com os grevistas da compensação de horas, com a devolução dos valores. Mas isso deve ocorrer somente com a anuência do órgão central do Sipec, sob responsabilidade do Ministério da Economia.
Isso significa, portanto, que o Executivo é quem dará a palavra final sobre essa possibilidade.
A Folha teve acesso a uma mensagem da pasta encaminhada a universidades federais em 19 de julho. Há a orientação para que haja a ndicação de um servidor responsável pelos “registros de greve diários”.
Na quarta-feira (18), servidores das três esferas realizaram paralisação contra a reforma administrativa. A reportagem questionou a Economia se houve desconto de ponto, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
O professor de direto Gustavo Seferian, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), diz que a medida serve para inibir mobilizações dos servidores públicos.
“Isso ofende gravemente o direito de greve e a possibilidade de organização. Independentemente das pautas e das razões, o corte de ponto passa a ser o princípio”, diz ele, encarregado de assuntos jurídicos do Andes-SN (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior).
A decisão do STF coloca o corte “como possibilidade, não necessidade”, afirma Seferian.
Além da decisão do Supremo, a instrução também se ancora em parecer da AGU (Advocacia-Geral da União), também de 2016.
O texto diz que “a administração pública federal deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos”.
O entendimento de Seferian é compartilhado pelo professor do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da USP Marcus Orione.
“Atos administrativos ou normativos têm de seguir orientações da Constituição e da lei pertinente”, diz.
Para ele, as instruções normativas devem ser vistas como de caráter consultivo, sem obrigação de tomada de decisões. O professor também vê a medida em confronto com o direito de greve.
“A greve em si é movimento autorizado constitucionalmente e o corte de ponto é forma de acabar com a greve. Apesar do entendimento do Supremo, o que há é uma possibilidade, mas não imediata.”
Segundo Orione, não se pode proceder o corte imediatamente sem manifestação de um tribunal “sobre aspectos da ilegalidade e do próprio mérito do que esta se debatendo”.
O professor diz causar preocupação a criação de uma lista de grevistas, com risco de perseguição e retaliações.
Ele ressalta ainda que, no caso das universidades, depender de órgão externo de fazer validação de acordo de compensação de horas é ilegal. “Isso é intromissão clara na autonomia universitária. Isso tem de ser decidido internamente.”
Seferian, da UFMG e do Andes-SN, faz a mesma ponderação por causa da autonomia universitária, garantida pela Constituição.
Na maioria dos casos, diz ele, a compensação de horas após períodos de greve é acordada entre professores e servidores técnico-administrativos com as chefias imediatas de departamentos e unidades.
Sergio Ronaldo da Silva, presidente da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal, diz que o governo tem editado um número enorme de medidas que afetam as regras para os servidores.
“É mais um ato autoritário, primeiro executam o corte para depois entender o mérito. É uma situação que tem a ver com a sistemática do governo, que não dialoga, não negocia e vem para repressão.” As informações são de Folhapress.